A fumaça branca saiu da chaminé da Capela Sistina às 12h50 (hora de Brasília) de terça-feira (19/4). Foi o sinal para toda a mídia concentrar olhos, ouvidos, microfones e objetivas na Praça de São Pedro, no Vaticano, à espera da ensaiada/ansiada declaração do cardeal chileno Jorge Arturo Medina: ‘Habemus papam’.
À imprensa e aos jornalistas só restava esperar. Desde que os 115 cardeais fecharam-se em conclave, a mídia planetária experimentou uma situação pela qual muito raramente passa, posto que circunstância literalmente extemporânea: transformar-se, ela própria, a mídia, em espectadora passiva, inerme, sem capacidade alguma de influir no desenrolar dos acontecimentos — o que de resto vem fazendo com desenvoltura e gosto nestes primeiros anos da era-da-informação-sem-tempo-nem-lugar. Na Santa Sé o jogo foi outro. Pesaram os séculos de tradição.
Por poucos mas cruciais momentos, o todo-poderoso aparato midiático instalado em Roma e no Vaticano equiparou-se ao mais simples dos mortais, à mais humilde das pessoas postadas na Praça de São Pedro, ao mais anônimo dos internautas, radiouvintes ou telespectadores espalhados pela Terra. A partir do momento em que as portas do conclave se fecharam, alegoria estampada nas capas dos principais jornais da terça-feira, quem passou a dar o ritmo e o tom foi o tempo ritual da Santa Madre Igreja – e apenas ele.
Lição histórica
Por conta dessa experiência inaudita, embora de duração rápida, os veículos atarantaram-se com a cor da fumaça (foi mesmo branca?, terá sido preta?) e sofreram da angústia da desinformação pelos longos minutos decorridos até que o bimbalhar dos sinos da praça confirmasse o sinal de fumaça. Branca.
Os sinos tocaram às 13h03. O cardeal Medina dirigiu-se à assistência às 13h39 e um minuto depois o cardeal alemão Joseph Ratzinger, agora Bento 16, apresentava-se e abençoava urbi et orbi como Sumo Pontífice.
Em seguida ao anúncio do nome ouviu-se um apupo discreto na praça, logo engolfado pelo júbilo geral que tomou conta dos presentes – e não vai aqui vontade alguma de ter ouvido o que não houve. Desse momento em diante, e mesmo depois de o novo papa ter iniciado sua saudação, às 13h47, a TV Globo insistia em noticiar a sagração de Benedito 16. Só corrigiu para Bento 16 decorridos quinze minutos do primeiro anúncio.
A esta altura, as redações dos jornais impressos brasileiros deveriam estar comemorando o fuso horário e a vantagem involuntariamente obtida para preparar as edições do dia seguinte: a conferir o que virá e se seguirá.
Mas nenhum veículo físico, eletrônico ou digital terá tido a suprema ventura de estar em lugar mais adequado que o cameraman do Vaticano, colocado ele e suas lentes ao fundo do balcão principal do Palácio Espiscopal da Santa Sé. Dele foi a melhor imagem do dia, imbatível sob o ponto de vista da oportunidade e da novidade – vale dizer, da notícia: o novo papa filmado de costas, cercado por seus cardeais, saudando a compacta multidão reunida na praça a seus pés. (Um operador de câmera também acompanhou, no banco de trás do carro, a última viagem do papa João Paulo II, da Clínica Gemelli ao Vaticano.)
Só imagens dessa qualidade – note-se: obtidas e distribuídas pela própria fonte da informação primária – foram capazes de sobrepujar perguntas e conjecturas àquela altura mais rasos do que ligeiros, do tipo ‘como o povo está se comportando?’ ou ‘com quantos votos ele foi eleito?’.
Impossível, a este tempo, acompanhar o turbilhão de informações que a eleição do cardeal Ratzinger começou a suscitar. De todo modo, e em que pese a importância da sua escolha para o mundo católico, a novidade maior ficou por conta do papel secundário da mídia, em geral julgada onipotente. E a quem, ainda que por um átimo histórico, restou a posição de refém de uma liturgia alheia. Que o episódio possa lhe servir como lição de humildade.
[texto fechado às 16h19 de 19/4]