Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A culpa é de quem?

Chamar jornalistas de incompetentes não só foi uma atitude antipática como injusta. O desconforto com o colega durante palestra na Escola de Magistratura se transformou rapidamente em indignação, perceptível pelos comentários durante o intervalo para o café. Afinal, todos, sem exceção, que estavam no local naquela manhã de segunda-feira, para mais um dia do curso Direito para Jornalistas, acreditavam ser competentes no exercício de sua profissão. E eram. O assunto do dia girava em torno dos paradoxos e das contradições entre o que existe na lei e a forma como as situações surgem, numa aparente desordem, desobediência ao estado legal das coisas e suposta incapacidade do Poder Judiciário em dar respostas rápidas à sociedade.

O assunto, que parecia se referir apenas ao Poder Judiciário e à morosidade com que são conduzidos os processos em nosso país, levaram, conseqüentemente, à discussão sobre a responsabilidade da imprensa. Discutir nesse contexto a competência ou a incompetência dos jornalistas pareceu o mesmo que sustentar o discurso da culpa, dentro da lógica de que ‘se algo não vai bem, temos que achar um culpado’. O discurso da culpa, disseminado em todas as instâncias de poder na sociedade, mascara realidades que são difíceis de perceber com os óculos positivistas e cartesianos que estamos acostumados a usar. Talvez devêssemos todos, não só a imprensa, trocar os óculos antigos que fragmentam, reduzem e desagregam por outros que, como numa grande angular, nos permitam estabelecer conexões e questionamentos e que nos levem a compreender o todo que vemos, e não apenas uma parte dele.

Seguir pelo caminho da culpa leva ao isolamento, ao corporativismo, a um permanente estado de defesa. Acuados diante das críticas, jornalistas, a parte tomada como se fosse o conjunto da imprensa, se fecham ainda mais e se recusam a trocar os óculos. Por outro lado, a imprensa, como instituição das mais importantes para a democracia, vê a sociedade com os óculos dos grandes conglomerados empresariais, sob a ótica do mercado, da competição, do lucro. E vê o jornalista como um operário das informações, um assalariado que pode ser substituído a qualquer momento e no momento em que não portar mais os atributos da tal empregabilidade.

Ninguém nasce pronto

As lentes que nos fazem ver tudo inserido dentro de quadradinhos isolados e incomunicáveis nos colocam do lado de fora. Temos o hábito de falar da sociedade como se esta fosse uma instituição à parte e sobre a qual pudéssemos nos referir de forma isenta, imparcial e neutra com olhos privilegiados de ‘quem está de fora’. Esta perspectiva ‘de ver de fora’ não é uma prerrogativa dos jornalistas. É possível percebê-la nos poderes constituídos do nosso país, nas instituições educacionais, nas organizações não-governamentais e na própria família. Esta última, aliás, não raro se coloca de fora quando reclama ações do Estado para resolver problemas que são produzidos por pessoas, que, por sua vez, nasceram e cresceram dentro de famílias, em torno ou fora delas, mas nunca alheias a elas.

Culpar a imprensa pelas ‘informações superficiais e tendenciosas’ sem levar em conta que a imprensa é parte dessa sociedade é no mínimo reducionista. O discurso da ‘culpa da imprensa’ quer passar a idéia de uma sociedade que recebe passivamente os produtos dos meios de comunicação, entre eles as informações jornalísticas, como se fosse um HD zerado e que tudo, uma vez recebido, passa a fazer parte de um programa pronto para responder comandos.

Sabemos que não é assim. Nem com o jornalismo nem com os poderes Judiciário, Executivo ou Legislativo. Não há forma de um existir sem o outro. E não há por que existirem poderes, democracia, imprensa, escolas, família se não houver sociedade, se não houver grupos, pessoas, indivíduos atuando de forma coletiva nessas instituições. O juiz, o jornalista, o médico, o professor não nascem prontos e, por mais óbvio que isso possa parecer, ainda há quem pense que é assim.

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Jornalista e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo