Encerradas as três audiências públicas previstas para o amplo debate sobre a reforma das diretrizes curriculares dos cursos de jornalismo, em todo o país, a Comissão de Especialistas, presidida pelo professor José Marques de Melo, deverá entregar seu documento-síntese ao MEC em agosto próximo. Em seguida, o documento será avaliado pelo Conselho Nacional de Educação, devendo entrar em vigor no próximo ano.
Em conversa informal com o professor Marques de Melo, durante a IV Jornada Internacional de Jornalismo, no Porto, em Portugal, na primeira semana de abril, ele me disse que nem passa pela cabeça dos membros da Comissão ditar um novo currículo de Jornalismo para o país, pois seria voltar às práticas dos tempos da ditadura, como no caso do currículo mínimo de 1980, mais tarde flexibilizado de modo a incorporar as variáveis regionais.
Segundo o presidente da Comissão, o que se pretende é assessorar o MEC na produção de um documento que faça sugestões sobre conteúdos e conceitos que possam melhorar o ensino de Jornalismo do país, sinalizando perfis desejáveis para os egressos. Isto, sim, é que deverá orientar os coordenadores pedagógicos para as competências e as habilidades a serem buscadas através da grade curricular.
Muitas disciplinas de Humanidades
Na última audiência pública, em São Paulo, foi enfatizado que os cursos devem investir mais na formação ética, preparando profissionais críticos e conscientes dos problemas sociais do país. Também se insistiu na ampliação da ‘formação humanística’ dos futuros jornalistas. Mas ninguém ignora que a origem dos atuais cursos de Jornalismo, em nosso país, está historicamente ligada aos cursos de Filosofia e Letras. Muitas escolas ainda têm enorme dificuldade para sacudir esse jugo do passado que a ditadura tratou de agasalhar sob o amplo guarda-chuva dos Departamentos de Comunicação Social, diretamente orientados pelos técnicos do Ciespal. Muitos ignoraram a luta do saudoso professor Adelmo Genro, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pela afirmação do jornalismo como ciência do conhecimento, como método de investigação.
Agora, quando se fala na melhoria do ensino, volta a insistência em ampliar ainda mais a presença das disciplinas da área de Humanidades nos cursos de Jornalismo. Mas sabemos que é impossível graduar alguém em Inglês nos quatro anos de Jornalismo, pois esta seria uma tarefa da Faculdade de Filosofia ou de um Centro de Línguas. Também não formaremos sociólogos com algumas aulas apenas; ou psicólogos; ou antropólogos; ou historiadores porque, se entendermos que todos esses saberes são indispensáveis para a formação generalista dos futuros jornalistas, então faltaria ensinar, também, Farmacologia, Medicina, Engenharia… e o curso iria se descaracterizando e se perdendo a ponto de já insinuarem que jornalismo é algo tão fácil que qualquer um pode praticar ou, quando muito, fazendo mais dois anos de especialização, após qualquer outro curso superior.
Essa acentuada carga de disciplinas da área de Humanidades nos cursos de Jornalismo é geral em todo o país, como comprova, inclusive, uma pesquisa que o professor Rogério Christofoletti, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), está realizando em mais de cem cursos no país, com a intenção de propor melhorias para o ensino de Deontologia.
Nasce errado no concurso público
Para a professora Ana Arruda Callado, entretanto, o problema atual não está na quantidade dessas disciplinas nos currículos de Jornalismo, mas na falta de integração das formações humanística e específica. Isto significa que os sociólogos, psicólogos, antropólogos, filósofos, lingüistas e advogados que ministram aulas para os futuros jornalistas precisam conhecer a profissão, vivenciar os fóruns acadêmicos da área, publicar nas revistas do setor, exercitarem a pesquisa e a extensão, inserindo-se nos meandros e na complexidade do próprio jornalismo.
O ‘descolamento’ que se verifica, hoje, em muitas escolas, acaba produzindo um profundo desinteresse dos alunos por aulas que não têm qualquer ligação com o jornalismo e, no entanto, são obrigatórias. Sendo obrigatórias, deveriam, obrigatoriamente, estar vinculadas com o universo em questão. Interagindo com o blog do professor Rogério Christofoletti, o professor Marcos Palácios, da Facom/UFBA, observa, por exemplo, que às vezes o estudante passa um semestre inteiro discutindo as diferenças entre as idéias de Comte e Durkheim que, ‘por mais importantes e instrutivas, têm pouca proximidade com a área específica de formação de um jornalista’. Do mesmo modo, de que serve para esse estudante constatar as diferenças entre a Psicologia freudiana e a nova psicologia de Jung se ele não vai exercer a profissão de psicólogo?
Interessa muito mais conhecer os aspectos psicológicos presentes em uma entrevista em profundidade, na qual duas pessoas que não se conhecem precisam tratar de assuntos muitas vezes difíceis, não com a finalidade de arquivar o resultado dessa conversa em um prontuário ou em um processo, mas de levar a público. Também no blog do professor Rogério, neste mês de junho/2009, o colega Ale Carvalho conta que um professor de arte entrou na sala de aula e disse aos alunos de Jornalismo: ‘Não sei o que estou fazendo aqui, não sei o que jornalismo tem a ver com arte.’ O mesmo pode ocorrer com Técnicas Redacionais ou com qualquer outra disciplina obrigatória no curso de Jornalismo, mas que não é ministrada por jornalistas ou por profissionais interessados no jornalismo. É o mesmo que colocar um advogado para ensinar Ética para jornalistas. E tudo isto já nasce errado no próprio concurso público para preenchimento dos cargos de professores de Jornalismo. Se a formação recomendada não está focada no jornalismo, se a bibliografia é de outra área de conhecimento, o que se pode esperar?
Relativizar a história que incomoda
Com as novas diretrizes curriculares, os Conselhos de Curso deverão ficar mais atentos para todas essas questões que dizem respeito à melhoria dos cursos de Jornalismo em todo o país, oferecendo as sugestões e recomendações necessárias a partir do próprio edital de contratação, embora isto seja uma atribuição dos Conselhos Departamentais, isto é, da área executiva das faculdades públicas, como no caso da Unesp.
A Carta de Belo Horizonte, emanada do XII Encontro Nacional dos Professores de Jornalismo em abril último, lembra que ‘a formação superior específica é uma garantia de qualificação profissional’. Portanto, nosso compromisso não é apenas com a luta em defesa do diploma, mas também com a melhoria dos cursos de Jornalismo no país, tendo em vista a necessidade que o país tem de consolidar sua trajetória democrática, embora alguns setores do conservadorismo nacional não vejam nisto importância alguma, do mesmo modo que já relativizam a própria história que tanto os incomoda, dura ou brandamente.
NR: Algumas informações deste artigo (destinado a meus alunos e colegas da Unesp) foram obtidas no mencionado blog do professor Christofoletti, a quem agradeço.
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Professor de Jornalismo da Unesp, Bauru, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – FAAC