Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ratzinger, o brabo

Deu o de sempre. Logo que anunciado o nome do novo papa, começou o folclore pátrio. Nossos locutores não fazem como seus colegas franceses, que embrulham o nome de quem quer que seja na língua deles e passam a pronunciá-lo como se fosse nativo. Não. Entre nós a moda é inventar. O ex-secretário de Estado dos EUA, Weinberger, foi denominado anos a fio por ‘Uainberger’. Por pouco não se torna mineiro…


Com o novo papa, cujo sobrenome já era conhecido, pois muitas vezes esteve no noticiário por presidir a famosa e terrífica Inquisição, revestida de outro nome, mas cumprindo os mesmos fins, nossos locutores colocam o acento na segunda ou na última sílaba, jamais na primeira, como é a pronúncia usual em alemão: ‘Rátzinger’ Afinal, o papa é alemão!


E tem parentes no Brasil! Onde? No Brasil meridional, claro, como todos os seus antecessores da segunda metade do século 19 para cá. Nem bem é anunciado um novo papa, e a imprensa entrevista um parente no Rio Grande do Sul. Desta vez foi o taxista Ardino Ratzinger, 61 anos, de Ivoti (RS). Uma cunhada de Ardino já tinha escrito a Joseph Ratzinger em 1988 e recebera como resposta um cartão de Natal, assinado pelo cardeal, e de João Paulo II, um rosário. Deve ser um terço disso, mas no Brasil fiéis e jornalistas confundem rosário e terço: este último, como o nome indica tem um terço das contas do rosário.


O novo Sumo Pontífice tem marcas indeléveis e de algumas delas ele procura se livrar desde já, como a fama de inquisidor. A outra diz respeito, muito de perto, ao Brasil. É o combate sem tréguas que ele moveu até condenar a Teologia da Libertação e censurar a Leonardo Boff.


Memória e reconciliação


A Teologia da Libertação para nós, leigos, tem alguns temperos de todos conhecidos.


Na segunda metade do século passado, explodiram no mundo todo diversos conflitos, logo identificados pela imprensa como ‘guerras de libertação’. Os jornalistas, provavelmente apoiados na semântica utilizada para cobrir as ações armadas dos aliados na Segunda Guerra Mundial, quando deram em manchete a libertação de metrópoles européias do jugo nazista, serviram-se de vocábulos semelhantes.


E na década de 1960, quando setores avançados da Igreja defenderam um maior empenho dos católicos nas lutas dos povos oprimidos, cunhou-se a expressão teologia da libertação, que no Brasil teve no então frade franciscano, o catarinense frei Leonardo Boff, um de seus mais ardentes defensores e teóricos.


O religioso escreveu vários livros e artigos sobre o tema. Contudo, a expressão aparece pela primeira vez na tese de doutoramento do então pastor presbiteriano, o mineiro Rubem Alves, em 1968, defendida nos EUA e intitulada Towards a Theology of Liberation (Para uma teologia da libertação), orientada pelo missionário norte-americano Richard Shaull, que atuou no Brasil depois de ter sido expulso da Colômbia pela hierarquia da Igreja Católica.


Tanto Boff como Alves desligaram-se das instituições religiosas às quais pertenciam, depois de intensamente combatidos pelas respectivas hierarquias. O frade catarinense chegou a ser punido pelo Vaticano, que lhe impôs uma pena denominada silêncio obsequioso. Na prática, sem eufemismo nenhum, era vítima de censura pura e simples.


Quando o papa João Paulo II publicou em 2000 o documento ‘Memória e Reconciliação: a Igreja e as Culpas do Passado’, houve quem pensasse que casos como o de Boff seriam objeto de tal retificação, mas a Igreja limitou-se a pedir perdão por sete erros, entre os quais os métodos da Inquisição; os abusos nas Cruzadas; a omissão diante das perseguições e mortes dos judeus, ‘o povo da primeira Aliança’; o desrespeito a outras culturas e religiões na evangelização; os preconceitos contra mulheres, raças e etnias.