REDAÇÃO vs. ASSESSORIAS
"Por que insistir no erro?", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 19/04/02
"Dessa vez, vou poupar os leitores de meus comentários, mas não posso deixar de reproduzir uma correspondência enviada pelo colega Marcelo Mendonça, editor do site e da revista Primeira Leitura sobre o relacionamento com as assessorias de imprensa. Muitos compartilham de meus pontos de vista, talvez enxergando o mercado e o futuro do mesmo modo que enxergo. Outros criticam e respeito quem pensa diferente. Insisto na tese de que mudar o relacionamento assessorias e redações depende exclusivamente das assessorias e quase nada das redações. E ao ver o e-mail abaixo, enviado pelo colega Marcelo Mendonça, editor do site e da revista Primeira Leitura, entendemos a razão de sermos os únicos responsáveis por um novo ciclo neste relacionamento. Marcelo é um profissional sério, talentoso, já esteve em cargos de direção na Folha de S. Paulo e no Jornal da Tarde, e já foi assessor de imprensa. Fala, portanto, com uma autoridade de quem conhece o assunto por dentro e detalhadamente. Vamos ao texto:
?Minhas colegas jornalistas,
Com todo o respeito ao trabalho dos assessores de imprensa – eu também já desempenhei essa função e posso voltar a fazê-lo -, deixo para vocês algumas questões:
1. O que faz uma assessoria enviar um convite para um café da manhã de divulgação de produtos para noivas para um site e uma revista de análise política e econômica? Veja bem: macroeconomia, nada ligado a varejo, consumo ou coisa assim.
2. Vocês não sabiam disso? Pois deveriam, antes de despachar releases como se fosse spam na Internet. Não apenas eu, todos aqui na redação receberam o mesmo e-mail. Para quê? Cadê o planejamento estratégico para o atendimento desse cliente?
3. Não que isso sirva de atenuante, mas essa postura, aparentemente, virou norma no mercado, com algumas honrosas exceções. Uma parte do meu tempo útil (e do resto da redação, e, tenho certeza, de outras redações) é gasta para limpar os releases que entopem minha caixa postal diariamente, contendo coisas tão fora do alvo quanto a ?Semana da Noiva?. Em suma, perco tempo jogando LIXO fora. É isso que seu cliente gostaria? Que material com seu nome e produto fosse considerado lixo?
4. Last, but not least: esse tipo de comportamento, tenho certeza, é o maior fator de discórdia entre profissionais que estão nas redações e os que estão nas assessorias de imprensa. Definitivamente, o papel das assessorias não é irritar quem está na redação. Mas é o que acontece diariamente por causa desses absurdos.
5. Como ninguém pede licença para entrar na minha caixa postal, eu também tomo a liberdade de ampliar o público do meu desabafo, enviando uma cópia ao Eduardo Ribeiro, do Jornalistas & Cia, que volta e meia toca no assunto.
Um abraço, e quando estiverem divulgando algum cliente de política ou de macroeconomia, minha caixa postal está a disposição.
Marcelo Mendonça?"
ESTRANGEIROS NA MÍDIA
"O capital estrangeiro e os serviços", Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 21/04/02
"Multinacionais poderão dominar em pouco tempo, em todos os mercados, serviços tão variados quanto bancos, saneamento, correios, telecomunicações, energia e construção. As grandes empresas vêm conseguindo incluir suas pretensões nos planos de negociação comercial das maiores potências. A União Européia pedirá ao Brasil e a mais 28 países, muitos deles emergentes, uma ampla abertura do setor de serviços, em troca da liberalização do mercado agrícola. Os planos europeus para as discussões globais de comércio, já iniciadas em Genebra, foram descobertos por uma organização não-governamental e entregues ao jornal britânico The Guardian. O jornal divulgou o documento pela Internet. As reações têm variado entre o espanto e a indignação. Se há espanto, não é porque o interesse europeu no setor de serviços fosse desconhecido, mas porque as pretensões são muito grandes. Não há dúvida de que as grandes empresas dos Estados Unidos tentarão conquistar, nas negociações mundiais, vantagens semelhantes àquelas pretendidas pelas européias.
O Conselho dos Canadenses, um grupo interessado em questões de consumo, classificou os planos europeus como assustadores. Num artigo publicado pelo Guardian, a editora da revista The New Internationalist, Katharine Ainger, descreveu as demandas da União Européia como ?extraordinariamente agressivas?. Se forem aprovadas na rodada promovida pela Organização Mundial do Comércio (OMC), os governos terão problemas para regular atividades que afetam a vida cotidiana em quase todos os aspectos.
Ao Brasil a União Européia deverá pedir facilidades de acesso a 12 setores e cerca de 100 subsetores. Os setores são serviços financeiros, energia, telecomunicações, transportes, serviços profissionais, serviços de negócios, serviços postais, construção e engenharia, distribuição, serviços ambientais, turismo e serviços de agências de notícias. Nesse bolo está incluída a liberalização, por exemplo, dos setores de advocacia e contabilidade. Os europeus pretendem que seja extinta a exigência de que 2/3 da mão-de-obra sejam brasileiros, em certos setores. Até serviços de empacotamento estão no bolo.
O problema não está na mera presença estrangeira em certos mercados. A economia brasileira já admite, há muito tempo, a atuação de grupos de fora em setores como comércio e bancos. Alguns dos maiores supermercados em operação no Brasil são de origem estrangeira. Da mesma forma, o capital externo tem sido admitido em setores de infra-estrutura, como telecomunicações, energia, transporte e saneamento. Mas são serviços regulamentados e, em alguns casos, o poder público pode limitar a presença do investimento estrangeiro. No setor financeiro, a presença do capital externo depende, por norma constitucional, de uma decisão do presidente da República.
A divulgação das pretensões européias mostra a urgência de uma boa discussão, no Brasil, sobre o que se pretende para o setor de serviços:
haverá maior abertura e, em caso positivo, que tipo de limitação será preciso estabelecer? É preciso determinar, com realismo e com visão de longo prazo, o que se pode ceder sem pôr em risco interesses fundamentais. Desde os anos 90, o debate sobre as privatizações e sobre a abertura dos mercados passou quase sempre longe de considerações estratégicas. Na área energética, praticamente se abandonou, durante anos, o planejamento de longo prazo, redescoberto quando ocorreu a crise de 2001. Também o sistema de regulação se revelou defeituoso, assim como os contratos de concessão.
Sem uma discussão séria, que jamais chegou a ocorrer nos anos 90, o Brasil não estará preparado para negociar o tema dos serviços na Alca, na OMC e nos entendimentos entre Mercosul e União Européia.
Que os europeus venham a pedir muito para ceder em alguns pontos é previsível. Isso é normal em negociações e também os americanos devem agir desse modo. Mas isso não pode justificar desleixo ou complacência na preparação de uma estratégia. Não se trata de assunto para o Itamaraty resolver sozinho. É um problema em que todos os grupos organizados da sociedade brasileira terão de se envolver."
"Bom conselho", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 22/04/02
"Estava lendo que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado havia aprovado a proposta de emenda constitucional permitindo a participação estrangeira nas empresas de comunicação com a ajuda a oposição. Esta desistiu de apresentar emendas diante de um acordo informal que prevê que os líderes governistas vão indicar imediatamente os nomes para compor o Conselho de Comunicação Social. Ia comentar o caso na coluna passada, mas aí chegou o email do Rodolfo Fernandes, que ganhou prioridade.
Quando voltei a pensar na PEC e no Conselho, na semana passada, me toquei de um coisa: acho que nunca expliquei direito o que é e de onde surgiu o CCS, não é mesmo? E não dá pra ver o que ele significa pra sociedade brasileira sem isso, certo? Então vamos lá.
As primeiras idéias sobre a criação de um CCS surgiram no início da década de 80 (os mestres da tradição dão como certo o ano de 1982) em debates em sindicatos, de jornalistas ou não, e em partidos políticos. Conversa vai, conversa vem, quando da instalação da Constituinte, em 1987, uma proposta já estava estruturada e foi apresentada como uma das poucas emendas populares levadas ao Congresso Constituinte. E do que se compunha esta emenda?
As propostas eram bem radicais. Pra começar, definia-se que comunicação não era mercadoria e, por isso, a iniciativa privada teria que ficar longe deste campo. Só poderiam ser donos de meio de comunicação, o Estado ou fundações ou associações civis sem fins lucrativos, e sempre sob controle da sociedade civil (algo no caminho da TV Cultura de São Paulo de hoje). E ainda assim nenhum grupo poderia deter o controle de mais de um meio de comunicação para evitar monopólios e oligopólios.
Para vigiar este sistema e traçar-lhe as diretrizes seria criado um Conselho Nacional de Comunicação Social, autônomo e independente de qualquer poder (uma espécie de agência reguladora dos dias de hoje) e que teria a representação preponderante da sociedade civil. Este conselho poderia ter seções estaduais e municipais e seria mantido com fundos provenientes da publicidade nos próprios meios de comunicação.
Não deu nem pra início. Já na Comissão de Sistematização da Constituinte, uma espécie de filtro de propostas, o CCS, de autônomo e independente, virou um conselho técnico, de caráter consultivo e ligado ao Congresso. E mesmo esse CCS light quase não passa não entra na Constituição (está no artigo 224), pois o chamado Centrão quase o detona. A regulamentação foi outra luta e só saiu no DOU em 30 de dezembro de 1991, assinado por Fernando Collor de Mello, que, para quem acredita em coincidência, caiu meses depois.
Assim, há exatos dez anos se espera a instalação do CCS light que saiu da Constituinte em 88 (pela regulamentação, ele deveria ter começado a funcionar em março de 92) e nunca se esteve tão perto de se atingir este objetivo. Perto, porém, não quer dizer ter chegado lá. Desde o início desta negociação, tenho a nítida impressão que os governistas estão empurrando com a barriga a instalação do CCS e preparando uma traição de última hora. Tanto que até agora não houve um acordo formal trocando a aprovação da PEC do Capital Estrangeiro pela instalação do Conselho. É bom a oposição abrir o olho e exigir que os nomes sejam apontados já e o CCS instalado imediatamente. Se não, corre o risco de ser feita de boba e ficar chupando dedo.
Picadinho
Espeto de pau – Bacana o caderno contra a pirataria publicado pelo Globo no dia 20. Agora, para ser coerente, o jornal deveria dar participação aos jornalistas nas receitas auferidas pela vendas de suas matérias e fotos pela Agência Globo. Afinal, Direito Autoral vale para obra intelectual de uns e não de outros? E há até precedente imperial para o pagamento: a Estrela da Morte sempre paga os direitos conexos dos atores quando vende novelas lá pra fora.
Porteira aberta – Onde passa o boi, passa a boiada. Depois da concessão daquele empréstimo esquisito à Globo Cabo, agora é a vez do SBT ir bater à porta do BNDES pedir uma ajudinha. A grana, pelo menos é a idéia por enquanto, não viria por um empréstimo simples, mas pela emissão de debêntures conversíveis em ações da empresa. Em contrapartida, Sílvio Santos promoveria um IPO na Bovespa antes do vencimento das debêntures. Pelo esquema, a presença do BNDES daria confiabilidade ao processo, as empresas se interessariam em comprar as ações no IPO e o BNDES recuperaria o meu, o seu, o nosso vendendo as debêntures convertidas em ações (uma das empresas interessadas, acreditam os mestres, seria a Televisa, desde que a PEC do Capital Estrangeiro entrasse logo em vigor). Teoricamente, uma beleza. Vamos ver se na prática funciona.
Números esquisitos – Estudo conjunto do grupo McCann e da SSB (Salomon Smith Barney, uma empresa do Citigroup) aponta uma boa perspectiva para o mercado publicitário brasileiro em 2002. Segundo a estimativa, aqui as verbas crescerão 8%, o que colocaria o país como líder do crescimento mundial do setor, o que já ocorreu – ainda segundo McCann/SSB – em 2001, quando o mercado brasileiro teria se mostrado ?impermeável? à crise mundial da publicidade, com um crescimento de 5,5% sobre 2000. Estranho, né? As empresas de mídia do Bananão choraram à beça a queda de receitas e vem um estudo global mostrando que não só não houve retração como ocorreu aumento de verbas publicitárias e que esta tendência deve continuar este ano. Quem está errado?
Tem que aturar – Durante uma exposição na ?MaxiVoto 2002 – 2? Encontro de Marketing Político?, realizado semana passada, o Nizan Guanaes fez um crítica que me parece muito pertinente. ?Os jornalistas adoram nos [marqueteiros políticos] criticar, mas também não se aprofundam. E eles têm uma liberdade que nós não temos para discutir idéias, promover debates?. Podíamos ter dormido sem essa…
Castelinha – Como já disse no blog, nem sempre falo mal do Globo. Tereza Cruvinel, por exemplo, bate um bolão na análise política, com direito a trivelas e corta-luzes para quem está atento completar para o gol. Em vários momentos, lembra aquele piauiense baixinho que foi, durante anos, sinônimo de crônica política nos momentos mais turbulentos da nossa história recente."