CRÍTICA DIÁRIA
"No Ar", copyright Folha de S. Paulo
"14/6/02 – Casa arrumada
A cena é aquela de sempre. A equipe econômica toda reunida, diante das câmeras. Após oito anos, Pedro Malan já domina o teatro -ele que se perdia tanto de início.
Não mais. Enquanto FHC falava sem parar, no dia anterior, o ministro se economizava para a cena. E ontem, expressão firme, falou o necessário.
Quando as perguntas se alongaram, cortou a entrevista, simpático e firme. Disse só o que os telespectadores queriam ouvir. Daí a manchete do JN:
– O governo anuncia medidas e o dólar cai.
Até quando tratou de eleição o ministro foi preciso. Disse que os candidatos não podem pensar que suas responsabilidades começam em janeiro.
Muito diverso foi o presidente do Banco Central, com menos experiência de palco.
Quando surgiu nos programas da Globo, nas últimas semanas, expressou tensão no rosto e nas palavras; ontem mesmo, na cena, não foi diferente.
E vale contrastar o que Malan disse ontem, sobre nunca ter relacionado o Brasil à Argentina, e o que falou Armínio Fraga à Globo, semanas atrás.
O presidente do BC disse que havia risco, sim, de o Brasil virar a Argentina. José Serra, horas depois, saiu dizendo ser ?preciso manter a casa arrumada, se não o Brasil vira Argentina?.
A partir daí, o terror se tornou o lema da campanha.
Se os governistas se excederam no uso da crise, Lula não faz muito para contê-la -ele que é o mais lesado. Ontem, até que se esforçou por se distanciar do calote da dívida, no JN:
– Não somos de rasgar dinheiro e contrato.
Mas outros petistas, como Aloizio Mercadante, foram à TV atacar duramente as medidas. E o próprio candidato forçou o tom, levando à manchete do Jornal da Band:
– Equipe econômica anuncia medidas para conter a alta do dólar. Lula diz que o problema é do atual governo.
Vale registrar que no JN anterior, no pico da crise, Lula foi cobrado para falar o que quer na economia e disse:
– Não temos que antecipar o que nós queremos.
Ciro Gomes foi à TV tentar polarizar com Serra -como se já não houvesse polarização instalada com Lula.
Desperdiçou tempo com ironias contra o ?político vacinando bebê? e com a insistência num diálogo ininteligível sobre economia com crianças.
Erro sobre erro -até entrar Patrícia Pillar sorridente, sem os cabelos, e bradar a sua vitória. Deveria ser ela o vice.
13/6/02 – Calmantes aos bilhões
"FHC tirou o dia para transmitir serenidade. Chegou a brincar, em cerimônia para embaixadores:
– O mercado fica nervoso, dá calmante, passa.
O chiste sorridente veio no dia em que o dólar alcançou a segunda maior cotação do Plano Real, como gritaram depois as manchetes dos telejornais. E o presidente sorrindo.
O ?calmante? não foram as entrevistas risonhas de FHC e seus ministros, como Sergio Amaral e Pedro Parente.
O calmante de fato veio para fechar o dia de horror, na forma de milhões para o governo usar. Na primeira manchete do Jornal da Record:
– A prorrogação da CPMF é aprovada.
E logo o presidente apareceu para comentar, então já bem mais sério, que ?a crença no país foi reafirmada?.
Mas ainda havia mais ?calmante? para o governo dar ao mercado. William Bonner, no Jornal Nacional:
– A equipe econômica decidiu usar os US$ 10 bilhões a que tem direito no FMI.
E não parou aí. O Banco Mundial apareceu com mais US$ 1 bilhão, segundo o JN. Os bombeiros entraram todos em ação, aos bilhões.
Mas não faltaram incendiários. A começar por José Dirceu, presidente do PT, desde cedo, na CBN, questionando a economia para defender Lula:
– O país tem uma dívida interna que é de 57% do PIB. Os investidores olham para isso em primeiro lugar. E o governo está com dificuldade de rolar a sua dívida interna, seja por erros, seja por causa do tamanho dela e do juro alto.
E mais, ao ser cobrado o apoio petista à estabilidade:
– Nós temos que ter consciência que, quando se fala que é preciso manter a estabilidade econômica, essa estabilidade, hoje, não existe.
Mais inflamável do que isso, só o FMI. Em outra manchete de Boris Casoy:
– O FMI registra a possibilidade de a crise argentina contaminar o Brasil.
Nas manchetes do JN, o enunciado foi diferente:
– O FMI diz que a turbulência na economia é resultado da tensão pré-eleitoral.
Divergentes também foram as reações de Lula e Serra mostradas na Globo, quando eles foram instados a se comprometer com a estabilidade. Disse o petista, na edição do JN:
– Nós não temos que ficar antecipando (ao mercado) o que nós queremos apresentar para a sociedade brasileira.
Declarou o tucano, bombeiro, em contraste:
– Para manter a estabilidade, é fundamental que o governo cumpra seus contratos, honre compromissos e deixe de lado qualquer hipótese de calote da dívida.
12/6/02 ? Simulações
Seguindo à risca o sobe-e-desce das pesquisas eleitorais, a euforia nas campanhas de Lula e José Serra espelha uma gangorra.
Agora é o tucano quem está eufórico, desde o Datafolha. Ele e seus apoiadores.
Marco Maciel, Inocêncio Oliveira e os demais pefelistas pernambucanos programaram para hoje, no palácio do vice-presidente em Brasília, uma festa para saudar o tucano como seu presidenciável.
Antes vieram Cesar Maia e os pefelistas do Rio, em convenção. De lá, em meio ao choque da violência urbana, Serra saiu prometendo Polícia Federal fardada, na Globo:
– Nós vamos fazer com que essa polícia fardada tenha duas vezes o número dos atuais policiais federais civis. Nós vamos destinar recursos, esforços e parceria para enfrentar essa criminalidade.
Aplausos, aplausos. E o comentário de Alexandre Garcia, sobre as pesquisas:
– As simulações do segundo turno mostram, principalmente para o PFL, que a opção antiLula é Serra e não Ciro.
No embalo, o presidenciável tucano vai acumulando apoio, do PFL e de outros.
Do PMDB catarinense, por exemplo. E do PPB que não é malufista -e que, segundo a Jovem Pan, também faz festa hoje em Brasília para o presidenciável tucano.
Até a próxima pesquisa.
Mais festa pelos palácios de Brasília: o Jornal Nacional abriu câmera e microfone para FHC comemorar o programa Saúde da Família, em flagrante esforço eleitoral:
– Ouvi calado durante sete anos e meio que o governo se interessava pelo mercado e não pelos seres humanos. Termino meu mandato com a convicção de que, se o mercado não atrapalhou tanto, foi porque nós seguramos com medidas enérgicas e conseguimos manter a estabilidade…
E assim foi. Falou muito mais, sem motivo.
A CBN entrevistou um cientista político que declarou o óbvio -que as últimas pesquisas já apontam para a polarização entre o governo e a oposição.
Mas falou mais, o professor da PUC-SP:
– Estamos em uma situação curiosa, em que o quanto-pior-melhor beneficia o governo, não a oposição.
O que talvez ajude a entender a entrada em cena ontem do ministro da Defesa. Para afirmar, segundo a Jovem Pan, que ?ainda não é hora de intervenção no Rio?. Um Estado governado pelo PT.
11/6/02 – Por tudo isso
Rita Camata é a garota-propaganda governista. Para um diretor da campanha, na CBN, ela levou ao salto de José Serra no Datafolha.
Ela passou a ocupar os comerciais inteiros do PMDB. Seu alvo é a mulher.
Surge ajoelhada diante de uma grávida. Depois fala com uma menina. Anda abraçada com uma idosa. Acaricia uma mulher que se apóia numa vassoura. Na locução:
– A história de Rita Camata é ligada à luta pela causa das mulheres e pelas crianças. São dela as leis que concedem a aposentadoria à trabalhadora rural, a ampliação da licença gestante para 120 dias, o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Está aí a Roseana de Nizan Guanaes, agora ainda mais bela e com mais conteúdo, na expressão de um tucano. E o principal, no fim da locução:
– É por tudo isso que Rita Camata representa o PMDB na aliança com José Serra.
É porque ela aceitou ser vice.
Os deslizes sexistas estão em toda parte. Garotinho voltou aos intervalos, também ele com seu apelo às mulheres.
Mas escorrega feio. Ele destaca no comercial, ao falar dos filhos e da mulher, Rosinha -que também posou ao lado dele no Jornal Nacional:
– Uma mulher que sempre me deu o apoio que eu precisava.
Ciro Gomes chegou a posar com a possível vice, mas ao que parece concluiu que as cenas com a namorada já bastam -ainda que o JN tenha evitado, ontem.
E assim Paulo Pereira da Silva, da Força Sindical, foi além de Antonio Rogério Magri e conseguiu ser o vice.
Leonel Brizola, na CBN, quis defendê-lo dizendo que é comum político escorregar em ?casca de banana?. O vice não gostou nada, disse que jamais escorregou e:
– Minha vida é aberta. Nem carro tenho, até porque o sindicato me dá…"