Monday, 30 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marina Bueno

LEITURAS DE VEJA

"Dissertação analisa como a ?Revista VEJA? trata a questão do trabalho", copyright Sala de imprensa da FFLCH/USP

"A revista VEJA é atualmente um dos veículos que mais se destacam na imprensa brasileira. Por ser a revista de maior tiragem no Brasil, a VEJA desperta o interesse de pesquisadores de diversas áreas. Nilton Hernandes analisa, em sua dissertação de mestrado, cinco números da revista, selecionados de um total de 93 edições, veiculadas entre 4 de dezembro de 1996 e 27 de janeiro de 1999. A dissertação pretende mostrar, através da metodologia semiótica, como a VEJA conciliou o tema emprego com um dos momentos mais críticos da globalização.

Sala de Imprensa: Por que a escolha da Revista VEJA e a questão do emprego, especificamente?

Nilton Hernandes: Eu sempre tive clareza de que eu queria fazer uma dissertação que tivesse vínculos com a realidade, entendendo realidade como aquilo que as pessoas vivem, os dramas das pessoas. E que fosse de alguma maneira crítica ao que acontece nesse país. Escolhi a VEJA porque a VEJA é a revista mais vendida desse país, uma revista que tem uma linha política clara, no sentido de ser desmobilizadora, no sentido de sempre insistir nas saídas individuais para as pessoas – o que eu considero no Brasil hoje uma tragédia. Eu quis focar na VEJA essa característica desmobilizadora, e eu acho que a minha dissertação de certa maneira comprova isso. Comprova uma intuição que eu tinha, ou pelo menos uma opinião que eu não tinha base para fundamentar antes de fazer a dissertação. Eu quis fazer uma reflexão sobre a revista e o poder que ela tem sobre as pessoas.

É preciso lembrar que um trabalho acadêmico é antes de tudo um trabalho de justificação de um ponto de vista. Eu acho que é um erro, e aparece em muitas dissertações, as pessoas começarem fazendo suas teses e dissertações já sabendo onde vão chegar. Elas lêem um montão de livros e pegam aqueles que comprovam o seu ponto de vista. Eu tentei de certa maneira, porque eu não vivo além dessa realidade, buscar um ponto de vista objetivo, para dentro do texto conseguir informações para dizer: ?a VEJA pensa assim porque o texto me permite fazer essa afirmação?. E não o contrário: ?eu pesquisador penso assim, vou encontrar uma teoria que pense como eu penso, e vou pincelar uma coisa da revista para provar o que eu quero?. Eu tive uma intuição, eu utilizei uma metodologia, que é a metodologia semiótica, que me permitiu no texto , sem sair do texto, chegar às conclusões que cheguei. Não é um trabalho de opinião, mas um trabalho onde eu tento mostrar quais são os mecanismos que a revista utiliza para colocar essa ideologia em circulação, como ela trabalha a ideologia neoliberal em relação ao trabalho, mas sempre respeitando o seu texto.

Uma opinião minha, presente na dissertação, que inclusive eu tenho certeza que a maioria dos meus professores não concordaria, é que eu acho que quem analisa a mídia hoje não pode se dar ao luxo de analisar pedacinhos dos seus corpos. Por exemplo analisar só a fotografia, só os títulos, só a parte verbal, só a capa. Porque a mídia não é construída em pedacinhos. Ela é um todo de sentidos e assim ela deve ser respeitada. Eu acho que cada vez que a gente escolhe um pedacinho para fazer a análise, a gente consegue fazer a análise, consegue fazer um trabalho acadêmico coerente, mas uma série de sentidos são perdidos. E esses sentidos é que nos permitiriam ter acesso às estratégias ideológicas e ter uma visão crítica desses objetos.

Eu escolhi a questão do emprego porque é uma coisa que mexe com todo mundo e faz com que as pessoas tenham determinadas reflexões sobre o político. Quando a VEJA fala por exemplo que cabe ao trabalhador se virar e ver o outro como competidor, ela está criando uma relação política, que tem sérias conseqüências para o país e inclusive para a própria pessoa. Ela vai ver o outro trabalhador como um competidor, não como alguém que pode se unir a ela para reivindicar um mundo melhor, um país com mais trabalho.

Sala de Imprensa: As revistas hoje trabalham assumidamente com a relação informação/interpretação. Como é essa relação na VEJA?

Nilton Hernandes: A questão da divisão informação/interpretação faz parte das teorias de comunicação e a semiótica não acredita nisso. O que existe é uma dada realidade e as pessoas vão apreender esse real com base numa visão de mundo. A revista tem uma ideologia e vai construir o real em função dessa ideologia, e não o contrário. A VEJA não trabalha nem com a idéia de imparcialidade nem com a idéia de interpretação, a VEJA é uma revista que se assume como opinativa, ela se assume como a revista que dá a verdade última sobre tudo. Ela assume isso, não sou eu que estou falando. Há textos do Civita, dono da revista, onde ele fala isso claramente. A VEJA se assume dentro da imprensa nacional como a revista que dá a última opinião, depois que todas as outras mídias noticiaram. Ela transforma um problema em uma solução. O problema é ela ser a última mídia a noticiar, portanto ela sempre dá notícia velha. Então ela transforma isso em algo em favor dela. Ela diz assim: ?agora eu vou julgar tudo o que as mídias mais rápidas já deram e vou determinar o que é verdade e o que é mentira?. Ela é o enunciador que sabe tudo.

É típico da VEJA falar assim: ?nós ouvimos o maior especialista mundial sobre esse assunto e ele disse isso, mas ele está errado?. O que a VEJA fala é que ela sabe mais do que a pessoa que sabe mais. Isso está nos textos.

Ela age como um padre, que não admite discutir se Deus existe ou não existe, ele parte do princípio de que isso é um fato. Da mesma maneira a VEJA tem os seus fatos, que são verdades indiscutíveis, não interessa para a VEJA por exemplo ouvir o outro lado. Isso a VEJA jamais utiliza, e se ela utiliza é uma linha e para desqualificar o discurso. A VEJA trabalha dentro dessa visão do padre e fala que chegou à verdade. Não admite discussão. Não se discute o que é verdade a partir do momento que ela foi colocada como algo indiscutível.

Sala de Imprensa: O fato da VEJA ser uma redação muito mais de editores do que de repórteres influência no seu conteúdo ou no ?estilo VEJA??

Nilton Hernandes: Existe uma polêmica interessante na minha dissertação, eu ouvi os jornalistas da VEJA, o diretor da VEJA, e o diretor da redação e todos falaram: ?não existe um estilo Veja, nós só trabalhamos com fatos e interpretação?. E o que eu acho que a minha dissertação consegue mostrar é que existe sim um ?estilo VEJA?, que é marcado por várias coisas que a gente já falou, como por exemplo jamais ouvir o outro lado, sempre ter uma tese para defender, e utilizar a informação como maneira de cercar essa tese do maior número possível de argumentos. O leitor lê a matéria e fala: ?a VEJA ouviu tantas pessoas que sabem do assunto, pegou tantos dados sobre o assunto, levantou tantas estatísticas, que só pode ser verdade?. Esse é o ?estilo VEJA?.

A gente tem que sempre lembrar que a VEJA tem uma semana para fazer, e tem uma das maiores equipes de jornalistas desse país. Uma redação imensa, de gente altamente qualificada, e o ?estilo VEJA? é exatamente isso: afirmar que o desemprego melhorou, e fazer com que essa equipe fantástica vá atrás de informações que corroborem essa verdade da revista. Não partir de uma situação hipotética, admitindo que exista o problema do emprego no Brasil, e mandar sua equipe investigar em que consiste esse problema.

Sala de Imprensa: Como as fotografias são utilizadas e quais os efeitos pretendidos com elas?

Nilton Hernandes: Eu vou falar daquilo que eu analisei. A única coisa que a gente percebe é que a VEJA usa muito mal os recursos fotográficos e visuais. Nas matérias que eu analisei, a maior parte das fotos são fotos posadas. Ou seja, o fotógrafo chegou lá e falou: ?senta aqui, faz uma pose, levanta o braço, faz cara de preocupado, não faz cara de preocupado?. Ele bate a foto que vai corroborar uma idéia do texto. O fotógrafo da VEJA é um fotógrafo frustrado, porque ele recebe uma pauta que chega ao cúmulo de falar o fundo que a foto tem que ter, os gestos, as expressões.

Sala de Imprensa: Qual o papel dos Estados Unidos na Revista VEJA?

Nilton Hernandes: Eu quis trazer para a minha dissertação uma experiência que eu tive. Eu morei nos Estados Unidos e achava muito interessante, quando eu cheguei lá com os meus preconceitos, perceber que era uma sociedade absolutamente individualista, mas ao mesmo tempo uma das sociedades mais mobilizadas do planeta. Uma sociedade onde todas as pessoas fazem parte de alguma organização que de alguma maneira defende uma idéia. Eu achava que era uma contradição, mas eu fui perceber que não. Porque as pessoas percebem que para defender seus interesses individuais nada melhor que se unir. Quando a gente recebe as informações sobre os Estados Unidos via mídia é sempre o lado do indivíduo que faz tudo por dinheiro. Nunca recebemos o lado dos Estados Unidos que defendem os seus interesses como país, os seus interesses como povo. Então você tem o discurso da globalização, que eu particularmente vejo como uma maneira de estender o modo de vida norte-americano para o planeta inteiro, que coloca os Estados Unidos só com essa parte individual. A parte coletiva não interessa, porque não se engole os Estados Unidos como modelo, se soubermos da outra parte, de que ele defende seus interesses. Nós vamos chegar à conclusão de que nós temos que defender o nosso interesse também.

Na VEJA os Estados Unidos dão a sanção a tudo aquilo que nós fazemos, dão o julgamento. A VEJA vai ouvir um especialista dos Estados Unidos para comunicar: ?agora nós vamos ouvir a última palavra?. E assim ela está construindo um simulacro dos Estados Unidos como um padrão que nós devemos seguir. Interessa mostrar como lá eles são mais felizes, lá eles ganham mais dinheiro, lá eles estudam e têm mais empregos.

O que eu coloco na minha dissertação, a partir dos textos que eu analisei, é que a VEJA faz um simulacro dos Estados Unidos dentro do seu interesse de vender a idéia de que o indivíduo pode correr atrás de sua felicidade. Esse é um processo individual e a VEJA vai ajudar esse indivíduo a ficar rico. Ela dá a única saída e ao mesmo tempo ela é a entidade que vai ajudar você a chegar ao seu objetivo de conquistar o sucesso. Esse sucesso é o que ela defende como ideologia, é claro.

O que eu acho muito interessante observar é que nós tínhamos uma divisão do mundo entre ricos e pobres. Atualmente nós estamos assumindo a ideologia americana entre loosers e winners, vencedores e perdedores. Essa ideologia ela é muito mais perniciosa, porque se eu tenho um milhão de dólares, sou uma pessoa muito rica. Se eu perdi meio milhão continuo muito rica, só que dentro da óptica de julgamento social eu sou um perdedor, eu sou um looser. Isso vai fazer com que eu tenha que correr atrás do prejuízo. Essa ética, ou essa falta de ética, que a VEJA está passando para nós. O que a VEJA maneja então é um desejo de vencer na vida, de ajudar as pessoas que vão atingir o sucesso, mesmo que para atingir esse sucesso elas deixem um rastro de perdedores. Ela se coloca como a doadora do saber de como chegar a esse pódio.

Sala de Imprensa: O leitor procura na VEJA um respaldo para suas verdades, já que a revista expõe, muito mais do que novas informações, uma linha de pensamento que na maioria das vezes não abandona o senso comum?

Nilton Hernandes: Eu acho que não existe esse processo consciente. O que existe é o seguinte: você tem os meios de comunicação como a revista VEJA, que criam uma atração, que criam uma idéia de prêmio para você ser de determinada maneira. Por exemplo, o prêmio por você ser uma pessoa individualista, ver tudo e todos como mercadoria, se matar de estudar e deixar sua vida pessoal de lado, é o sucesso profissional. E ao mesmo tempo em que ela tem uma idéia de prêmio ela tem uma idéia de castigo. ?Se você não acreditar na gente ninguém vai gostar de você, você não vai namorar, não vai casar, não vai ter prestígio, ou seja, você vai deixar de ser?. Quando as pessoas aceitam a VEJA, elas estão aceitando essa possibilidade de prêmio. Mas eu não acho que é um processo consciente, até porque se você percebe em relação a vinte anos, quando havia um contraponto que era a ideologia comunista ou socialista, quando havia dois discursos se batendo, existia muito mais possibilidade de escolha de vida discursiva do que se tem hoje. Hoje se tem um discurso único, onde na verdade o que muda de mídia para mídia são as nuanças desse discurso. A Folha vai falar a mesma coisa que a VEJA, só que a Folha assume uma outra maneira de falar, o Estado tem uma outra postura e assim por diante. Todas essas posturas estão dentro do discurso único. Hoje o que se coloca para a pessoa é: ?se você não pensa assim você pensa como??

Se nem os pensadores de uma universidade como a USP conseguiram dar essa resposta, dar uma saída para esse discurso único, neoliberal, globalizado, imagine o leitor, que está sendo manipulado, ouvindo que ele tem prêmios e castigos."

 

VEJA PROCESSADA

"Ex-editora processa Veja por danos morais", copyright Comunique-se, 2/5/02

"Eliana Simonetti, ex-editora de Economia de Veja demitida pela revista por ser acusada de ?comportamento impróprio?, entrou na terça-feira (30/4) com processo por danos morais contra a publicação. O nome de Eliana constava na lista do lobista Alexandre Paes dos Santos, acusado de relações escusas com funcionários do Palácio do Planalto e de alguns ministérios. ?Isso causou-lhe muito transtorno. Algumas pessoas vêem Eliana como vínculo de favorecimento. Levou tempo para encontrar um novo emprego?, disse Larissa Fortes, advogada da jornalista.

No dia 12/11/2001, Veja enviou comunicado à imprensa informando a decisão de demitir Eliana e dizendo que considerava impróprio o relacionamento entre ela e o lobista. A demissão foi registrada inclusive na seção de Cartas da revista. ?Pedimos também retratação pública no mesmo espaço, com direito ao mesmo destaque que teve a nota?, contou a advogada.

Na época, uma amiga de Eliana contou a Comunique-se que a ex-editora procurou o diretor da revista, Tales Alvarenga, quando Época pediu seu depoimento. ?Ela queria uma orientação para saber o que deveria dizer à imprensa?, disse a fonte. Alvarenga teria respondido: ?Vamos ver como as coisas andam?. Quando a demitiram, os diretores de Veja não teriam ouvido a versão da jornalista.

Veja fez a cobertura completa sobre as relações do lobista com funcionários do governo, mas omitiu o nome da editora quando divulgou os nomes que constavam na agenda do lobista.

Eliana e Santos se conheceram em 1991. Ele se tornou fonte da jornalista e até chegaram a namorar. Mas deram um fim ao relacionamento em 1993, quando ela foi transferida para São Paulo.

?Ainda não temos nenhuma notícia sobre essa ação?, disse a gerente jurídico-corporativa de Veja, Sônia Maria D?elpoux."