LEITURAS DE VEJA
Luiz Antonio Magalhães
A revista Veja foi responsável pelo maior petardo desferido até aqui contra a candidatura oficial do senador José Serra (PSDB). A reportagem publicada na edição desta semana da revista da Editora Abril revela que o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, indicado para o cargo pelo então ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, com o aval de Serra, teria pedido uma propina de R$ 15 milhões ao presidente da Companhia Vale do Rio Doce, Benjamin Steinbruch, para "organizar" o consórcio vencedor do leilão de privatização da mineradora. A existência do pedido de propina é corroborada na reportagem por dois tucanos de altíssima plumagem: Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, e Paulo Renato Souza, que até o fechamento deste artigo ainda ocupava o cargo de ministro da Educação.
Se tudo isto não bastasse, Veja também denunciou a existência de um esquema de "caixa dois" na campanha ao Senado de Serra em 1994. A "doação" de R$ 2 milhões teria sido feita pelo empresário Carlos Jereissati, irmão de Tasso, ex-governador tucano do Ceará.
Se as denúncias que apareceram em Veja tivessem saído em publicações de oposição, os tucanos não hesitariam em qualificar o material de "propaganda eleitoral". A bem da verdade, o presidente do PSDB, deputado José Aníbal, não hesitou e, ainda durante o final de semana em que a revista chegava às bancas, alardeou o caráter "eleitoral" da reportagem e, para ser coerente, criticou duramente o ministro da Educação pela entrevista concedida à Veja. Tomou um "cala-boca" raramente visto entre tucanos: "Queriam que eu mentisse? Não reconheço a autoridade de José Aníbal para me repreender", respondeu Paulo Renato.
Na última segunda-feira, ainda mal recobrado do nocaute desferido pelo ministro, Aníbal resolveu mudar de discurso e atirou em novo alvo, elegendo o PT como responsável pela "plantação" de um suposto dossiê contra Serra. O presidente tucano, porém, não é inocente e sabe melhor do que ninguém que não foi assim que as coisas se deram. A hipótese de uma "plantação petista" sair na capa da mais importante publicação da família Civita é tão crível quanto a da seleção brasileira de futebol ser goleada pela China na próxima Copa do Mundo. Em política, como se sabe, nada é impossível.
Ora, se o palpite de Aníbal está incorreto, qual é o correto? O que terá acontecido com Veja? É difícil para quem está fora do contexto da produção da revista saber exatamente o que motivou a publicação da reportagem. O professor Bernardo Kucinski, no boletim "Cartas Ácidas" de segunda-feira (6/5), levanta três explicações para a virada de rumo de Veja, todas elas compatíveis entre si.
1. "A hipótese da competição jornalística" ? Segundo Kucinski, esta é a "explicação mais inocente" para a reportagem contra Serra: a competição jornalística pura e simples teria motivado a matéria. O professor lembra que foi este mecanismo "de competição virtuosa que levou o Washington Post e o New York Times a perseguirem incessantemente o escândalo Watergate, até a derrubada de Nixon." Se esta hipótese fosse confirmada, o jornalismo brasileiro estaria dando um importante salto do qualidade. O próprio Kucinski, porém, é cético sobre esta explicação.
2. "A hipótese patrimonialista" ? A segunda explicação do professor tem muito a ver com a primeira, apenas não se limita à competição entre Veja e seus concorrentes. Conforme Kucinski, é possível que a família Civita tenha "decido atacar o esquema Serra por considerar que é também o esquema Globo. (…) Nesta campanha pode estar havendo uma guerra entre grupos de comunicação, subjacente à disputa eleitoral". A explicação faz sentido quando se observa que a crise no setor de comunicações é grave, ameaçando o futuro das empresas. Assim, escreve Bernardo Kucinski, a "gota d?água, para a Abril, seria o empréstimo de US$ 500 milhões que a Globo acaba de receber do BNDES. A Globo é hoje a grande predadora do mercado da Abril, justamente através do lançamento de Época".
3. "A hipótese da rearticulação política" ? Segundo Kucinski, esta é a mais forte explicação para a mudança editorial de Veja. "A fritura de Serra teria sido uma decisão do grande empresariado, para permitir a recomposição do bloco de poder e assim zerar a campanha e derrotar Lula. O sacrifício de Serra é necessário a essa recomposição, como Bornhausen não se cansa de dizer e Veja pode ter tomado a iniciativa como parte dessa manobra."
Como diriam os italianos, "se non è vero, è bene trovatto". A sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso há muito se tornou uma verdadeira guerra de camarilhas. A saída do PFL do governo após o escândalo que derrubou a candidatura Roseana Sarney; as infrutíferas tentativas de se chegar a um consenso para compor com o PMDB a chapa presidencial de Serra; e até mesmo a já esquecida disputa interna no PSDB, em que Paulo Renato e Tasso Jereissati foram alijados de forma prepontente pelo atual candidato do partido ? todos esses capítulos de um conflito interno na base governista que, agora se sabe, está longe de seu desfecho. De fato, até tucanos de carteirinha já espalham que a candidatura Serra está com os dias contados.
A revista Veja, por outro lado, jamais deixou de apoiar o governo Fernando Henrique nos momentos mais difíceis de seu mandato. Uma análise mais detida da publicação mostra que Veja sempre esteve na ponta-de-lança do governismo, atacando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra quando este conquistou a simpatia da opinião pública, defendendo a política de entrega do patrimônio público nacional e o sucateamento da indústria brasileira via abertura de importações e, principalmente, ridicularizando a candidatura petista de Luiz Inácio Lula da Silva.
Aliás, é bom lembrar que na mesmíssima edição em que Sérgio Ricardo de Oliveira ganhou a capa de Veja (que ironicamente saiu com a cor laranja dominante), a reportagem de abertura da editoria "Brasil" trata de mostrar que os bancos internacionais não estão gostando muito da subida de Lula nas pesquisas eleitorais. O tratamento dado a Lula na matéria é a antipatia de sempre.
Que o presidente do PSDB nos perdoe, mas se há realmente motivação política na publicação da reportagem, então a explicação de Bernardo Kucinski faz muito mais sentido do que uma estapafúrdia aliança de petistas e os Civita com intuito de tirar Serra do caminho de Lula. Veja continua, portanto, onde sempre esteve: atuando nas sombras, servindo a algum interesse ainda oculto nas brigas de foice que são travadas em Brasília.
Chico Bruno (*)
Depois da desistência da candidatura Roseana Sarney a pré-campanha presidencial andava morna. A imprensa se esforçava na tentativa de oferecer ao público um cardápio mais apimentado e explosivo. Mas o máximo que conseguia era divulgar fofocas, pesquisas, declarações estapafúrdias de pré-candidatos e rixas entre caciques de vários partidos.
No fim de semana, duas bombas explodiram. Uma no ninho tucano e outra no ninho socialista. A revista Veja, revivendo um hábito, publica matéria sem consistência em direção ao ninho tucano. A matéria, que versa sobre a suspeita de não-pagamento de uma propina de 15 milhões (de reais ou dólares) está eivada de declarações do tipo "fulano me disse que estava sendo chantageado", "não sei se pago a propina que sicrano está me cobrando", "não vou fazer comentários a respeito desse assunto" e vai por aí. Os personagens que contam a história são um ministro, um ex-ministro, o empresário corruptor e o corrompido. A matéria abre lembrando que no inicio de 2001 o ex-senador ACM denunciou caso semelhante envolvendo o mesmo personagem corrompido e uma empresa de telefonia fixa, mas ressalva que a acusação não foi comprovada até o momento, já passado mais de um ano.
A serviço de alguém
A matéria desce à minúcia de lembrar que o corrompido foi arrecadador de fundos para campanhas de candidatos tucanos e que trabalhou em seguida, durante três anos, no governo federal. A partir daí, pela evolução patrimonial do acusado, induz o leitor a deduzir que houve um crescimento de patrimônio fora dos padrões para um servidor público, numa clara intenção de botar lenha na fogueira do tucanato.
O restante da imprensa brasileira pega carona na Veja e segue pelo mesmo caminho, no limite da irresponsabilidade. Não se está aqui defendendo o suspeito de corrupção, está-se é pedindo um mínimo de seriedade no exercício do jornalismo, pois essa matéria reúne todos os ingredientes de mais uma leviandade. Não tem consistência, pois não traz provas. Deixa apenas a suspeita de que serve ao interesse de terceiros e de que, pelo sensacionalismo, quer aumentar a venda nas bancas.
Época traz matéria mostrando o passado escuro de quem serviu ao regime militar e hoje posa de socialista, sendo inclusive o provável vice na chapa do pré-candidato dos socialistas. A revista presta um inestimável serviço, principalmente aos leitores mais jovens, ao contar um pouco do passado de quem se tinha poucas informações. Infelizmente, o restante da imprensa explorou pouco o assunto. Preferiu a bomba inconsistente da Veja ao relato da história, ainda obscura, do regime militar brasileiro, o que dificulta aos mais jovens saber quem era quem nos duros anos de exceção.
Mais uma vez, ao que parece, a imprensa está a serviço de alguém ? e no limite da irresponsabilidade.
(*) Jornalista