Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Regina Ribeiro

O POVO

"Era Jereissati II", copyright O Povo, 14/4/02


"?A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo coisas de rara importância?. João Guimarães Rosa


Vamos dar continuidade ao tema ?série Era Tasso?, publicada no O Povo no período de 17 a 24 de março últimos. No domingo passado desenhei uma crítica ao caráter excessivamente histórico das matérias. Afirmei ainda que o conteúdo do material se avizinhava ao papel exageradamente cauteloso deste jornal diante do Governo Jereissati. Hoje, a nossa conversa estará centrada nas matérias publicadas no dia 23 e a entrevista com o então governador Tasso Jereissati, no dia 24.

Desafio de explicar


O material publicado nas duas páginas do dia 23 tinha como missão central fazer uma abordagem crítica dos principais problemas que a Era Tasso está deixando para o sucessor: a inércia da pobreza; a qualidade discutível da educação; o sistema de saúde deficiente. No entanto, as matérias e artigos que chegaram às mãos dos leitores primaram pela superficialidade, e em alguns momentos, deixaram mais dúvidas do que explicaram informações importantes. Um exemplo é quando trata da qualidade do ensino cearense medida pelo Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb), do Ministério da Educação. Os leitores ficam sem saber qual é a exata avaliação do Saeb sobre a educação no Ceará.

Apesar disso, emblemática mesmo foi a matéria que tinha como personagem o diretor do Banco Mundial, Antônio Rocha Magalhães, onde algumas informações sobre a economia cearense foram apresentadas aos leitores sem a clareza necessária e de forma simplista. No dia 25, na crítica interna, enviada à Redação, questionei alguns pontos abordados na entrevista. Os principais, discuto a seguir:

1. A matéria começa dizendo que ?em 15 anos pode se fazer muita coisa, mas em nenhum lugar do mundo esse tempo foi suficiente para resolver um problema histórico de miséria profunda?. A avaliação é do economista Rocha Magalhães, que foi secretário do Planejamento do primeiro Governo Jereissati (1987-1988).

Relatórios do Banco Mundial apontam alguns bons exemplos sobre o tema. A Indonésia reduziu a pobreza de 64% para 22% em 17 anos. Os dados estão no relatório, de 1990, dessa instituição financeira internacional. No Vietnã, o percentual de pobreza caiu de 58% para 37%, entre 1993 e 1998, ou seja, em cinco anos. Os dados estão à disposição no World Development Report, 2000/2001, Capítulo 2.

2. A matéria segue afirmando: ?Ele – o diretor do Banco Mundial – projeta algo em torno de 30 a 40 anos para que os baixos índices de miséria e pobreza, o gargalo da ‘Era Tasso’, comecem a aparecer?. O entrevistado não é questionado sobre as bases dessa teoria de tão longo prazo.

Decidi consultar um economista que pudesse me ajudar a entender as idéias do Rocha Magalhães. Segundo o profissional consultado ?não existe?, ou pelo menos ?não foi apresentado pelo entrevistado nenhum estudo científico que fundamente tal afirmação?. O economista argumenta que ?o diretor do Banco Mundial deve ter confundido pobreza e miséria com concentração de renda, que são coisas bem distintas?. ?É verdade que combater a concentração de renda é mais demorado do que a miséria ou a pobreza, porque mexe com a estrutura de rendimentos dos agentes (empresas, famílias) da economia. Mas quanto à pobreza acredito que está havendo um exagero?, disse. Afirmou ainda que algumas medidas como programas de renda mínima ou de transferência direta de renda têm impacto imediato nos índices de pobreza absoluta de uma população, sem que seja necessário esperar 30 ou 40 anos.

3. Outro ponto que acredito merecer explicação é o seguinte: o entrevistado não diz se é realmente necessário esperar 30 ou 40 anos para reduzir a pobreza num Estado que tem índices de crescimento econômico maiores do que os do Brasil e do Nordeste. Os leitores ficam sem saber quais as perspectivas de uma geração inteira que poderá não usufruir dessa prosperidade anunciada para daqui a 30 ou 40 anos.

Sobre essa questão ouvi, do economista consultado, a seguinte explicação: os governos podem, e devem, trabalhar com uma perspectiva de longo prazo, mas sem esquecer ações de curto prazo que são viáveis para melhorar a vida de um povo. ?Se o objetivo de longo prazo de um governo é produzir uma sociedade mais justa, deve-se então desenhar políticas de curto prazo que caminhem nesta direção. Nesse sentido, torna-se prioridade canalizar os recursos disponíveis da economia a fim de construir ativos (bens) para os mais pobres por meio da educação e saúde de qualidade, acesso a empréstimos financeiros, terra, entre outros?.

Contraponto


O editor-executivo do Núcleo de Conjuntura, Rodrigo de Almeida, afirmou que estava prevista a publicação de uma matéria sobre o relatório do Banco Mundial que aponta deficiências na política industrial cearense, que não foi publicada. O editor discordou dos questionamentos feitos quanto à última questão apresentada. Ele afirma ?que em qualquer lugar do mundo pobre, miserável e profundamente desigual, só políticas de longo prazo são capazes de reverter sustentavelmente, quadros socioeconômicos desfavoráveis?. Ele acrescentou que ?gerações inteiras são passadas sim, sem usufruir de um desenvolvimento que vai chegar daqui a 30 ou 40 anos?.

Mérito e prestação de contas


A entrevista veiculada no dia 24 de março – e que encerrou a série – teve o mérito de dar ao então governador Tasso Jereissati a chance de fazer uma autocrítica pública do modelo econômico implantado pela sua equipe e de admitir a sua insatisfação com os resultados dessas políticas. Mas, por outro lado, a entrevista deixou um sabor de prestação de contas. Muitas afirmações do governador não foram aproveitadas para perguntas que este governo da Era Tasso não responde. Por exemplo: ?quanto foi gasto na política de atração de indústrias no Ceará??; ?Qual o retorno disso para o Estado no longo prazo?? ?Como mudar a rota do atual modelo mantendo o nível dos índices de crescimento?? ?Por que o governo não avaliou a tempo os efeitos indesejados do modelo?? ?Faltou uma crítica eficiente da sociedade e da imprensa que fosse capaz de pressionar o governo, de forma legítima, a rever os rumos das políticas governamentais??"