PROVÃO
Gerson Martins (*)
O Exame Nacional de Cursos, mais conhecido como Provão, está chegando. E, por conta disso, candidatos estão passando maus bocados em aulas e cursos de preparação. E que o título deste artigo não confunda os menos avisados. Apesar de se tratar do ENC de Jornalismo, nossa área de atuação e pesquisa, esta reflexão serve para todas as áreas. Há uma verdadeira febre nas instituições para preparar seus alunos para a prova. Por isso realizam cursos e oferecem aulas aos candidatos do provão.
Em primeiro lugar é preciso que se esclareça que a nota do provão não fará parte do diploma ou do histórico escolar do aluno. Somente ele, e exclusivamente ele, o participante do provão, conhece sua nota. O MEC envia ao endereço do estudante o resultado do exame em envelope lacrado que deverá ser aberto somente pelo interessado maior, que é o próprio aluno. Fora desse formato, ninguém, mas absolutamente ninguém conhece o resultado. À exceção, naturalmente, daqueles que corrigem as provas.
Segundo o professor Nilson Lage, há quem pretenda isso. Diz ele que é comum o pleito nos seminários de coordenadores e, o próprio Ministério, no projeto original, previa que fosse assim. No entanto, continua, a versão aprovada pelo Congresso não inclui esse tipo de inserção. O que há são projetos na Câmara nesse sentido, nada que vá ter conseqüências neste ano ou, talvez, no próximo.
Afirma Nilson Lage que a Comissão de Avaliação dos Cursos de Jornalismo está tomando algumas medidas para desestimular esse tipo de treinamento. Para algumas escolas, seja por boicote ou por ineficiência, a questão é séria porque se trata do quinto exame, a partir do qual se formula um julgamento que se confirmará ou não na avaliação das condições de ensino, resultando ? caso a fragilidade seja constatada ? medidas mais radicais.
Os cursos ou aulas com objetivo de preparar o aluno para o provão não têm qualquer validade, e os acadêmicos a elas submetidos podem, perfeitamente, negar-se a participar. Para garantir a emissão do diploma não poderão deixar de fazer a prova. Podem até mesmo entregar em branco, mas não deixar de marcar presença no dia da prova. A preocupação de uma nota boa no provão é única e exclusiva da universidade. Repito quantas vezes forem necessárias: a preparação para o provão acontece, ou deve acontecer, nos quatro anos de curso, ou cinco, ou seis, quantos anos de duração tiver o curso.
Temos acompanhado de maneira especial, analiticamente, as formas que as instituições de ensino têm utilizado para garantir ? de qualquer forma ? um bom resultado no conceito oriundo da média das notas do provão de seus alunos. E, de certa forma, temos sido surpreendidos. Instituições idôneas, éticas, sérias têm se utilizado de mecanismos, digamos assim, nada éticos nos procedimentos quando se trata das avaliações realizadas pelo Exame Nacional de Cursos, ou ainda a avaliação das condições de ensino.
O Exame Nacional de Cursos compõe uma gama de procedimentos que contribuem de forma significativa para a melhoria da qualidade da formação universitária. E nos seis anos em que é aplicado já contribuiu de forma sensível para essa melhoria. Observamos inúmeras instituições de ensino superior melhorarem as condições de seus cursos, de seus professores, de suas bibliotecas, de sua infra-estrutura com um objetivo básico: melhor conceito no provão e, como conseqüência disso, melhores condições de marketing. Hoje o número de professores com titulação de doutor, muito mais ainda com a titulação de mestre, é cada vez maior. Há 10 anos, encontrar uma instituição de ensino que tivesse pelo menos de dois a três doutores era fato raro.
Atualmente as instituições de ensino superior privadas, e mesmo as públicas, têm um número de doutores considerável que, em última análise, proporciona direta ou indiretamente a melhoria da qualidade de ensino e de formação. Evidentemente também, o número de cursos de stricto sensu (mestrados e doutorados) cresceu significativamente no país. Essa demanda de oferta só acontece, entretanto, com o aumento da demanda. As universidades obrigatoriamente têm que investir na qualificação de seus docentes.
Por todas essas indicações percebemos quão inócuas e desnecessárias são essas preparações para o provão. Nenhum acadêmico está obrigado a essa preparação. Submeter-se colabora para as subcondições no processo de ensino, de formação profissional. Quando a instituição, mesmo com condições precárias de biblioteca, laboratórios, infra-estrutura, docentes sem qualificação, tem bom rendimento no provão por conta dessas aulas ou cursos de preparação, vai se preocupar em melhorar? Se se consegue um bom conceito sem investir nessa infra-estrutura, se é possível engordar os lucros, no caso das instituições privadas, ou postergar recursos, no caso das instituições públicas, por que gastar dinheiro?
Os acadêmicos precisam ter consciência de que, participando desses cursos ou aulas preparatórias, estão contribuindo para a permanência das condições precárias. A participação no exame é necessária até mesmo por causa da suspensão do diploma. Mas os alunos podem entregar a prova em branco, se pretenderem alguma forma de protesto contra sua escola. Esse procedimento, feliz ou infelizmente, é corriqueiro em várias instituições, algumas de renome. Mas a prova em branco também não contribui para a melhoria dos cursos.
Da mesma forma, infelizmente, haverá uma grande pressão das instituições para que os acadêmicos não façam qualquer tipo de protesto e se preparem efetivamente para conquistar as melhores notas. Existem pressões das mais variadas formas, até mesmo financeiras, como a oferta de bolsas de estudos ou ? incorretamente ? a indicação do resultado da prova, da nota, no diploma.
(*) Jornalista, professor e coordenador do Curso de Jornalismo da Faculdade Estácio de Sá. Doutor em Jornalismo pela ECA-USP