ARTIGO 222
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF
Quando o Senado prepara-se para a votação da PEC que abre o setor de comunicação ao capital estrangeiro, a Diretoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal dirige-se respeitosamente aos Srs. senadores na expectativa de que o Poder Legislativo possa interpretar os anseios da sociedade brasileira por uma Comunicação Social humanizadora, informativa e educativa, e rejeitar um maior controle dos oligopólios internacionais, ensejando temerários prognósticos para a soberania nacional e a cultura brasileira.
Já possuímos experiências o suficiente comprovando quão negativas foram as influências estrangeiras sobre nosso sistema de comunicação, a começar pela interferência do Grupo Time-Life em conformação do nosso principal conglomerado de mídia, sempre em sintonia com teses antidemocráticas (apoio ao regime militar, censura à luta popular das Diretas-Já) e sempre dispondo dos mais privilegiados favores do Estado em sustentação de sua labor alienante, deseducativa e embrutecedora.
O impressionante volume de recursos públicos que esses conglomerados receberam generosamente ao longo destas décadas seriam suficientes para viabilizar a estruturação de um outro sistema de comunicação, verdadeiramente informativo e humanizador, em cumprimento dos dispositivos constitucionais, sistematicamente desprezado s pelo modelo de mídia que respeita apenas a voracidade cega do mercado. Assim, recursos astronômicos foram dissipados no apoio a uma selvageria mediática, em detrimento de um povo sem acesso à cultura, à educação e a um lazer nobre e sadio.
O argumento de que a entrada de capital estrangeiro proporcionará mais concorrência no setor de comunicações carece de comprovação, especialmente quando um vertiginoso processo de oligopolização fez com que meia dúzia de grupos gigantes detenham hoje o fluxo mundial da informação e da cultura, afrontando a pluralidade e a diversidade informativas preconizadas pela UNESCO. Como imaginar a possibilidade de intercâmbios culturais-informativos se 95 por cento do fluxo da informação internacional é controlado por seis oligopólios ? Como imaginar trocas e crescimento mútuo se o que a PEC permite é esmagar nossa produção audiovisual e controlar a opinião pública? Num mundo em que pretextos e pseudo-argumentos são artificialmente utilizados para justificar até mesmo intervenções militares ? sempre suportadas por uma blitz mediática mundial ?, será exagero imaginar que a comunicação social anexada aos conglomerados internacionais possa lançar uma campanha para justificar a tese da "soberania limitada sobre a Amazônia" e sustentar ações dos grandes interesses mundiais nesta cobiçada e rica região?
Um país do porte do Brasil deve considerar o exemplo dos países que adotaram políticas públicas que protegem e alavancam com sucesso o seu audiovisual, como é o caso de França, China, Índia, Irã e outros, com capacidade para defender sua cultura e disputar fatias do mercado internacional, gerando empregos internamente e projetando estrategicamente sua identidade nacional para o mundo. O audiovisual brasileiro que chegou a esboçar um desenvolvimento significativo sofrerá um golpe duro com a aprovação da PEC, pois a incipiente relação televisão-cinema será abortada, para não competir com o audiovisual norte-americano que já controla 75 por cento do nosso mercado.
A esperança de que o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso e sem poderes executivos, possa desempenhar papel efetivo, como se órgão regulador fosse, ignora que quanto mais presença oligopólica há num setor econômico, menor possibilidade existirá para ação de fato reguladora. O exemplo da telefonia é candente: a despeito da Anatel, registra-se tendência irreversível ao monopólio privado, desemprego, eliminação dos centros de tecnologia nacional, ampliação das compras de tecnologia estrangeira estocada e, conseqüentemente, mais endividamento. Na área da comunicação, se vierem, os capitais acarretarão maior dependência tecnológica e maior endividamento, manutenção do desemprego crônico no setor, falência audiovisual e controle externo da opinião pública.
A experiência recente da abertura dos serviços de TV a cabo ao capital estrangeiro deve servir de alerta. Não bastasse a configuração de um odioso apartheid audiovisual, com irrisórios 3,7 milhões de assinantes, constituindo-se numa televisão para ricos e de conteúdo desnacionalizado ? indefensável do ponto de vista democrático ?, ainda suga recursos públicos do BNDES, antes jamais direcionados para a comunicação comunitária, cooperativa ou de microempresa. Desse modo, terminam por agigantar os grupos já poderosos e suas dívidas, os mesmos que se opõem, por exemplo, ao fortalecimento de um modelo público de comunicação, inclusive à abertura do sinal da TV Senado e TV Câmara a toda sociedade, nada mais justo, já que sustentadas por todos os contribuintes.
A terrível experiência da mídia venezuelana no apoio ostensivo ao golpe de Estado que derrubou por horas o presidente legítimo, Hugo Chávez, sua sintonia com os interesses estrangeiros que cobiçam a privatização da riqueza petrolífera, deveriam nos orientar noutra direção que não a de oferecer mais liberdade de ação ao capital estrangeiro. Mais grave: somos uma economia em perigoso processo de desnacionalização (70% do PIB está nas mãos de não-residentes), agora com apoio, injustificável, de partidos com base popular.
Também nos ensina a recente ingerência dos bancos norte-americanos, via manipulação da pesquisas eleitorais no Brasil, visando vantagens políticas e econômicas. É facilmente perceptível quão temerário seria um maior controle da mídia brasileira por oligopólios estrangeiros, como possibilita a PEC em questão.
A aprovação dessa PEC apenas ampliará as influências externas sobre nossa sociedade, inclusive por via de uma descaracterização cultural-informativa, deprimindo ainda mais o já debilitado audiovisual brasileiro. Como resultado, ampliar-se-á o divórcio entre a mídia e sociedade, pois o que se necessita é a afirmação de nossa nacionalidade, a elevação informativa-cultural de um povo, sua humanização, e nada disso ? como mostra a experiência ? está entre os objetivos de uma mídia submetida à selvageria do mercado, pior ainda se oligopolizada e internacionalizada. A aprovação da PEC cria as condições para o reforço das características bárbaras do atual modelo de mídia, quando o que necessitamos é de profunda transformação neste modelo, que fracassou na função de informar, de educar e de entreter de modo nobre e inteligente!
Finalizando, apelamos aos Srs. senadores para que façam da rejeição dessa PEC um momento raro de nossa história política, transformando-o em grito de brasilidade que acorde a Nação para a urgência do debate sobre outro modelo de comunicação, cumpridor da Constituição, dotado de espírito público e democrático, sintonizado com sentido social da informação e forjador de um povo culto e educado.
A Diretoria, 8/5/2002