O POVO
"Ministério público é notícia" copyright O Povo, 8/6/02
"Desde o último dia 4 o Ministério Público Federal está nas páginas do O Povo, tornando pública uma crise interna em torno de procedimentos legais de distribuição de processos. O ponta-pé para o bate-boca ? via imprensa ? foi dado pelo procurador Oscar Costa Filho, em entrevista coletiva, denunciando o procurador regional dos Direitos dos Cidadãos, Alessander Sales. Costa Filho acusa Alessander Sales de reorientar a distribuição de processos internamente para ficar com os casos ?mais interessantes?. Na matéria publicada no dia 4, o procurador cita como exemplos ?o pedido de anulação do vestibular da Universidade Federal do Ceará (UFC) e o afastamento do prefeito Juraci Magalhães (PMDB) por irregularidades na merenda escolar?.
No dia 5, O Povo publicou uma entrevista com o procurador acusado, Alessander Sales respondendo as denúncias e imputando a questões pessoais os motivos para insatisfações por parte do procurador Costa Filho.
A questão está sendo discutida aqui porque o procurador Oscar reclamou do procedimento do O Povo. Ele argumentou que, por falta de análise do material entregue ao jornal, a abordagem da matéria ganhou um formato de intriga pessoal enquanto o que está em jogo é uma questão institucional.
Discurso x documento
Depois de ouvir o procurador Oscar Costa Filho, fiz uma leitura dos documentos deixados por ele, uma releitura das matérias publicadas e alguns questionamentos à Redação.
Em primeiro lugar preciso dizer quais os documentos apresentados pelo procurador Oscar: um ofício que trata da consulta feita, por ele, ao Departamento de Documentação e Informação Jurídica da Procuradoria pedindo esclarecimentos sobre o sistema de informática Guia, responsável pela distribuição automática dos processos; uma cópia da Portaria n? 45/01 que disciplina a criação e o ordenamento interno dos ?núcleos de atuação institucional?, dividindo e normatizando os procedimentos internos dos procuradores, com data de 16 de agosto de 2001; uma cópia da ordem de serviço n? 01/2001 assinada pelo procurador Alessander Wilckson Cabral Sales, coordenador do Núcleo de Tutela Coletiva. O documento tem a missão de ?ordenar internamente os trabalhos de autuação, distribuição e tramitação de procedimentos administrativos e judiciais? que estão sob sua administração. Por último, tem uma cópia de e-mails com acirradas discussões internas entre os procuradores que antecederam a tomada de decisão das regras internas para disciplinamento dos trabalhos do Ministério Público no Ceará.
Comparando as informações, não tenho nenhuma dúvida em afirmar que O Povo teria feito um trabalho muito melhor se tivesse lido com atenção esses documentos. O papel do jornal não é julgar a questão, dar razão a um ou a outro. O papel é de dissecar as fontes informativas (documentos e entrevistados) e oferecer aos leitores a melhor informação possível.
Por exemplo, na matéria publicada no dia 4 está dito: ?De acordo com os documentos apresentados por Costa Filho, não foram raras as vezes que as distribuições foram efetuadas manualmente para que a ação fosse destinada a Sales?. A matéria não informa que na consulta feita pelo procurador Oscar, ao departamento de Informática da Procuradoria, no caso específico do Concurso da UFC, o analista responsável afirma que houve distribuição automática ficando o processo com o procurador Oscar Costa Filho. No entanto, 13 dias depois houve quatro redistribuições sucessivas ficando o processo ora com o procurador Oscar, ora com o procurador Paulo Roberto Araripe. Então, diz o técnico, ?em seguida, foi executava uma distribuição manual?, ficando o processo nas mãos de Alessander Sales.
O texto complementar publicado também no dia 4, informa que o procurador-chefe, Lino Menezes, ?pediu ao departamento de informática as razões que motivaram a distribuição dos processos? e aponta algumas causas prováveis: ?férias, acordos entre procuradores, suspeição por tema?. Acontece que os documentos assinados pelos procuradores Lino Menezes e Alessander Sales já disciplinam isso, contêm as regras, inclusive prazos para que os procuradores informem uns aos outros quando há mudanças internas de atuação em processos em outras áreas fora daquelas de ofício dos procuradores.
Na entrevista dada pelo procurador Alessander Sales, o repórter indaga: ?Que instrumento interno disciplina esta distribuição (de processos)?? O repórter tinha nas mãos essa resposta, ou seja, os documentos que exercem a disciplina, o interessante era mostrar e detalhar as exceções. O procurador Sales responde afirmando que existe uma portaria que define o ofício temático, ou seja, por assunto. No caso específico do Segundo Ofício, cabe justamente todas as áreas temáticas que envolvem Patrimônio Público, Moralidade Administrativa, Administração Pública, Concurso Público, Licitação, Desapropriação e está determinado que o conjunto de temas será ?compartilhado, proporcionalmente, entre todos os integrantes do núcleo?. O núcleo Tutela Coletiva, que trata da questão da UFC e da merenda escolar, tem os seguintes integrantes: Alessander Sales, Paulo Roberto Araripe, José Adonis Calou (que agora trabalha em Brasília) e Oscar Costa Filho.
Se tivesse havido uma atenção maior aos documentos, o repórter poderia ter perguntado claramente porque houve necessidade de distribuição manual para o caso do concurso da UFC, se todos os outros procuradores faziam parte da área temática e do mesmo núcleo. Se havia interesse do procurador Alessander no caso, já que ele trabalha com o tema, então por que não houve um comunicado oficial a todos os procuradores? E se já existe o disciplinamento interno de que alguns processos ficam nas mãos de quem já trata do tema, por que a necessidade de acionar o sistema Guia de forma automática para, 13 dias depois voltar a acioná-lo quatro vezes e por fim, determinar o procurador que ia ficar com o processo?
Por questões de espaço desta coluna, que começa a ficar curta para alguns temas, não vou poder colocar também as dúvidas pessoais que fiquei no caso da merenda escolar.
Em todo caso, quero deixa claro que minha crítica está localizada no tratamento dado às informações que O Povo tinha nas mãos. Não houve aprofundamento de algumas questões e dúvidas no procedimento interno do Ministério Público que está sendo posto em xeque.
Para os leitores que desconhecem essas informações, a leitura possível é que existe apenas uma guerra no Ministério Público local estimulada pelo desejo de poder e pela titularidade em ?casos interessantes?, quando há necessidade de algumas explicações pontuais que surgem quando analisamos os documentos. Com isso não estou querendo sugerir que O Povo persiga verdade absoluta nenhuma de qualquer das partes. O que O Povo precisa perseguir, e aí sim, não arredar o pé, é dar informação completa que permita ao leitor tirar suas conclusões. E nesse caso, acredito que houve algumas falhas."