Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Os eleitos. Ou como eles se vêem

OMBUDSMANS

Plínio Bortolotti (*)

Editor de Opinião do O Povo (CE), mantive uma polêmica interna com a ombudsman do jornal, Regina Ribeiro, entre os meses de março e abril deste ano.

A partir da forma como a discussão se desenrolou, comecei a refletir
sobre o porquê de os ombudsmans serem tudo aquilo de que eles
(os ombudsmans) acusam os jornalistas da redação:
prepotentes, ditatoriais, intolerantes e impermeáveis &aagrave;
critica.

Buscando entender melhor a situação, produzi este texto, consultando as seguintes fontes: os livros O relógio de Pascal ? A experiência do primeiro ombudsman da imprensa brasileira, de Caio Túlio Costa (Siciliano, São Paulo, 1991), Clube dos ingênuos ? Um relato de três anos como ombudsman do O Povo, de Adísia Sá (edições Demócrito Rocha, Fortaleza, 1998) e A herança de Sísifo ? Da arte de carregar pedras como ombudsman na imprensa, de Lira Neto (edições Demócrito Rocha, Fortaleza, 2000); a dissertação de doutorado O ombudsman e o público, apresentada na Universidade Federal do Rio de Janeiro, por Jairo Faria Mendes (1998), que analisou as colunas do ombudsman da Folha de S.Paulo (SP) de 17/12/95 a 29/12/96 (quando o jornalista Marcelo Leite ocupava o cargo); e as colunas públicas da atual ombudsman do O Povo, Regina Ribeiro (cujo mandato começou em janeiro de 2002 e vai até o fim deste mesmo ano).

Caio Túlio Costa foi “o primeiro ombudsman de imprensa da América Latina”, como está frisado em algumas passagens de seu livro, na Folha de S. Paulo (1989-1991); Adísia Sá foi “a primeira do Norte-Nordeste”, como ela ressalta, no O Povo (em três períodos: 1994, 1995 e 1997); Lira Neto atuou na função no O Povo em 1998.

A análise se resume a esses casos, de ombudsmans de imprensa. Não vou, também, nesse trabalho de pouco fôlego, explicar as origens do ombudsman e da palavra que nomina o cargo. Para facilitar, optei por acrescentar um “s” para formar-lhe o plural. Também não vou tornar a citar os livros acima, apenas anotarei, entre parênteses, a página em que está a citação.

O que é o ombudsman?

O que é um ombudsman? O bedel do jornal, como dizia o jornalista Paulo Francis; uma simples jogada de marketing das empresas; ou o intransigente defensor dos leitores, sem jaça, que nunca se desvia de suas funções? Para cada uma dessas teses, certamente encontrar-se-ão defensores.

Seria injusto concordar com a boutade de Paulo Francis, mesmo sabendo que muito jornalista já mastigou prazerosamente essa definição.

Também não é apenas por uma questão de marketing que os jornais mantêm ombudsmans. Basta olhar para o panorama atual da imprensa brasileira: apenas O Povo e a pioneira Folha de S.Paulo mantêm o cargo. Há alguns anos, outros cinco jornais tinham alguém na função: Folha da Tarde (SP), O Dia (RJ), Diário do Povo (Campinas, SP), Correio da Paraíba (PB), A Notícia (SC). Se fosse uma simples questão de marketing, por que esses ombudsmans foram defenestrados? Por que outras empresas não copiaram tão eficaz ferramenta de “marketing”? É fato que as empresas que mantêm o ombudsman também utilizam a função para apregoarem transparência e democracia, mas seria pedir demais que não o fizessem.

Óbvio ainda que o ombudsman é passível de falhas (apesar de alguns deles acharem que não) e, quando elas são apontadas, reagem da forma como acusam os seus criticados de fazerem: com arrogância e prepotência.

É verdade, também, que nem tudo o que está contido nas três interrogações acima é mentira.

O chamado

Uma pergunta que, ao que eu saiba, nunca foi feita, e que pode responder de forma mais ampla à questão inicial é: como o ombudsman se vê?

Para tentar responder a essa interrogação e entender melhor a forma como o ombudsman age, analisei o que cada ombudsman escreveu. Cheguei a uma conclusão que ? sem exagero ? considero de certo modo aterradora: os ombudsmans se consideram quase que enviados divinos, que assumem uma “missão”, um “chamado” especial, e não um simples, ainda que difícil, trabalho ? mais ou menos como aquele que centenas de jornalistas fazem redações afora. Também, que eles se apresentam com uma estudada falsa modéstia, como inexperientes para o cargo, com o fito de valorizar a função que vão desempenhar.

A história da assunção do cargo de cada ombudsman, e depois o seu desenrolar, assume um tom de uma gesta. Vou provar essas assertivas com a reprodução de palavras dos próprios, impressas em suas obras.

Começo pela ordem cronológica do desempenho da função, com citação dos trechos dos livros. Só para ficar claro, os comentários não aspeados são de minha responsabilidade.

Caio Túlio Costa


“Aceitei com prazer e apreensão a missão (grifo meu) de implantar o serviço. Achava-me muito novo para o cargo ? geralmente ocupado por alguém na beira da aposentadoria (…) por ter começado no jornalismo em 1972, em Tupi Paulista (no interior de São Paulo) (…) ter passado pela irrequieta imprensa estudantil na década de 70 (…), ter ajudado a colocar de pé um mensário alternativo, único na sua radicalidade (Beijo), ter colaborado com Caio Graco Prado e Cláudio Abramo na criação do Leia Livros (no final dos anos 70), ter dado aulas de Jornalismo na PUC de São Paulo, ter editado a Ilustrada e secretariado a redação da Folha durante cinco longos anos (que valeram por uns 30), eu me sentia em parte preparado para exercer a função de advogado do leitor e críticos dos meios de comunicação de massa. Uma ilusão, obviamente.” (págs. 9 e 10)


Ou seja, eu sou o bambambã. Mas essa “missão” suprema está acima das forças de um homem, por mais bem preparado que seja, é missão para super-homens no mínimo. Ou seja, é uma falsa humildade, apenas para dar ares épicos à função.

Adísia Sá


“(Agradeço a ) Demócrito Rocha Dummar, presidente do O Povo por me garantir mais (grifo meu) um lugar na história do jornalismo cearense, ao me fazer a primeira profissional a ocupar as funções de ombudsman da imprensa do Norte e Nordeste.” (pág. 4). “Quando eu assumi esta função, o fiz inteira, que encarnei a figura de ombudsman durante três anos” (pág. 91). “(…) de repente, me vi consumindo (sic) o ?meu? jornal sob a ótica do leitor fora de mim. Isto é: eu era e não era eu…” (pág. 14)


Observe-se, o termo “encarnar” (incorporar uma entidade, indivíduo em transe mediúnico, segundo os dicionários) também é utilizado por Lira Neto, como se verá abaixo. Ou seja, o ombudsman é um “cavalo” de uma entidade superior (“eu era e não era eu”), que não está na Terra, mas por isso tudo vê e tudo avalia. É o Grande Irmão, o Big Brother (de Orwell, não da Globo) dos jornalistas, do qual nada escapa.

Lira Neto


“(…) fui surpreendido pela presidência do jornal, na pessoa de Demócrito Dummar, que apontara meu nome para ocupar o lugar de ombudsman, em substituição à veteraníssima Adísia Sá. Um tanto atônito, pedi um tempo para avaliar a proposta. Além da imensa responsabilidade que tal decisão certamente envolvia, confesso que me sentia desprovido da necessária experiência para encarar tamanho desafio (…) Com 34 anos (…) faltava-me entre outros atributos, por exemplo, os cabelos brancos, sinal universal de sabedoria (sic), marca registrada que só o tempo nos sabe dar (…) o fato de substituir Adísia Sá ? jornalista de cabeleira respeitavelmente branca (…) O jornalista Alberto Dines, outra cabeça impecavelmente branca e uma das maiores competências éticas da imprensa brasileira, lenda vida do jornalismo nacional, foi um dos que me convenceram a assumir os riscos de tomar na unha o inesperado convite”. (págs. 9 e 10, Introdução).


Ou seja, a suposta humildade mostrada na “surpresa” ao receber o convite para o cargo esfarela-se três ou quatro linhas abaixo, já que o escolhido não vai assumir apenas um cargo, mas uma missão quase divina, um chamado especial partido do Olimpo, abençoado por “uma lenda viva” do jornalismo. Em suma, ele exercer uma função para a qual apenas os especiais são urgidos.

Mas, ao fim da Introdução Lira Neto exibe o troféu conquistado ao longo de seu mandato:


“Minha principal certeza é de ser essa uma experiência da qual ninguém jamais poderá sair da mesma forma como entrou. Espécie de divisor de águas na carreira de qualquer jornalista. E, também, uma forma rápida e definitiva de ganhar, em um ano, os primeiros e sintomáticos cabelos brancos, como os que hoje exibo (…) Justamente ? ora vejam ? aqueles mesmos cabelos brancos que um dia julguei me faltarem para encarnar (grifo meu) a herança de Sísifo.” (pág. 16)


Alguém precisa avisar urgentemente ao jornalista Lira Neto que existe gente sem experiência e despreparada com qualquer tipo e cor de cabelos, inclusive carecas.

Títulos reveladores

O messianismo dos ombudsmans aparece até nos títulos de suas obras. Lira Neto apela para o mitológico Sísifo, que teve a coragem de desafiar os deuses e por isso foi condenado a rolar uma pedra montanha acima, que volta a cair etc., símbolo do trabalho infindável.

Caio Túlio Costa, um pouco mais modesto, convoca apenas um filósofo, o francês Blaise Pascal (1623-1662), que também era físico e matemático, mas que no decorrer da vida, vejam só, se converteu ao misticismo. O tal do “relógio” do título do livro refere-se, segundo o próprio Caio Túlio, ao fato de que Pascal tinha o hábito de usar, preso ao pulso esquerdo, um relógio, como forma de olhar as horas sem que os outros percebessem: “Era sua regra, seu método de medir o tempo.” (pág. 254).

Depois, Caio Túlio tenta, confusamente, relacionar isto à função de ombudsman: “É impossível julgar qualquer coisa sem regras. Falta método à maior parte da crítica de imprensa no Brasil, sobra maneirismo.” (pág. 255). Caio Túlio surgiu para botar ordem na casa.

Adísia Sá, aparentemente ainda mais pudica ao titular seu livro, opta por chamar os ombudsmans de “ingênuos” (sem malícia, puros, inocentes). Evoca assim, a fábula de Chapeuzinho Vermelho, a caminhar na perigosa selva da redação, onde espreita o Lobo Mau. A propósito disso, comentando uma palestra que o presidente do O Povo, Demócrito Dummar, fez no 3? Encontro Nacional dos Ouvidores (dezembro/97), Adísia conta em seu livro que, em sua fala, o presidente do jornal disse: “Vez por outra tenho que massagear o ego da ombudsman.” Prossegue Adísia:


“As pessoas riram, bateram palmas, olharam para mim. Naquele instante eu repassei todos os momentos (dos ano de) de 94 e 95 e fiquei plenamente consciente de que fiz bem em aceitar o convite do presidente e retornar ao cargo em 97. Eu não estava tão sozinha, como pensava.” (pág. 68).


É de se imaginar como este momento deve ter sido reconfortante para Adísia, quando ela recebeu essa “massagem no ego” do presidente do jornal, acompanhada das palmas da platéia, o seu exército para enfrentar o bom combate. Ou seriam os leitores (a platéia) os caçadores que salvariam a pobre Chapeuzinho Vermelho das garras dos lobos maus da redação?

Quanto ao aspecto, digamos assim, místico, a atual ombudsman do O Povo, Regina Ribeiro, é um pouco mais comedida, mas não deixa de apelar para as forças da providência, como se vê em sua primeira coluna pública. “Estarei aqui por este ano todo, se Deus quiser (grifo meu), para trocarmos idéias sobre jornalismo.” (13/1/2002).

Óbvias as mitificações e mistificações dos textos. Jornalista, sendo ele ombudsman ou não, está longe da imagem de inocência. Também o ombudsman realiza, ainda que difícil, uma simples tarefa, e não uma “missão” especial, ditada pelo Olimpo.

Os bons e os maus

Outra característica marcante dos ombudsmans é tentarem demarcar uma grande distância dos jornalistas ? dos quais parecem temer conspurcação ? ao mesmo tempo em que tentam, de todas as formas, seduzir o leitor, recrutá-lo para a “causa”. Também sobram muitos elogios para os proprietários dos jornais. Agora, os jornalistas, quase sempre são, no mínimo, incompetentes, descuidados, desrespeitosos. Não raras vezes, são mesmo satanizados.

“Os ombudsmen são amados pelos leitores e odiados pelos jornalistas. Nesse sentido (sic) eram bastante previsíveis as reações corporativas com as quais topei pela frente” (Caio Túlio, pág. 9). Argüido certa vez sobre a reação dos jornalistas frente ao ombudsman, Caio Túlio respondeu: “(É) sempre (grifo meu) neurótica porque, como seres humanos (sic), os jornalistas também não gostam de ser criticados” (pág. 117).

(Vem cá, será que, como cães, os jornalistas gostariam das críticas? )

Regina Ribeiro opta, na sua coluna de apresentação (e em várias outras) por um tom pretensamente sedutor, mas infantilizado, como se o leitor precisasse ser conduzido pela mão, protegido ao caminhar entre as feras (os jornalistas): “Não tenho dúvidas de que será um tempo bom (o mandato de ombudsman), embora no Ceará, quando a gente fala em tempo bom, pensa-se logo em muita chuva e trovoada. Brincadeira à parte, acredito que o exercício profissional de ser (sic) ombudsman enriquece, amadurece e oferece muitas oportunidades de conhecer um pouco mais de perto as pessoas que são a razão de ser dos jornalistas: os leitores (…) Saiba que foram uma alegria os primeiros contatos (com os leitores)” (13/1/2002).

Regina abusa do tom coloquial com o objetivo de ganhar simpatias. Usa à náusea o “você”, faz suaves admoestações, numa desesperada tentativa de conquistar o leitor. “Você mesmo, que está lendo esta coluna, pare e pense, como é que você analisa o jornal que você comprou? O que levou você…” (grifos meus) (3/2/2002).

Com o mesmo objetivo, os gracejos também são comuns: “Vamos devagar e sem pressa, como diria o Jack, aquele ?bom rapaz? inglês?” (20/1). Tirante o fato de que o “bom rapaz” talvez dissesse “vamos por partes” ? e não vamos sem pressa ?, esse tipo de texto engraçadinho e supostamente coloquial perpassa a maioria das colunas da atual ombudsman do O Povo.

Se os leitores são paparicados como se fossem crianças, aos jornalistas Regina Ribeiro não dá refresco, o recado é duro:


“O jornalista profissional também não pode ficar à espera que alguém pense na sua formação. Precisa investir em si próprio, estudar para ter uma maior capacidade de avaliação dos fatos e da própria. realidade. É o nome de cada um de nós que está sendo colocado publicamente e os leitores sabem discernir o que é bom e o que não é (…) Não é possível que a maior parte do tempo da ombudsman seja para analisar texto do ponto de vista de sua estrutura (…) ou ainda de uma construção primária” (13/1/).


Em uma coisa deve-se concordar sem restrições com a ombudsman: há jornalistas que precisam melhorar o texto.

Em sua tese de doutorado, Jairo Faria Mendes escreve: “Esta diferenciação entre estes dois grupos de interlocutores é muito importante, porque o ombudsman tem uma relação oposta com cada um deles. Com os leitores, o ombudsman procura criar uma relação afetuosa. Já com os jornalistas o ombudsman se coloca como um impiedoso crítico.”

Vários exemplos foram apontados no corpo da dissertação, em que os jornalistas são chamados de “ingênuos”, “ignorantes”, “insistentes (chatos)”, “mórbidos”, “complicados”, “desconhecedores das normas gramaticais”, “oportunistas”, “incompetentes”, “desrespeitadores”, entre outras coisas.

O dono da voz

Se sobra pau para os jornalistas, as empresas, na maioria das vezes, são poupadas ou elogiadas. É de justiça registrar que no mandato dos três ombudsmans do O Povo aqui analisados houve momentos de embate com a direção do jornal. Observe-se ainda que não houve ameaças, por parte da empresa, de suspender a função ou punir os ombudsmans devido a isso.

De Adísia Sá: “O leitor, então, conta com alguém que estará à sua disposição para mostrar que jornal também é transparente e jornalistas, vulneráveis e perfectíveis” (pág. 49). Anotem-se os adjetivos para classificar o jornal (instituição) e os jornalistas (profissionais que nele trabalham): o jornal é “transparente”, jornalistas são “vulneráveis” (a quê?) e “perfectíveis” (passíveis de aperfeiçoamento, como de resto, todos os seres vivos).

De Regina Ribeiro: “O jornal nasceu com um ideal de justiça e para ajudar as pessoas. Fazer críticas faz parte desse ideal, e não é uma coisa fácil. Eu espero contribuir com o ideal do jornal O Povo.” (entrevista ao O Povo, 9/1/2002).

De Caio Túlio Costa: “Ao diretor de redação da Folha, Otávio Frias Filho, rendo homenagem pelo destemor em adotar a função de ombudsman no seu jornal e a ajuda para fazer dessa atividade uma verdadeira instituição. Sem sua determinação, o primeiro ombudsman de imprensa no Brasil teria durado alguns dias.” (Apresentação, pág. 11).

Compare-se a qualificação reservada ao diretor do jornal ? filho do proprietário ? aos termos com os quais Caio Túlio trata os jornalistas. O diretor do jornal é “destemido”, aquele que cindiu o Mar Vermelho, possibilitando a ele o cumprimento de sua hercúlea tarefa. Bem, e os jornalistas? São apenas dados a reações “neuróticas”, isto é, doentes, que não compreendem a grandeza da missão do ombudsman.

Em seu livro, Caio Túlio também mostra como os jornalista eram tratados: “(…) tudo era feito na perspectiva de quem está lendo o jornal e não se importa se uma notícia faltou por erro do jornalista ou qualquer outro problema interno” (pág. 27). Em trecho mais abaixo, Caio Túlio reproduz a fala de um seu colega do San Diego Union (EUA), Alfred JaCoby, que lhe contou ser “assaltado” diversas vezes por editores com “explicações e mais explicações para cada erro”. Segundo Caio Túlio afirma em seu livro (pág. 27), JaCoby costumava responder assim: “Eu sou leitor e pago sete dólares por mês pelo jornal de vocês, e espero que ele seja correto.”

Depois de se regozijar com o desdém de seu colega em relação aos jornalistas, Caio Túlio se mostra mais ameno com a Folha de S.Paulo, ao comentar, apenas duas páginas adiante, os problemas administrativos da empresa que também chegavam a ele (entrega do jornal, cortes indevidos, cobrança dupla de assinatura etc): “Os leitores recebiam, porém, ao menos uma sugestão de quem procurar para resolver rapidamente o infortúnio administrativo ? algo compreensível em empresa com mais de 300 mil assinaturas e com a obrigação de entregar pontualmente o produto todas as manhãs, antes do cidadão sair de sua casa.”

Ora, mas esse cidadão também não paga para receber o jornal conforme o contrato que assinou com a empresa? Quer dizer, para o jornalista não tem desculpa, mas para a empresa é “compreensível” que ela erre?

Na verdade, os ombudsmans, de maneira geral, agem como aquele cliente que passa horas na fila do banco e depois descarrega as suas frustrações em cima do caixa que o atende.

O ombudsman no espelho

Apesar de todas as críticas, não se pode deixar de reconhecer a enorme importância e a necessidade do ombudsman na imprensa. Mas para que a função ganhe reconhecimento dos jornalistas e dos próprios leitores ? e não só a adesão acrítica ? é preciso que o ombudsman também reflita, olhando-se no espelho, assumindo as mesmas críticas que fazem a seus colegas de redação. Deve desejar para si mesmo aquilo que exige dos outros. Assumir o cargo não implica automática purificação. Se os jornalistas são tudo aquilo que o ombudsman diz, por que este não é a mesma coisa, já que também é um deles?

O ombudsman precisa saber que o jornal não é um armazém de secos e molhados, no qual o freguês sempre tem razão. Se alguém compra um liquidificador ? seja essa pessoa de esquerda ou de direita, de qualquer classe ou corporação ?, o que ela espera é que o aparelho funcione, bata, misture, liquidifique etc. Não haverá muito problema para se chegar a um consenso.

Com um jornal é diferente, o leitor também tem paixões, partidos, torce por determinado time de futebol, pertence a alguma categoria etc. Ou seja, o leitor tem interesses.

Sempre é dito que o bom jornalismo é aquele que defende o interesse público, e não o interesse do público. O ombudsman também deveria ter isso em vista quando faz seu trabalho. Isto é, para saber o que o público quer é só dar uma olhada no ibope dos programas de TV ou verificar quais as seções mais visitadas na internet ou a palavra mais digitada nos sites de busca.

Talvez os ombudsmans dessem maior contribuição ao jornalismo se privilegiassem o debate com os leitores sobre a forma de produção dos meios de comunicação.

Isso não quer dizer que o ombudsman não vá apontar incorreções, desconsiderar o leitor ou abdicar da crítica aos jornalistas. Mas é importante lembrar que há uma diferença muito grande entre corrigir e humilhar. E, freqüentemente ? o histórico dos ombudsmans mostra isso ? essa linha é ultrapassada.

(*) Jornalista, editor de Opinião do O Povo (CE)