Nas redações por onde passou, Elio Gaspari tornou clássico um caso que costuma contar sobre um repórter no Rio do início dos anos 1970 que, ao entrevistar o na época presidente da Petrobras, começou por perguntar ao general Ernesto Geisel quantos barris diários de petróleo a empresa produzia. O futuro general-presidente, com sua legendária franqueza rude, encerrou a entrevista ali mesmo, despachando o repórter.
‘Se o camarada vem até aqui para me fazer perguntas e nem sequer se informou sobre a produção da empresa, como pode me entrevistar?’ – resmungou depois. O general não entendia e não gostava de imprensa nem de jornalistas, mas tinha razão. Ele tocou, ali, numa questão essencial, básica, da profissão, que no entanto em nossas discussões sobre o jornalismo no Brasil tem permanecido, como tantos outros pontos ‘operacionais’, em segundo plano diante da magnitude da crise que a mídia atravessa – crise financeira, técnica, ética, política e trabalhista.
Falamos, é claro, da velha e boa ‘lição de casa’ que todo jornalista deve fazer antes de uma reportagem. Requisito óbvio e indispensável desde os primórdios da profissão e que, no entanto, continua sendo com freqüência deixado de lado no dia-a-dia das redações de jornais, revistas, portais de internet e emissoras de rádio e TV.
Como se sabe, existem para nós, jornalistas, duas vertentes desse conceito: a lição de casa em sentido lato, amplo, que é preparar-se adequadamente antes de escrever ou, em rádio e TV, de produzir a matéria – ou seja, ter lido o suficiente, consultado arquivos e livros, ter entrevistado quem precisava ser ouvido; e a lição de casa em sentido estrito, ou seja, a fase preliminar a tudo, aquela de preparar-se minimamente antes de começar a apuração, principalmente se informando o suficiente sobre o assunto para realizar boas entrevistas. Um evento recente trouxe o tema à baila, nas duas vertentes.
O perigo de errar cobrindo a TV
Não se trata de um megaacontecimento como a morte e os funerais do papa João Paulo II nem de tema cortante e tenebroso como a chacina cometida por policiais na Baixada Fluminense. Longe disso. De propósito, vamos tratar do assunto partindo de algo de teor ameno: várias reportagens e comentários publicados em diferentes veículos sobre a ultrapremiada série americana de televisão The West Wing, que aborda os bastidores da Casa Branca sob um fictício presidente democrata dos Estados Unidos. O título se refere à ala da Casa Branca onde fica o gabinete do presidente, o Salão Oval. A série, semanal, vai ao ar com legendas pelo canal pago GNT (temporada atual) e, na TV aberta, pelo STB, com atraso de temporadas em relação ao GNT e dublada.
O ‘gancho’ para tais matérias veio do fato de que o presidente em The West Wing, Jed Bartlet (interpretado pelo ator Martin Sheen), está no último ano de seu segundo e último mandato e os produtores vivem o processo de decidir o que fazer em seguida, entre a sexta (e atual) temporada da série e a seguinte: devem enveredar pela eleição de mais um presidente democrata que, tal qual Bartlet, seja um antípoda quase absoluto do presidente na vida real, o republicano George W. Bush? Ou fazer de alguma forma o novo chefe de Estado fictício aproximar-se da realidade da Casa Branca atual e ser, também na tela, um republicano?
Se há um terreno em que é perigoso para nós, profissionais, cometer erros factuais, esse é o da televisão. Diferentemente de outras áreas que cobrimos, às quais temos acesso privilegiado em razão da profissão, aquilo que passa na televisão é testemunhado por multidões. Em telenovelas, minisséries e séries importadas, como é o caso neste artigo, o público conhece em detalhes os enredos, os personagens, as idas e voltas das tramas, lembra-se de episódios anteriores, memoriza o passado dos protagonistas. Os jornalistas, nem sempre – especialmente os que não acompanham em cima a rotina da TV. Os que, em resumo, não têm tempo ou disposição para fazer a lição de casa – em sentido amplo ou estrito. Por isso, as revistas semanais de informação, que cobrem a área de forma bissexta, não raro cometem ‘barrigas’ espetaculares ao tratar de TV.
Paciência de assistir aos episódios
No caso de The West Wing, apareceram sinais de falta de lição de casa até em reportagem de jornalista que a Warner Brothers – responsável pela série – levou a Los Angeles para se informar diretamente nas fontes escolhidas pela empresa. Tais viagens, por sinal, são um bom tópico para se comentar neste Observatório: o que pauta o jornalismo na área de Artes e Espetáculos da mídia são as necessidades do leitor/internauta/ouvinte/telespectador ou os interesses dos produtores de cultura e entretenimento? Mas, voltando ao ponto deste artigo: uma reportagem, lá pelas tantas, refere-se ao personagem Leo McGarry, ‘chefe de gabinete’ do presidente Bartlet.
Ora, alguma familiaridade com a série permite saber que McGarry deixou as funções há pelo menos 12 episódios – três meses na vida real e muito mais no tempo imaginário do seriado – por causa de um ataque cardíaco. E uma das grandes atrações da temporada atual passou a ser justamente o fato de que Bartlet o substituiu por sua então secretária de Imprensa, que se tornou a primeira mulher da história a ocupar o cargo. Faltou lição de casa em sentido amplo – preparação suficiente antes de escrever a matéria, que no caso incluía ter a paciência de assistir a vários episódios da história para captá-la adequadamente.
Em outra altura, o texto atribui ao produtor John Wells a informação de que há ex-assessores da Casa Branca entre os roteiristas. Isto é contado em tom de novidade e, ao mesmo tempo, atribuído ao produtor, como se não fosse algo constatável. Na verdade, The West Wing mostra desde sua primeira temporada, nos créditos ao final de cada episódio, que efetivamente conta com um timaço de ex-colaboradores de presidentes e de candidatos à Presidência.
Vendo demais em The West Wing
Gente como nada menos do que um ex-chefe da Casa Civil do presidente Ronald Reagan, um ex-secretário de imprensa de George Bush pai e uma ex de Bill Clinton, além de um especialista em pesquisas que trabalhou para Jimmy Carter e um ex-diretor do Conselho Econômico Nacional da Casa Branca sob Clinton. Para quem não sabe quem são aqueles nomes, bastaria pesquisar… Quer dizer, aqui ocorreu falta de dever de casa em sentido estrito: uma melhor preparação para a viagem traria melhor resultado final.
Um segundo texto assegura que o presidente fictício de The West Wing passa por uma fase de maus bofes diante da possibilidade de não eleger o sucessor. O caso é bem outro: o Bartlet da série, gravemente afetado por uma doença degenerativa, afastou-se da sucessão de forma premeditada porque, sem seus derradeiros 365 dias no Gabinete Oval, pretende concentrar-se na conclusão de um legado que inclui a melhoria das relações com a China, a paz no Oriente Médio e a contenção do regime delirante da Coréia do Norte. Por ora, não poderia preocupar-se com os adversários porque nem se sabe ainda quem vai disputar a indicação republicana..
Uma terceira matéria conclui, depois de o autor assistir a um determinado episódio, que na série ‘resta a sensação de que heroísmo e respeito institucional são coisas incompatíveis’ – quando The West Wing recebe críticas, nos EUA, pela razão exatamente oposta: a série, vis-à-vis a realidade e, sobretudo, a realidade de George W. Bush, idealizaria ao limite da inverossimilhança o presidente Bartlet e o respeito de sua administração pelas instituições, a lei, as normas internacionais e os direitos humanos.
Contando a história da Alemanha nazista
A lição de casa é como a prática quotidiana de atividade física: não raro chata, muitas vezes penosa – mas absolutamente indispensável. É óbvio que a vida de um jornalista também é feita de situações em que não está em questão ter ou não se preparado previamente para uma tarefa: o furo que nos cai no colo, a crise que estoura sem avisar, o inesperado que tem tudo para ganhar manchetes. Aí, não tem jeito: é pegar ou largar.
Mas, na grande maioria dos casos, as redações escolhem o que vão cobrir ou pelo menos têm conhecimento, com alguma antecedência, do que precisa ser coberto. É quando aparece a necessidade da lição de casa. É aí que, sem ela, não existe bom jornalismo.
Ao longo da história, muitos jornalistas se constituíram em casos heróicos de preparação para uma tarefa, principalmente para a elaboração de livros de reportagem. O americano William L. Shirer, ex-repórter do jornal Chicago Tribune em Paris e em Viena, repórter da rádio CBS na Alemanha nos primórdios do nazismo e autor da gigantesca obra-prima Ascensão e Queda do III Reich – Uma História da Alemanha Nazista talvez seja um recordista em matéria de fazer o dever de casa em qualquer dos dois sentidos.
Anos a fio numa papelada infernal
A ele foi franqueado o acesso a uma imensidão quase impensável de documentos apreendidos pelos Aliados às vésperas da rendição da Alemanha nazista na II Guerra Mundial. Só de uma única procedência, o Ministério de Relações Exteriores do III Reich, o I Exército americano desencavou, de esconderijos em minas e castelos, 485 preciosas toneladas de papel.
Shirer, além disso, teve acesso a 42 volumes de depoimentos prestados perante o tribunal de crimes de guerra de Nuremberg, cuja primeira parte, aliás, ele cobriu com grande competência para a CBS e o extinto jornal The New York Herald Tribune.
É claro que era humanamente impossível ler tudo isso, mas ele fuçou a papelada infernal durante anos a fio e realizou centenas de entrevistas, e não é de estranhar que seu livro, no original com 1.250 páginas, só tenha sido enfim lançado em 1959, 14 anos após a derrocada da ditadura maligna do Führer.
O ‘Dia D’, Elio Gaspari, Fernando Morais
Outro que se lançou a uma tarefa quase sobre-humana foi o irlandês Cornelius Ryan, que cobriu a II Guerra em várias frentes para a agência Reuters e o para venerando The Daily Telegraph de Londres. Focado especialmente em entrevistas, mas sem desprezar documentos, só para um dos livros que escreveu a respeito do grande conflito, o célebre O Mais Longo dos Dias – sobre a maior operação militar da história, o desembarque aliado na Normandia, a 6 de junho de 1944, o ‘Dia D’ – Ryan colheu mais de mil depoimentos de oficiais e soldados nos EUA, no Canadá, na Grã-Bretanha, na Alemanha e na França (nesta, também de civis). O livro igualmente só veio a público em 1959, 15 anos depois do Dia D.
Esses são, claro, casos extremos. Mas o universo da não-ficção, inclusive no Brasil, tornou rotina megatrabalhos de repórteres que, para escrever um livro, além da leitura de extensa bibliografia e consulta de vastos arquivos, realizam centenas de entrevistas. Entre vários exemplos, temos os de Fernando Morais e Ruy Castro.
E sobretudo o de Elio Gaspari, que, para sua extraordinária obra sobre a ditadura militar, de que se publicaram quatro volumes a partir de 2002, passou duas décadas anotando o que viu e viveu, entrevistando personagens, lendo livros, coletando documentos e percorrendo arquivos inéditos – esforço suficiente para preencher 30 mil fichas de informação no computador.
Dois marcos: a Pesquisa do JB e o Dedoc da Abril
Na rotina mais terrena das redações, a preparação para as empreitadas jornalísticas de um ou outro modo existiu desde que o jornalismo começou a tomar forma de empreendimento. No Brasil, todos os grandes jornais, a começar pelo O Estado de S. Paulo, aos poucos passaram a dispor de arquivos, mais ou menos rudimentares, quando os jornalistas começaram a mudar a prática de cada um se virar por si como possível. Mas certamente um marco terá sido o Departamento de Pesquisa do Jornal do Brasil, criado por Alberto Dines em 1962, tão logo assumiu o comando da redação para uma gestão renovadora que se estenderia por quase 12 anos.
Seu primeiro titular, Nonato Masson, comprou os primeiros livros de referência e começou a organizar pastas de recortes do que acabaria sendo um modelo para a imprensa brasileira, pois Dines transformaria o Departamento em algo mais moderno e dinâmico – uma editoria, que alimentava as diferentes editorias da redação com textos próprios. Por ali passariam, entre vários, Murilo Felisberto e Fernando Gabeira.
Em São Paulo, pelo menos duas, senão três gerações de jornalistas – e faço parte da primeira – muito devem ao excepcional Departamento de Documentação da Editora Abril (Dedoc), provavelmente o melhor do gênero no Brasil, e páreo para bancos de dados de qualquer instituição. Criado em 1968 para dar suporte à revista semanal de informações que a Abril lançaria em setembro daquele ano, a Veja, o Dedoc aos poucos se transformou em centro de romaria obrigatório para colegas das outras revistas da empresa. Em várias delas, especialmente em Veja – e lá fiquei por um longo e enormemente rico período, entre 1975 e 1983 –, era malvisto quem não mergulhava no Dedoc antes de fazer uma entrevista com uma fonte de peso ou de começar matéria de maior fôlego.
O exemplo do Dedoc frutificou a ponto de mesmo veículos modestos fora dos grandes centros estabelecerem algum tipo de banco de dados. Então veio a internet. Ela tornou indesculpável a falta de lição de casa, embora, como sabemos, recomende cuidados no uso, tantas são as bobagens e barbaridades apresentadas como verdade que qualquer um de nós encontra a cada momento.
Confiando demais na memória
Ao longo de 40 anos de carreira, cansei de ver talentos promissores naufragarem na profissão, cedo ou tarde, por excesso de confiança em dotes pessoais – memória, capacidade de observação, em especial um bom texto, que supostamente ‘salva’ matérias – em prejuízo da menos charmosa necessidade de fazer o dever de casa. Em compensação, tive a oportunidade de ser subordinado, colega e chefe de muitos jornalistas que foram e são admiráveis também nesse quesito.
Um deles, o grande repórter Ricardo Kotscho, ainda recentemente contou, com humildade de principiante a despeito de suas quase quatro décadas no ramo, que quando participa de programas de televisão como o Roda Viva lê todo o enorme dossiê sobre o entrevistado que a produção costuma enviar aos jornalistas convidados. Mais que isso: anota para si mesmo, por escrito, as perguntas que pretende fazer ao longo do programa. Modesto, atribuiu o hábito à timidez, quando os que o conhecem sabem tratar-se do resultado da aplicação e seriedade com que encara o trabalho.
A experiência é sempre uma grande conselheira, como mostra Kotscho. Mas nem os experientes estão dispensados de manter a ‘prontidão’ que a profissão invariavelmente exige. Você pode ter-se preparado para a tarefa, ter tudo visto e revisto e, na hora H, acaba morrendo na praia por um detalhe. Confiar demais na memória, por exemplo. Quem já não viveu essa experiência, sendo foca ou veterano? Tive várias ao longo da vida. A mais recente ocorreu em julho de 2003, quando atuava como comentarista do boletim multimídia Jornal do Terra. Foi durante uma entrevista ao vivo no estúdio de TV do portal Terra com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de que participaram o editor-chefe José Roberto Toledo, a âncora Maria Lins e eu.
Com FHC, um ‘branco’ ao vivo
Estávamos no sétimo mês do governo Lula, e me preparei para a entrevista repassando temas quentes daquele momento e questões polêmicas dos oito anos do ex-presidente. Contrariando um hábito, porém, não escrevi a lista de itens de que tencionava tratar. A entrevista seguia bem, consegui encaixar algumas perguntas decentes até que, num momento em que, pela ordem seguida desde o início do programa, imaginava que Maria Lins fosse ela própria fazer uma pergunta, ou passar a palavra a Toledo. Ela, no entanto, se dirigiu a mim. Ato contínuo, veio um ‘branco’.
Por instantes, não me lembrava de nada do que queria perguntar. Antes que percebessem o problema, lancei mão do velho truque de pedir ao entrevistado para esclarecer melhor algo que ele acabara de dizer – no caso, o temor alegado pelo ex-presidente de que o governo Lula perdesse ‘o ponto do bolo’ em sua política social.
Pergunta pífia, que apenas engoliu segundos preciosos do programa, quando FHC poderia ter sido questionado sobre as suspeitas de corrupção em torno da emenda constitucional que permitiu sua reeleição, só para ficar numa questão relevante. Não me adiantou a lição de casa feita, se ela não tivera o fecho com a feitura da lista que ajudaria a memória na hipótese de um imprevisto – que aconteceu.
Mais de mil textos lidos
Se um dever de casa incompleto pode causar problemas de um tipo, quando excessivo é possível que resulte em outro. O excesso de informação às vezes detona um efeito paralisante naquele momento, sempre algo sofrido e desafiador, de afunilar tudo o que apuramos para enfim fazer a matéria no espaço disponível. Quem já não passou por coisa parecida? Claro que me incluo na lista. Minha mais dramática experiência no gênero é bem anterior ao que o episódio do Terra. Deu-se em Veja, às vésperas da eleição presidencial americana de 1980.
Como subeditor da Internacional, na época uma editoria-chave na revista, pilotada pela esplêndida jornalista que é Dorrit Harazim, uma de minhas responsabilidades era coordenar a cobertura dos EUA – onde Veja tinha dois excelentes correspondentes – e seu papel no mundo. Vivia-se um ano de fortes emoções nos EUA: entre outras coisas, o presidente Jimmy Carter enfrentava, no plano externo, a grave e interminável crise dos reféns na embaixada americana no incendiário Irã, ocupada por partidários do aiatolá Khomeini; no plano interno, precisara se impor e derrotar dentro de seu partido um adversário formidável, que falava muito ao coração dos democratas, o senador Edward Kennedy.
Mergulhado até o pescoço e há meses no assunto, coubera-me escrever dezenas de matérias sobre a eleição. Numa época em que as capas de Veja eram objeto de um grau de exigência, um rigor e uma profundidade que jamais viria a encontrar em outro veículo, eu já redigira três delas, de grande porte, sobre as eleições, inclusive uma desde Nova York, para onde tinha sido despachado pela revista para ver Carter derrotar Kennedy na convenção democrata. O tempo todo municiado por reportagens e relatórios dos correspondentes Roberto Garcia, de Washington, e Selma Santa Cruz, de Nova York, além de ter à disposição o belíssimo arquivo interno da editoria, o Dedoc e as principais publicações dos EUA e da Europa, eu sobrenadava num dilúvio de informações. (Minha mania por estatísticas me fez compilar, depois que as eleições terminaram com a vitória de Ronald Reagan: entre relatórios e reportagens via telex e recortes de jornais e revistas estrangeiras, havia lido mais de mil textos, fora as entrevistas feitas em Nova York).
Quase três horas tentando escrever e… nada
Então chegou o começo de novembro e a hora de escrever o que seria a quarta capa, uma capa de apresentação da grande disputa entre Carter e seu desafiante, o ex-ator e ex-governador republicano da Califórnia Ronald Reagan, marcada para a terça-feira seguinte ao domingo em que Veja circulava, sob o título ‘Carter x Reagan – Enfim, a decisão’. Onze páginas de revista, divididas em dois grandes textos e dois boxes. Com um mapa de anotações e pilhas de recortes e rolos de telex organizados à frente, sentei-me à máquina de escrever e… nada. Não conseguia um lead.
Laudas e laudas eram arrancadas da máquina e arremessadas ao cesto de lixo sem uma linha que prestasse. Pausas para buscar um cafezinho no final do longo corredor da redação, conversas protelatórias com colegas próximos aqui e ali e recursos semelhantes não resolviam o engasgo. O tempo passava. Uma hora… Duas horas… O nervosismo por não conseguir escrever se somara à preocupação de que a pane não fosse percebida. Passado um pouco de três horas de sofrimento diante do teclado – perto das onze horas da sexta-feira do fechamento – e, finalmente, a matéria começou a acontecer. Tinha acabado de acabar o maior branco que tive em quatro décadas de jornalismo, e do qual jamais me esqueci.
Culpa de exagero próximo ao paranóico na feitura da lição de casa. Mas ainda hoje, tão distante daquele dia, posso dizer que prefiro esse tipo de branco ao oposto dele – a agonia de fazer uma matéria tendo a martelar na cabeça a permanente certeza de desconhecer o assunto. Haverá coisa pior, para o jornalista – e para o leitor?
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Jornalista