Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A lei da espada

CASO TIM LOPES

Sebastião Jorge (*)

A morte do jornalista carioca Tim Lopes, por bandidos ligados ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro, reafirma o princípio do perigo no exercício da profissão. Ainda hoje se mata jornalista por não falsear a verdade, por manifestar idéias livres de qualquer obstáculo, ou simplesmente por cumprir o papel para o qual a sociedade lhe delegou poderes, através de garantia constitucional.

Enquanto houver quem se incomode com esse tipo de comportamento, a lista dos memoriais dedicada às vítimas da imprensa, aumentará em proporção que assusta e revolta.

Tim foi mais uma vítima.

Adepto do jornalismo investigativo, um gênero pouco usado pela imprensa brasileira, por demandar coragem, tempo, paciência, dinheiro e desprendimento, ele, apesar dos anos de estrada, caiu numa cilada.

De posse de instrumentos eletrônicos, como câmera oculta e um minigravador, que ajudam em situações como essa, mas que se tornam extremamente perigosos, viu-se traído pela sua presença num baile funk.

Tudo contribuiu para incriminá-lo e mais: os antecedentes profissionais e a missão do momento, ou seja, denunciar o envolvimento de menores nessas festas que se realizam nas favelas cariocas, patrocinadas por traficantes e nas quais rola drogas e sexo explícito.

Tim chegou na hora e no lugar errado. Marcado para morrer, a sentença se deu rápida. A execução seguiu o ritual de selvageria. Os requintes foram cruéis. Uma espada atravessou o seu peito, depois de levar tiros nos pés.

Tim era um remanescente de um modelo de escola de jornalismo existente no final do século 19, cujos repórteres primavam pela aventura, querendo se igualar aos heróis de capa e espada, pela criatividade e audácia, na busca da informação. Muitas vezes Tim camuflou-se de Papai Noel, de mendigo, chofer de caminhão e outros tipos que pudessem lhe revelar o lado cruel de certas situações, as quais desejava denunciar.

No cumprimento desse tipo de pauta era competente. Eis um repórter que agia na sombra, sem se importar com o sucesso fácil, o nome na matéria, embora tivesse esse direito, pela qualidade dos trabalhos. Ganhador de um Prêmio Esso de Telejornalismo, isto diz tudo.

Naquela época do jornalismo romântico, dominava a paisagem cinza da imprensa inglesa, um repórter chamado Richard Davis, que resolveu fazer da reportagem um laboratório de experiências com base no sensacionalismo. A finalidade era transformar o universo profissional, numa conquista planetária, como a limitar o espaço, na dimensão do seu quintal.

Trajando-se dentro do rigoroso figurino inglês, cumpria tarefas onde nenhum um outro jornalista imaginava chegar. Sabia igualmente misturar-se a bêbados e malandros, disfarçar-se de ladrão de galinhas ou assaltante de bancos e terminava misturando-se com presos. Um dia internou-se num Asilo de Velhos como se fosse um deles e descobriu horrores, inclusive que os diretores estavam roubando a comida.

Ávido por aventuras, e justificando querer quebrar a monotonia, incorporava-se, como repórter, aos soldados que partiam à guerra. Em tudo se saia bem e o jornal Post tornou-se campeão de vendas. Ninguém resistia ao charme e a cafajestice de Davis, que, pela performance, se transformou num produto típico de um tempo em que se julgava uma reportagem não pelo conteúdo, mas, pelo impacto provocado junto ao leitor. E aí valia tudo: a pressa, o furo e a mentira, todos requisitos da antinotícia.

Tim nessa questão era cuidadoso e não tinha pressa. Quis o destino que não continuasse com a nobre tarefa de ajudar a sociedade a tornar-se justa. As denúncias que fazia escandalizavam, pela honestidade dos dados e a responsabilidade no ato de transmití-los. Tudo em nome da verdade. Davis, hoje, ainda teria espaço em muitos veículos de comunicação; no entanto, deveriam lhe faltar as qualidades de um grande repórter, a exemplo de Tim Lopes.

Quando um bandido mata um jornalista, por cumprir o seu papel como intermediário entre o público e o Estado, alguma coisa de grave acontece. É preciso aplicar o remédio na dosagem certa, antes que outras espadas assassinas enriqueçam o espaço dos memoriais dedicados aos mortos nessa trincheira.

(*) Professor universitário, jornalista, escritor e advogado.