JORNAL DE NOTÍCIAS
"Raramente somos bons julgadores em causa própria", copyright Jornal de Notícias, 6/7/02
"Uma vez mais, a questão da proximidade está no cerne de duas reclamações. Proximidade que, como o Provedor vem tentando provar, conduz, grande parte das vezes, a uma distorção da realidade.
Não é mesmo junto ao palco que melhor se vê um espectáculo, da mesma forma que um escrito a roçar os olhos não proporciona uma leitura aceitável _ a menos que soframos de miopia.
Quando a regionalização ainda era uma esperança de muitos e não a ?oportunidade perdida? de que frequentemente fala o Presidente da República, participei num debate em que o grande, profundo, visceral argumento de um cidadão de Guimarães contra a regionalização era o facto de ser o Porto, no fundo um vizinho do lado, a ?capital? da região que ia integrar o berço da nacionalidade. Tonitruante, o vimaranense, homem culto e fluente, não conseguia alinhar outros argumentos que não fossem: ?Para ser o Porto, que continue a ser Lisboa?. E não me espantava que, se a sede do governo da região estivesse prevista para Braga, a oposição resultasse bem maior e mais violenta.
Naturalmente que quando se fala em proximidade alude-se menos a uma distância física e mais aos laços que apertam emoções, sentimentos, pertenças. Daí que a proximidade seja um tema recorrente no Provedor, pela via das paixões político-partidárias, futebolísticas e regionais, entre tantas outras.
Na origem das duas reclamações está uma reportagem publicada em 25 de Maio, sobre a polémica que vem envolvendo a Escola da Ponte, em Vila das Aves, Santo Tirso. Em duas páginas, deu o JN conta do essencial do diferendo. Vejamos: numa das margens do rio Vizela fica Vila das Aves; na outra, S. Tomé de Negrelos. As duas freguesias, ambas do concelho de Santo Tirso, são servidas pelo Agrupamento de Escolas Aves/ S. Tomé de Negrelos (oito estabelecimentos de ensino, incluindo dois jardins de infância). Desse Agrupamento fez parte, até ao princípio do ano lectivo que agora acaba, a Escola da Ponte. Só que esta, entretanto ?promovida? (deixou de ser só primária e lecciona até ao 9? ano) ganhou autonomia.
Ora, a partir de então, sucederam-se as queixas, para os vários organismos do Ministério da Educação, dos pais de Negrelos, que não aceitam que os seus filhos vão para Vila das Aves, para a Escola da Ponte, alegando que o método didáctico-pedagógico ali seguido não prepara convenientemente as crianças nas disciplinas de Português e de Matemática.
É isso que retrata a reportagem, ouvindo as posições do coordenador de ?Fazer a ponte? (um projecto piloto encetado em 1976 na escola de Vila das Aves), dando a palavra à presidente do Conselho Executivo e a várias professoras do Agrupamento de que saiu a Escola da Ponte, reproduzindo as opiniões de encarregados de educação, escutando também alguns alunos.
Na reportagem é, ainda, reproduzida parcialmente uma carta da mãe de uma aluna, em que esta se queixa amargamente do método de ensino da Escola da Ponte, que responsabiliza pelos maus resultados da menina (teve que recorrer a explicações), confrontando essas afirmações com o currículo que, segundo o presidente do Conselho Executivo da Escola onde a aluna está a frequentar o 7? ano, torna incompreensíveis as queixas da mãe.
Ora, a alusão à carta provocou a primeira queixa: justamente da mãe autora do escrito e mãe da aluna em causa…
Ana Paula Rodrigues Lopes Santos Neto, acusa o jornal de mentir ?para, possivelmente, atingir determinados objectivos, por vontade própria ou para satisfazer a vontade de outros?. É uma acusação grave, até porque infundada, como pode facilmente entender-se da resposta que a autora da reportagem endereçou ao Provedor.
Para a jornalista, uma reacção como a que a leitora assumiu ?só poderá ser resultado de eventual má interpretação do texto que a senhora diz ter lido e relido, depois de ter sido alertada por uma pessoa amiga.?
E concretiza:
?1- A senhora escreve que na ?reportagem e em caixa de texto é referido que uma mãe fez chegar ao JN um e-mail onde apresentava toda a sua frustração e revolta por ter colocado na Escola da Ponte uma filha que acabaria o primeiro ciclo com graves carências na Língua Materna e na Matemática?. Ora, no texto eu refiro que o JN recebeu o e-mail, não que o mesmo foi enviado pela mãe da aluna; por outro lado, não escrevi que a aluna tinha carências a nível da Matemática, apenas citei a mãe, que dizia que conseguir bons resultados nessa disciplina era como ?jogar no totoloto?.
?2- A senhora escreve: ?Diz a referida jornalista que esta mãe foi contactada por ela para ter a oportunidade de prestar os devidos esclarecimentos sobre o assunto em questão e que se negou a fazê-lo, não dando a cara para o apuramento da verdade?. A menos que estejamos a falar de textos completamente diferentes, não vejo onde está a veracidade desta afirmação. O que realmente escrevi foi que ?mal a carta nos chegou às mãos, o JN enviou um e-mail à referida mãe, solicitando uma troca de impressões sobre o percurso curricular da filha. Como não obtivemos resposta, optámos por contactar a Escola E.B. da Vila das Aves…?. Em lado nenhum eu digo que a senhora se negou a responder-me ou que se negou a dar a cara. Acrescenta a mãe da aluna que nunca foi contactada por pessoas do JN. Acontece que eu enviei o e-mail e o meu computador não assinalou erro no envio, pelo que acreditei que tivesse chegado ao destino. Se tal não aconteceu, desconheço os motivos(…)?
?3- Quanto ao facto de eu ter tido acesso às notas da aluna sem a autorização da mãe, parece-me um comentário um tanto paradoxal, uma vez que não me foi possível falar com a senhora. Acaso fosse, certamente que lhe perguntaria por que motivo não transferiu a menina para outra escola, logo no final da segunda classe, uma vez que estava tão descontente com os resultados da criança. Ainda a propósito do percurso curricular desta aluna, devo lembrar que o próprio presidente do Conselho Executivo da E.B. da Vila das Aves nos confessou não compreender o motivo das queixas da mãe.?
A jornalista manifesta-se, naturalmente, indignada com as acusações de desvio da verdade e com as insinuações que se lhe seguem. Que repudia — umas e outras.
O Provedor junta-se à jornalista nesse repúdio. A reportagem sobre a polémica que envolve a Escola da Ponte, em Vila das Aves, é um trabalho jornalístico isento, e tão rigoroso quanto o consentem os depoimentos recolhidos. De grande equidistância, como pode reconhecê-lo quem souber (ou quiser) ler a reportagem de forma distanciada.
Sem paixões.
Aoutra reclamação procede do sr. H. Pinheiro Machado, director do ?Ecos de Negrelos, jornal que, numa das páginas, se cita como um dos que contestam a Escola da Ponte.
Diz-se na reportagem que do Conselho de Administração do ?Ecos de Negrelos? faz parte Henrique da Cruz Pinheiro Machado, presidente da Junta de Freguesia; e que o corpo redactorial conta com Goretti Machado, presidente do Conselho Executivo do Agrupamento de Escolas referenciado. Ora, esta revelação, segundo H. Pinheiro Machado, mostra ?uma atitude pouco ética?, e aponta para que a jornalista sabe demasiado.
Tal como refere na resposta ao Provedor, as informações que a autora da reportagem reproduz sobre o jornal não são fruto de ?inspirações sobrenaturais?. Como qualquer jornalista no terreno limitou-se a perguntar. E confirmou as respostas junto de duas fontes.
Ora, não parece ao Provedor que o ?Ecos de Negrelos? pretenda esconder o que é público. Ou pretende?
Assim sendo, onde está a falta de ética e de seriedade? Do lado do ?Jornal de Notícias? não está, com certeza!
A polémica sobre a Escola da Ponte existe, é um facto. Foi ela o motivo da reportagem, que teve por objectivo mostrar, sem tomar partido, a realidade que extrema posições em Vila das Aves e em S. Tomé de Negrelos.
Não cabe ao JN julgar a favor de uns ou de outros. Os jornais não se substituem às instituições nas funções que a elas estão atribuídas. Se alguma decisão pende sobre o processo pedagógico ?Fazer a ponte?, ela pertence ao Ministério da Educação. Quando for tomada, revelá-la-emos.
Qualquer que ela seja."