DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"O correio dos leitores", copyright Diário de Notícias, 10/6/02
"A rubrica ?Meu Caro DN? – dedicada às cartas dos leitores – representa parte significativa das queixas dirigidas à provedora. Na maioria dos casos, essas queixas incidem sobre ?cortes? efectuados pela Redacção – que não agradam aos leitores, por considerarem que eles retiram coerência ou alteram o sentido do conteúdo – e sobre cartas não publicadas, sem que os seus autores saibam porquê. Em qualquer dos casos, essa correspondência mostra que existe, da parte dos leitores, um grande interesse em participarem no seu jornal, quer através de contributos para a discussão de temas específicos, quer através de críticas e sugestões para melhoria do jornal. A correspondência dos leitores constitui uma forma de ligação com o jornal e de responsabilização deste perante a sociedade. De facto, o funcionamento do sistema mediático depende de mecanismos de regulação que lhe permitem adaptar-se às condições e às necessidades do meio em que se insere. Esses mecanismos não relevam, apenas, do mercado: prendem-se, também, com a função social da informação, com a imagem de cada medium e com a credibilidade dos jornalistas. Os leitores de um jornal estão indissociavelmente ligados ao seu destino. Como alguém já afirmou, a comunicação social é um assunto demasiado sério para ser deixado, apenas, aos profissionais. Mesmo quando os leitores não têm razão, o feedback proporcionado pelas suas cartas constitui uma forma de manter e melhorar a qualidade da informação.
As mensagens hoje citadas nesta coluna possuem em comum o facto de se referirem à rubrica ?Meu Caro DN?, não obstante diferirem, entre si, no tom e no conteúdo. Vejamos, em primeiro lugar, o exposto pelo leitor Rui Barbosa: ?Considero o vosso jornal, no seu todo, imparcial e isento nos temas que aborda e no modo como o faz. (…) Há, no entanto, uma secção onde a parcialidade existe e é fácil de provar. Na secção ?Meu Caro DN?, as cartas que são seleccionadas para publicação reflectem, quase todas, o mesmo ponto de vista sobre a questão do Médio Oriente. Para o provar, convido-a a analisar qualquer semana, entre 15 de Fevereiro e 15 de Abril. Constatará (…) que, (…) em cerca de vinte cartas seleccionadas em cada semana, uma ou nenhuma defende opiniões próximas de Israel. (…) Pensei (…) que tal ficaria a dever-se a uma menor participação das pessoas que, como eu, compreendem as posições de Israel. Pensei (…) que não teriam cartas que exprimissem outros pontos de vista. (…) Mas várias vezes entreguei cartas (…) não publicadas. (…) O importante é saber (…) que a desproporção de cartas (…) não resulta de uma ?falta de comparência? das pessoas que, como eu, têm uma opinião diferente. (…)?
Tratando-se, embora, de um espaço que escapa ao conteúdo noticioso do jornal, a provedora aceitou o repto do leitor e analisou as cartas publicadas, nessa rubrica, na semana de 1 a 8 de Abril. Assim, num total de 27 cartas, seis defendiam posições favoráveis à causa palestiniana, três apoiavam as posições israelitas, enquanto uma se apresentava crítica em relação a ambas as partes, confirmando, pois, as conclusões do leitor relativamente a uma tendência anti-Israel das cartas publicadas, nessa semana, na rubrica ?Meu Caro DN?. Contudo, a posição do jornal sobre o conflito não pode ser, apenas, aferida por esse dado. Importa notar que, nessa mesma semana, o DN dedicou ao tema duas primeiras páginas, ambas críticas relativamente a Arafat, além de dois editoriais – espaço onde a orientação do jornal se manifesta mais explicitamente -, um favorável às posições de Israel e outro analisando o conflito sem tomar posição a favor ou contra uma das partes. Contudo, só através da análise do conteúdo e da relevância conferida aos diversos textos publicados sobre o assunto – notícias, editoriais, artigos de opinião, fotografias – seria possível chegar a conclusões sobre o tipo de tratamento dado ao assunto pelo DN.
Quanto à redução ou recusa de publicação, ela provoca, por vezes, acusações de prática de censura, que, naturalmente, o jornal não aceita, recusando, sequer, comentá-las, por as considerar ?insultuosas?. O leitor A. M. Cruz Abrantes, a quem o DN recusou uma carta intitulada ?O sonho do espoliado?, acusa o jornal de ter ?vindimado? o seu texto, perguntando ?qual o critério ou a falta de critério? dos ?ilustríssimos vindimadores-censores?. Outro leitor – Francisco Fernandes – queixa-se de a sua carta publicada no passado dia 11 ter sido reduzida ?praticamente a metade?, afirmando que o mínimo que o jornal deveria ter feito era ?nada ter publicado, evitando, assim, a burlesca amputação?, em que não se revê.
Compete à direcção do jornal decidir sobre a publicação ou não de cartas enviadas pelos leitores, sendo certo que nem todas podem ser publicadas, quanto mais não seja, por questões de espaço. Mas, independentemente disso e da inevitável subjectividade que uma escolha sempre comporta, existem condições mínimas que também os leitores se obrigam a respeitar, entre as quais, a clareza e concisão na exposição das ideias e, acima de tudo, o uso de uma linguagem que não desrespeite pessoas e instituições. Contudo, esse princípio básico nem sempre é cumprido – e não apenas nas cartas dos leitores. Aliás, a ?agressão verbal? é, quase sempre, um sintoma de ausência de argumentos.
Bloco-notas
Responsabilidade ? A doutrina da responsabilidade social dos media defende que, mesmo nos regimes liberais, assentes no mercado económico, o funcionamento dos meios de comunicação de massa não satisfaz, inteiramente, o público. Se não existirem formas de questionar o mercado (lugar da ?verdade económica? dos media) e a independência face ao Estado, é a própria credibilidade dos jornalistas que fica em causa. É principalmente através de mecanismos de responsabilização social, e do feedback que proporcionam, que os media asseguram a qualidade da informação. Entre esses mecanismos, encontram-se os códigos deontológicos, os conselhos de imprensa, os provedores e o correio dos leitores.
Correio ? O correio dos leitores é um dos mais antigos meios de responsabilização social dos media. Mas, em muitos países, existem outros, como as sondagens de opinião (que procuram conhecer o grau de satisfação do público), os ?painéis de leitores? (meio caminho entre a sondagem de opinião e os conselhos de imprensa), os ?grupos de ligação? entre os media e as instituições (destinados a evitar desvios e a favorecer uma melhor compreensão entre ambos), as ?tribunas livres? (que privilegiam a troca directa de ideias entre indivíduos, correntes de pensamento ou grupos sociais), as colunas de correcções de erros, as revistas e o jornalismo especializado no funcionamento dos media, e as associações de ?utilizadores? (leitores, telespectadores e ouvintes), a formação de jornalistas e a investigação, universitária, ou outra, que podem contribuir para melhorar a informação.
O caso português ? O DN, como a maioria dos jornais de referência em Portugal e na Europa, possui alguns dos instrumentos de responsabilização social acima referidos. De facto, a publicação das cartas dos leitores na rubrica ?Meu Caro DN?, a instituição do ?provedor dos leitores?, a secção ?Media? (onde são tratados temas relacionados com o funcionamento do sector) constituem formas públicas de ?pressão moral?, mais ou menos forte, e de responsabilização do jornal, perante o seu público. Existem outras, geralmente desconhecidas do público, como sejam sondagens para conhecimento do grau de aceitação do jornal.
Assim, não obstante a existência, em quase todos os países, de instrumentos de natureza legislativa aplicáveis ao sector, as reacções produzidas por instâncias de responsabilização (formais ou informais) não podem ser ignoradas por jornalistas, proprietários das empresas de comunicação social e Estado. De facto, a informação não é uma ?mercadoria?, mas um ?bem? de natureza pública, mesmo quando é fornecida por entidades privadas, pelo que a sua vertente económica não pode ser a única a ter-se em conta, na discussão das medidas a aplicar-lhe."