MÍDIA GAÚCHA
Gilmar Antonio Crestani (*)
Segundo Plutarco, Catão, o Antigo, teria dito, diante de alguém que lhe louvava um homem audacioso que temerariamente se expunha aos perigos: "Uma coisa é cultivar a virtude, bem outra fazer pouco caso da vida."
A intrepidez, para Plutarco, não deve estar estribada no desprezo pela vida, mas alicerçada na honra e no proveito que tal atitude pode redundar aos afetados. Ridicularizava-se o destemor dos lacedemônios nas campanhas guerreiras, pois, dizia-se, só assim conseguiam escapar do miserável regime de vida que levavam. Corrobora tal assertiva o sentido do termo "espartano". De fato, os habitantes da Lacônia ficaram famosos não só pelo "regime espartano", severo, que levavam, mas também por serem lacônicos, de poucas palavras.
Embora não fosse da Lacônia, o arconte e legislador ateniense, Sólon, era o que define um lacônico. Uma tirada atribuída a este perspicaz homem público deveria emoldurar as redações de nossos jornais. Nas assembléias, Sólon passava bom tempo em silêncio, ouvindo o que os demais tinham a dizer. De tal forma que, ao ver questionado o seu silêncio, respondeu: "Quem sabe o que dizer também sabe quando dizer."
A sabedoria popular resumiu esta sabedoria no ditado "em boca fechada não entra mosca", que, para o caso que aqui se aborda, assemelha-se à expressão "moral de cuecas". Se falar demais pode ser inconveniente, silêncio demais também tem deve ter lá seus motivos. Mais uma vez a razão parece estar com os gregos, o "justo meio" aristotélico, que não significa estar justamente no meio, mas fazer a síntese, também ela variável segundo as circunstâncias. Nada a ver com o justo-meio flaubertiano que vem a significar o medíocre.
Em artigo publicado há duas edições passadas neste Observatório ("Pícaros ou malandros"), trouxe à luz um assunto que estava hibernando em alguma prateleira da Justiça gaúcha. Se não havia obtido qualquer repercussão, não foi por falta de divulgação. O próprio desembargador, relator em grau de recurso, havia se encarregado de remeter cópia do relatório e voto à Associação Brasileira de Imprensa, ARI, Abert e Agert. Mas, confirmou a este escriba, não recebeu qualquer satisfação, até a publicação do artigo supra, por parte das entidades contatadas.
RBS vai à luta
Divulgado no Observatório, o assunto foi, desastradamente, abordado pelo jornalista Ricardo Boechat, no Jornal do Brasil. Com o título de "Grande furo", publicou nota no Informe JB de 19/4, misturando duas decisões judiciais. A primeira, em que a RBS aparece tangencialmente, mercê de orientação para que bandidos prolongassem um assalto a fim de entrar ao vivo no programa local, segundo consta das peças processuais, Teledomingo, e assim aumentarem o Ibope, e a segunda, que pode ser encontrada nos arquivos do OI <www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/cadernos/cid210220013.htm>, que trata da indenização de R$ 1,191 milhão que o secretário de Segurança, José Paulo Bisol, acertou em acordo no STJ com a RBS. A coluna com a nota saiu também em O Sul, de Porto Alegre. A partir daí, o sítio Agência Carta Maior, em reportagem assinada pelo jornalista Marco Aurélio Weissheimer, repercutiu o assunto.
O sítio eletrônico Coletiva, de ex-colaboradores do ex-governador Antônio Britto, serviu de porta-voz da RBS para dizer, laconicamente: "Na emissora, a notícia foi recebida com indignação. Segundo ela, em recente julgamento de dois seqüestradores, o desembargador que conduzia a sessão teria feito críticas improcedentes à TV, já devidamente esclarecidas junto ao Ministério Público." Só que o desembargador nega que a RBS lhe tenha endereçado qualquer esclarecimento.
No dia 23/4, Ricardo Boechat volta ao tema para se desmentir, mas, sabe-se lá por que razões, só saiu em sua coluna em O Sul somente um dia depois de ter sido publicada no JB. Enquanto isso, no Câmera 2, programa de maior audiência no horário das 22h, na capital gaúcha, comandado por Clóvis Duarte, na TV Guaíba, concorrente da RBS, o assunto voltou à baila. Atribuiu a nota do JB a desavenças entre o atual diretor de Redação do JB, Augusto Nunes, com o Grupo RBS, onde exerceu as mesmas funções.
No jornal Correio do Povo, o colunista Flávio Alcaraz Gomes, em seu minúsculo espaço, distribuiu, durante os dias 25, 26 e 27 do corrente, notas contundentes a respeito do episódio judicial. Encimou os textos com o título "Abutres", e, também laconicamente, disse apenas tratar-se de "uma emissora de televisão".
A controvérsia acabou tomando corpo porque a RBS mantém a política de segurança pública do estado sob ataque constante desde o primeiro dia do atual governo, colocando- se no papel de paladina da ética. Da mesma forma, manipula informações única e exclusivamente para atender a seus fins mercadológicos, orientados pelo Ibope. Até aqui, a empresa mantinha silêncio olímpico quanto ao episódio aqui relatado, de modo que permitia fazer nossas as palavras de Sócrates (469-399 a.C.) a respeito de seu discípulo e fundador da escola cínica: "Ó Antístenes (444-365 a.C.), vejo teu orgulho através dos buracos de teu manto!"
Mas a RBS pendurou o manto furado de dona da verdade, arregaçou as mangas e foi à luta. Em editorial, no jornal Zero Hora de 28/4, tenta se explicar quanto aos fatos acima tratados: "O relato deste episódio nos autos do processo, pelo depoimento dos réus e das vítimas, levou o juiz relator a concluir equivocadamente que a RBS TV havia solicitado aos assaltantes o prolongamento do seqüestro até que fosse possível colocá-lo no ar. O absurdo acabou sendo potencializado pelo voto subjetivo e preconceituoso do magistrado contra a imprensa, mais especificamente contra a RBS."
Endereço, telefone e cor dos olhos
O equívoco do editorial está em atribuir ao juiz relator conclusão equivocada. Se equívoco houve, foi das vítimas, senão vejamos o depoimento da vítima Alexandre Paz Garcia, transcrito nos autos:
"… mas daí ficou acertado que demoraria um pouquinho para já aproveitar e aparecer do ?Teledomingo?, que eles falaram: ?Então ao invés da gente mandar uma equipe agora, a gente segura um pouquinho, manda que já aparece ao vivo no ?Teledomingo?.
Complemente com o depoimento de outra vítima, Luciane Petrolli, que consta das peças processuais: "A demora se deu porque estava no ar o ?Sai de baixo? e eles queriam esperar até o ?Teledomingo? para botar no ar."
No editorial, a RBS conta o milagre mas não entrega o santo. "Ao tomar conhecimento da peça processual, um já identificado servidor público que promove delirantes e obsessivos ataques à RBS encaminhou um artigo confuso a um site especializado em imprensa, originando-se daí as mensagens via internet que estão sendo distribuídas por algumas pessoas. O artigo chamou a atenção da produção do colunista Ricardo Boechat, que acabou sendo induzido ao erro pelo insidioso informante."
Sobrou também para "um antigo comunicador da praça, conhecido por seu temperamento rancoroso" que "passou a fazer proselitismo ético a partir da informação falsa". Suspeito de que o editorialista esteja falando de Flávio Alcaraz Gomes, e a informação "falsa" é a que consta da Apelação Criminal n? 70 002 658 870, julgada na 8? Câmara Criminal do Tribunal de Justiça gaúcho.
A estratégia de desqualificar o autor das denúncias, para se defender, também foi usada por dois ex-presidentes do Senado, antes de renunciarem.
Para encerrar, sugiro que o Observatório da Imprensa passe a identificar melhor seus articulistas. Quem sabe acrescentando alguns dados pessoais, como endereço, telefone, atestado de bons antecedentes, laudo psicológico, e-mail, cor dos olhos, a fim de que a RBS possa "identificar" o "servidor público" delirante, obsessivo e insidioso. Afinal, trata-se de um ser nocivo aos bons costumes jornalísticos praticado pelo coronelismo eletrônico.
(*) Funcionário público federal, <http://www.crestani.hpg.com.br/>
Leia também