Barbara já passava dos 60 quando foi vencida pela insistência e admitiu voltar à crítica na revista “Visão”. Antes, resistiu com dois argumentos: “Daqui pra frente quero ir ao teatro só pelo prazer, sem ter que perder amigos por dizer o que penso”. E “a ‘classe teatral’ vai te odiar por me fazer esse convite”.
O convite não foi retirado, e sugeri que ela escrevesse sobre o que e quando quisesse. Ela aceitou fazer uma experiência. E logo já estava enviando duas críticas semanais.
– Barbara, isto aqui não é jornal, é revista!
– Você pediu para eu escrever, eu escrevo. Publicar ou não é problema seu, não meu.
Para quem queria sossego, ela não demorou a retomar um ritmo notável de trabalho, com entusiasmo de principiante que briga por mais espaço.
Recebeu convites tentadores para trocar a revista pelo jornal diário. Disse não a todos por uma razão ética que hoje parece obsoleta: lealdade pessoal. Ficou na “Visão” até o dia em que comuniquei que estava saindo. “Então vamos sair juntos”, ela rebateu.
Desde então nossas conversas começaram a rarear. Os pouco mais de cinco anos de estreita convivência me deram uma amiga que nunca mais se ausentou da minha vida.
O bom da convivência é que ela se alimentava de conversas que fluíam por todos os assuntos. Nem sempre nossas ideias coincidiam sobre teatro, mas esgrimir argumentos com Barbara era um desafio irresistível, mesmo sabendo que seria difícil vencê-la.
Sobre futebol, então, as conversas eram típicas de torcedores. Ambos tricolores. Ela com o Fluminense que Marcos Carneiro de Mendonça, seu pai, a ensinou a amar. Eu com o meu mais modesto tricolor do Morumbi.
Em Barbara havia muito de comum entre as duas paixões, teatro e futebol. Falava de ambas com o mesmo entusiasmo beligerante de quem esbraveja contra tudo pelo seu time.
Era assim que ela se colocava diante do teatro. Tinha ideias próprias, construídas a partir de uma formação intelectual sólida e constantes estudos. Ideias coerentes com a sua visão do mundo. Não se deixava levar por conveniências nem por amizades. Por fim, mais que nos ensinar a amar Shakespeare, Barbara nos ensinou a amar o teatro.
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Oswaldo Mendes, 68, é jornalista, ator e dramaturgo. Era editor de cultura da revista “Visão” em 1985 quando convidou Heliodora a voltar à crítica.