GAZETA MERCANTIL PARÁ
Lúcio Flávio Pinto (*)
A aventura de fazer, num país de dimensões continentais como o Brasil, um jornal diário verdadeiramente nacional engoliu mais um aventureiro, a Gazeta Mercantil. Dirão os apressados que a esfinge é indecifrável, da mesma maneira como a culpa pelos fracassos dos projetos Ford e Jari foi jogada sobre as costas largas da floresta amazônica. É impossível minimizar as dificuldades da empreitada. No caso da Gazeta, a empresa que até hoje chegou mais perto de domar o touro bravio, o desastre deve ser atribuído, porém, menos a fatores externos do que a causas internas.
Dispondo de tecnologia mais apropriada (do que, por exemplo, o Diário de Notícias, na década de 70, que usava sinal de rádio) para editar um jornal simultaneamente, cinco dias da semana, em 12 capitais brasileiras, a partir da central, em São Paulo, agregando à edição nacional cadernos locais, a Gazeta esteve bem próximo de consolidar um modo e uma estrutura de produção de jornalismo brasileiro.
Deve-se creditar esse mérito à audácia de Luiz Fernando Levy, que sucedeu o pai, Herbert Levy, numa empresa com 82 anos de existência, especializada no noticiário econômico e financeiro. O excesso de ênfase, contudo, projetou Luiz Fernando no vácuo da megalomania. Tentou abarcar ao mesmo tempo o Brasil e o continente, indo na onda do Mercosul. Dentro dela, o jacaré não era nada simbólico. Tem engolido todas as difíceis conquistas da empresa. E exibido seus excessos e irracionalidades.
Na busca do modelo do Wall Street Journal, que talvez até pretendesse superar, a Gazeta encolheu ao tamanho de anos atrás, involuindo a partir da grandeza a que chegara. Comprometeu até mesmo a sua sobrevivência. Sua receita já não é bastante para amortizar seu débito. A fórmula salvadora tem dois componentes. Um, político, depende do que acontecer até as eleições presidenciais. Outro, financeiro, está relacionado ao ingresso de capital líquido estrangeiro na mídia nacional.
No plano estritamente local, deve-se lamentar o fim precipitado de uma experiência de dois anos, a Gazeta Mercantil Pará, que vinha tentando levantar o padrão da cobertura jornalística entre nós, embora com uma entonação acentuadamente oficial, quase chapa branca às vezes. Pelo menos o caderno paraense seguia normas profissionais, uma das quais, básica, parece estar sendo esquecida nos shoppings de notícias em que as páginas de jornais (e os espaços de veiculação de rádios e televisões) parecem estar se transformando: o jornalismo não agride os fatos, submete-se a eles. Quem sacrifica fatos ou os negocia faz comércio, não jornalismo.
Mais uma perda a lamentar.
(*) Jornalista em Belém (PA), editor do Jornal Pessoal