O POVO
"Política, França
e o muro", copyright O Povo, 4/5/02
"?Tudo o que fica de fora
da mídia assume a condição de marginalidade
política? (Manuel Castells, sociólogo espanhol)
Hoje, o mundo ocidental acordou com os olhos voltados para as eleições
na França. A ida do candidato de extrema direita, Jean-Marie
Le Pen, para o segundo turno francês, com suas idéias
racistas e xenófobas, abalou a nação que é
considerada um exemplo de luta em favor da liberdade, da democracia
e dos direitos humanos. A França estava meio sonolenta e
apática nesse processo eleitoral que tinha como principais
adversários Jacques Chirac e o Lionel Jospin. De uma hora
para outra, o país largou o pijama e ganhou as ruas; exigiu
explicações dos institutos de pesquisas que davam
a Le Pen índices irrisórios de preferência pelo
voto; cobrou participação dos intelectuais que não
teriam ocupado os espaços públicos para o debate eleitoral.
E as manifestações contra Le Pen tomaram conta da
França. E nós com isso não é leitor?
Permita-me dizer a você que a eleição francesa
tem vários ingredientes que podem nos levar a pensar. Algumas
causas foram levantadas na imprensa para explicar a apatia francesa
que terminou parindo Le Pen. Entre elas está a descrença
ou desânimo diante do sistema democrático aliada à
desconfiança nos programas de governo e a grande abstenção
dos eleitores nas urnas. Tem mais um componente importante. Na França,
a grande maioria dos jovens até 25 anos, com menos escolaridade,
votam com Le Pen ou não votam.
Na verdade, a minha proposta é conversar com você
sobre algumas reflexões extraídas de leituras que
podem nos ajudar a entender alguns desses fatos, que não
estão isolados de um contexto histórico e que envolve
a mídia a política.
Midiacracia
Encontrei nessas andanças idéias que me pareceram
interessantes para apreciação. A principal delas trata
de uma interseção, que alguns estudiosos chamam de
?americanização das eleições no ocidente?
e uma crise fortíssima que aos poucos está se abatendo
sobre a democracia, não só nas américas, mas
também na Europa. Essa crise, no entanto, não está,
como se pensava no passado, na questão da ausência
do voto. Ela se dá com o voto. O principal viés da
discussão é o formato político democrático
aliado à mídia, onde os partidos e os políticos
só se tornam ?legítimos? quando aprovados pelos meios
de comunicação, principalmente os eletrônicos.
Homens e idéias passam a valer muito pouco, o que vale é
a representação e as imagens criadas no (in)consciente
coletivo. O homem político se transforma então, num
produto de mídia, ou seja, há uma despersonalização
do ser humano. Suas idéias viram mensagens que precisam se
adequar à necessidade dos ouvintes e leitores, tudo baseado
em pesquisas de opinião pública.
Esse seria o ambiente da midiacracia ? uma democracia produzida
por produtos midiáticos ? que se transformam em poder político
nos países democráticos. Trocando em miúdos,
boa parte do público encara o cenário como um reality
show político, e o resultado disso pode ser uma descrença
na eficácia dos processos eleitorais.
Para encontrar modelos que se encaixem nessa reflexão não
é necessário recorrer a nenhuma outra nação.
Recentemente, a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney,
se tornou um fenômeno eleitoral nas pesquisas de opinião
graças ao seu desempenho nos programas do PFL transmitidos
pela TV. Caiu nas pesquisas e em desgraça junto ao partido,
devido à montanha de cédulas encontradas numa das
empresas do marido ? acusado de mau uso de dinheiro público
? e que foram mostradas na TV.
O ex-ministro José Serra (PSDB), candidato do atual presidente
Fernando Henrique Cardoso à presidência, está
buscando ?legitimidade? da sua candidatura junto às pesquisas
de opinião. O candidato Ciro Gomes (PPS), na gangorra de
uma aliança política, que corre sério risco
de não se concretizar, propõe acordos com qualquer
um por causa de um minuto a mais de exposição na TV.
O candidato do PT, Lula da Silva, experimentou essa semana o efeito
colateral de crescer nas pesquisas de opinião.
Americanização
Por que ?americanização? das eleições?
Porque esse modelo, que parece universal, de fazer política
atrelada à mídia é um produto norte-americano.
Começou no debate histórico entre John Kennedy e Nixon
em 1960, quando, pela primeira vez na história dos Estados
Unidos, houve um confronto entre candidatos à presidência,
transmitido pela TV e pelo rádio. Feitas as pesquisas, quem
viu o debate pela TV considerou Kennedy vitorioso; quem apenas ouviu
o rádio, marcou ponto para o Nixon. Kennedy ganhou as eleições
e o hamburguer TV com pesquisa passou a dominar o menu fast food
das campanhas eleitorais norte-americanas e hoje, em todo o mundo.
Nesse jogo de representações, nessa midiacracia a
que estamos submetidos, o jornalismo impresso tem um papel fundamental.
É o espaço privilegiado para o debate político
das idéias.
É o ambiente ideal para o exercício da crítica
política, formação e informação,
negando a ?midialogia? (idéia simplista e vazia transmitida
pela mídia de forma desconectada, descontextualizada). Mas
isso não acontece, na grande maioria das vezes.
O noticiário político está recheado de ?situações
efêmeras, que servem de base para formação de
alianças provisórias sustentadas por formas mobilizadas
conforme as necessidades de um dado momento?. O resultado disso
é uma ?sociedade desprovida de cidadãos e, em última
análise uma não sociedade?. As idéias são
do escritor francês, Guehemo Jean Marie, autor de O Fim da
Democracia. Temos ainda, por parte do estudioso de mídia
norte-americano, Gitlin Todd, a seguinte crítica ao conteúdo
do noticiário político: ?As notícias devem
estar voltadas para o evento, não às condições
a ele subjacentes; na pessoa, não no grupo; no conflito,
não no consenso; no fato que antecipa a história,
não naquele que a explica?.
E o muro
Em outras palavras, o modelo não é dos melhores.
Considerei interessante dividir com vocês essas reflexões
principalmente por causa da campanha abraçada pelo O Povo,
Saia do Muro, que reúne entidades importantes no trabalho
de conscientizar e despertar o jovem para o voto. Essa missão
não terá bons resultados se o que oferecermos aos
jovens cearenses for apenas a representação desse
modelo ?midiacrático? de governo, candidaturas midiáticas,
uma ?midialogia? ao invés de idéias que valham a pena
serem discutidas por todos, jovens e adultos. A campanha é
cidadã, tem visão de futuro, de formação
de novos atores do cenário social. E a responsabilidade informacional
do O Povo cresce com isso."