JORNAL DE NOTÍCIAS
"Quem critica quem porquê e para quê?", copyright Jornal de Notícias, 28/4/02
"Pela segunda semana consecutiva, o Provedor é chamado a pronunciar-se sobre o conteúdo da coluna ?Caras e Casos?, que se publica, como os leitores sabem, ao domingo, na Última Página. A repetição é reforçada pelo facto de ser posta em causa a edição de 31 de Março – justamente a mesma sobre que incidiu a análise de há sete dias. Desta feita, o descontentamento é de António Paulo Lucindo, de Gulpilhares, Gaia, que se manifestou contra o pequeno texto intitulado ?Gente Provinciana?.
O texto em causa começa por reproduzir uma opinião de Mário Cláudio, (que O Comércio do Porto divulgou) sobre alguns dos seus concidadãos: ?Muito provinciana e tosca. É um conjunto de pessoas com poucos valores, com uma necessidade de consumo muito grande e uma ânsia de promoção terrível. Uma pequena burguesia feia?.
Ora, o jornalista autor de ?Caras e Casos? não está de acordo com Mário Cláudio (ou com Rui Manuel Pinto Barbot Costa?). E considera que ele (o cidadão ou o escritor?) ?não se limita a destilar fel nas suas opiniões sobre a cidade?, insinuando que faz o mesmo na Escola Superior de Jornalismo, onde Rui Manuel Barbot Costa, licenciado em Direito, dava aulas. E, como exemplo, é dada a sua demissão da docência, na sequência de uma queixa apresentada pelos alunos à Direcção da Escola, desagradados com o índice de reprovações num exame oral (cerca de 30%).
António Paulo Lucindo considera que o JN fez ?jornalismo de ataque pessoal? _ ele que considera que ?as gentes do Porto têm valores e carácter, mas aos poucos estão a tornar-se no que Mário Cláudio afirma?.
Jornalismo de ataque pessoal? O Conselho de Redacção considera que não. E, ?em relação ao carácter frequentemente interventor da mesma coluna, com a inserção de textos não assinados?, o Conselho de Redacção considera que ?nada tem a obstar contra o sentído crítico ou opinativo do jornalismo.? Lembra apenas, e em tese geral, ?que não deve haver ataques pessoais a qualquer dos visados da referida coluna?.
É, de certa forma, a mesma opinião que a Direcção, através do director adjunto José Leite Pereira, expressa. Para José Leite Pereira, o texto não configura, nem na intenção nem na forma, qualquer ataque pessoal. Aquele director adjunto concretiza:
?Admitamos que a opinião de Mário Cláudio sobre os seus concidadãos não é nada simpática, e o jornalista, no fundo, limitou-se a vestir a pele de portuense e a ‘sentir-se’ por muitos portuenses que, tem-se a certeza, não gostaram de se ver assim retratados. É uma posição que subscrevo em nome do ?Jornal de Notícias?, que tem muito orgulho da sua condição de portuense.?
A circunstância de a Direcção subscrever a posição perante a opinião de Mário Cláudio é formalmente importante. É que a Direcção assume, até do ponto de vista legal, todos os textos não assinados e publicados no jornal.
Sobre o assunto, José Leite Pereira esclarece:
??Caras e Casos? não é uma secção noticiosa. Não existe para dar notícias, mas para glosá-las. É uma forma de fazer ironia… ou de tentar polemizar um pouco o jornal. No fundo, o jornalista terá tentado espicaçar Mário Cláudio. O escritor não reagiu… fê-lo por ele o leitor?.
?Caras e Casos? não é, de facto, uma secção noticiosa: a inferência, a sugestão e a opinião são uma constante, claramente visível. E esclarecida que ficou a identificação da Direcção com o espírito da coluna, e a assunção apriorística do seu conteúdo — está resolvido, pelo menos, o problema da legitimação da autoria. Mas outras questões podem e devem levantar-se, e essas têm a ver com outras perspectivas, tais como a sensibilidade dos leitores, o bom gosto e o bom senso.
O Provedor teve, já, oportunidade de referir que não faz ironia quem quer… mas quem sabe. A ironia pressupõe subtileza, é subliminal. Não se mostra, faz um inteligente jogo de escondidas. E mesmo a sátira, por vezes mais frontal, tem também ela recato.
Também o Provedor assume o orgulho de ser portuense e, reconhecendo embora na classificação de Mário Cláudio alguma verdade tendencial, não gostou de ver-se englobado no ?retrato de família?. Já o povo admite há séculos que ninguém gosta de ouvir certas verdades. Assim sendo, aceite-se a reacção no local. Mas na forma?!
O que têm a ver as declarações de Mário Cláudio a O Comércio do Porto com a circunstância de um professor da Escola Superior de Jornalismo não precisar nem estar para aturar as posições (legítimas ou não) de uns quantos alunos? Demitiu-se? Ora, eventualmente ainda bem para o professor, para os alunos e para a instituição. Cada um dos três é que tem que reconhecê-lo. O contexto não é garantidamente o mais apropriado. Até porque, e o Provedor já o sugeriu ao longo do texto, a entrevista que não conhece e em que se insere a polémica frase foi dada, muito provavelmente, pelo escritor. Numa análise socio-literária que lhe está inerente. Não pelo professor. Nem decerto pelo cidadão _ que não conseguirá rever-se no retrato que esboçou de forma tão aligeirada.
O Provedor discorda da ligação entre os dois factos. Mas não só. Está de acordo, como não podia deixar de ser, com a posição do Conselho de Redacção sobre o jornalismo crítico e opinativo. O jornalista que hoje ocupa o lugar de Provedor manteve, durante mais de 30 anos, no JN, colunas de opinião. Mas sempre as assumiu, com o nome e quase sempre, também, com a cara.
Não vê o Provedor razão para que a coluna ?Caras e Casos? não seja, também ela, assinada. Seria uma demonstração de frontalidade, uma assunção legítima e legitimada. Assim, os leitores podem ser tentados a pensar (e reconheça-se que decerto sem razão) que alguém se esconde por detrás da responsabilidade um tanto abstracta (porque só assumida formalmente e por força da Lei) da Direcção do jornal. No fundo, é posta em causa a Redacção no seu bloco. Porque quem lê pressente, claramente, que não são os directores que redigem a coluna…
Para além do mais, quem emite opinião deve assumi-la, frontalmente, a não consentir que outros o façam por si."