Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Silvio Bressan

ELEIÇÕES 2002

"Noticiário intenso é desafio para horário eleitoral", copyright O Estado de S. Paulo, 21/07/02

"A um mês do seu início, marcado para 20 de agosto, o horário eleitoral gratuito continua sendo a principal aposta dos candidatos à Presidência, mas já não marca o início da campanha nem é seu único fator decisivo. A antecipação do debate eleitoral, o grau de conhecimento do público em relação aos candidatos e, principalmente, a exposição inédita dos presidenciáveis na mídia transformou o trunfo do horário eleitoral num grande desafio: produzir programas de qualidade, mas ágeis e informativos o suficiente para não ficarem obsoletos até o próximo telejornal.

Ao contrário das outras eleições, a deste ano já faz parte do cotidiano do telespectador. Boa parte dos 140 milhões de brasileiros que assistem à TV viu alguma das entrevistas dos presidenciáveis, exibidas há duas semanas, de forma inédita, dentro do Jornal Nacional. E isso foi só o começo. Outra rodada está prevista no telejornal de maior audiência do País para setembro.

Todos os dias o JN reserva pelo menos dois minutos para o noticiário sobre a sucessão presidencial.

Na TV Record, além desse espaço e de um debate em setembro, o apresentador Boris Casoy quer abrir 5 minutos diários para pronunciamento dos candidatos.

Na Bandeirantes, o diretor-geral de Jornalismo, Fernando Mitre, anuncia um debate para dia 4 e outro, dos candidatos a vice-presidente, para dia 18, dois dias antes do horário eleitoral. Ainda em agosto (de 5 a 8), haverá uma rodada de entrevistas no Jornal da Globo e no Bom Dia Brasil (entre 26 e 29). Entre noticiários, talk shows e programas especiais dass emissoras, calcula-se que os candidatos terão mais tempo do que as 16 horas dos programas oficiais previstos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Nada disso significa que o horário eleitoral será menos importante, mas desta vez vai encontrar um telespectador mais informado e atento. ?A TV será a grande praça pública desta eleição e sua maior cobertura dará uma visão mais crítica dos candidatos?, avalia Mitre. ?Teremos um eleitor menos emocional e, portanto, mais exigente.?

Para Fátima Pacheco Jordão, especialista em pesquisas eleitorais, o horário gratuito vai começar com uma temperatura mais alta. ?Como a campanha já começou, os candidatos terão um desafio mais complexo, explicando desde logo os assuntos que estão em pauta no noticiário?, prevê. Para ela, os telespectadores estão cada vez mais treinados com a TV e já não se iludem facilmente. ?Eles conhecem os truques dos vídeos e percebem a manipulação?, adverte. Apesar disso, pondera, não se pode desprezar o horário eleitoral.

?O telespectador sabe que este é o único momento em que o candidato fala só para ele.?

Com a mesma opinião, o cientista político Afonso de Albuquerque, professor da Universidade Federal Fluminense, acha que o horário gratuito fornece algo impossível para qualquer noticiário. ?Só esses programas oferecem a interpretação dos partidos sobre os problemas do País e suas possíveis soluções?, analisa Albuquerque. ?Tal diversidade interpretativa é algo que nem o jornalista mais conseqüente e responsável poderia oferecer.?

Agressivos – Por isso, a professora Vera Chaia, do Departamento de Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e coordenadora do Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política, diz aguardar com curiosidade o início do horário eleitoral. ?Esse é o espaço que os candidatos têm para responder, criticar e levantar dossiês?, diz ela. ?Com a exposição exacerbada na mídia, esse processo já está acelerado, o que deve tornar os programas mais agressivos.?

Do mesmo modo, a professora Maria Thereza Fraga Rocco, da Faculdade de Educação da USP e especializada em linguagem da mídia, ressalta a importância dos programas oficiais. ?O noticiário pode dar a temperatura real da coisa, que os programas não conseguem, mas o eleitor jamais vai abrir mão do horário gratuito?, anota ela. ?A questão é o que as pessoas vão reter na memória do noticiário e dos programas eleitorais para fazer comparações.?

Assim como Fátima, a professora da USP alerta que os riscos são mais dos candidatos do que dos telespectadores, mesmo na população de classe baixa.

?Eles já nascem vendo TV, sabem reconhecer uma novela de qualidade, dão risada com os excessos e percebem quando alguém tenta enganá-los?, observa.

?O candidato que exagerar não vai convencer.? Nesse aspecto, Thereza cita os clichês de Lula (PT), o economês exagerado de Ciro Gomes (PPS), o aspecto ?morno? de José Serra (PSDB) e a fanfarronice de Anthony Garotinho (PSB).

Tudo isso pode ficar mais visível com a maior exposição dos candidatos no noticiário. É o que acha a jornalista Luciana Fernandes Veiga, doutora em Ciências Políticas, coordenadora de pesquisas qualitativas e autora da tese ?Em Busca de Razões para o Voto: o uso que o eleitor faz do horário eleitoral?. Após esse trabalho, aliás, ela se convenceu de que o horário gratuito influencia na decisão do voto. ?Esses programas dão ao eleitor argumentos positivos e negativos dos candidatos e apresentam justificativas para a decisão do voto?, explica.

Influência – Para a pesquisadora, a propaganda política tem como função facilitar a decisão do eleitor. ?Ela busca aumentar a percepção do eleitor sobre futuros ganhos políticos, com informações mais fáceis de serem entendidas e assimiladas.? Nem por isso Luciana despreza o efeito da maior cobertura da TV. ?É um estímulo para a comparação e a tendência é de que o noticiário acabe pautando o horário gratuito.?

Para o cientista político da PUC-RS Flávio Eduardo Silveira, outro especialista em pesquisas, o noticiário mais amplo vai ajudar também os candidatos. ?Aqueles menos conhecidos podem estabelecer contato com o eleitor, que dificilmente buscaria informações sobre ele.? Assim, avalia, noticiário e programas eleitorais não são coisas excludentes. ?São duas informações diferenciadas, que aumentam a importância da mídia no processo e fortalecem a relação entre candidato e eleitor.?

Novo formato – Foi com esse objetivo, afirma o diretor da Central Globo de Comunicação, Luís Erlanger, que o JN abriu espaço para os candidatos. Segundo ele, durante as quatro entrevistas a audiência se manteve constante, em torno de 40 pontos. Isso significa que 50% dos aparelhos ligados estavam sintonizados na Globo. ?A gente mudou o formato para não ficar em cima de ofensas e passar à discussão de idéias?, conta ele. ?Os candidatos aceitaram e a repercussão foi muito boa.?

Para ele, uma das maiores vantagens do noticiário é que não se trata de uma imposição. ?Qualquer coisa obrigatória representa um prejuízo para os telespectadores e as emissoras?, acha Erlanger. ?Os candidatos dizem que vão usar o espaço para defender idéias, mas só se auto-elogiam ou jogam farpas no adversário.? Outro crítico do horário eleitoral é o diretor José Bonifácio de Oliviera, o Boninho. ?Sendo obrigatório, acho esses programas um lixo, porque são criados por marqueteiros sem nenhum fundamento maior em entretenimento.?

Vantagens – Já o diretor de Jornalismo da Globo, Ali Kamel, prefere destacar as vantagens que a continuidade do processo democrático trouxe à televisão. Um exemplo, na sua opinião, é a obrigatoriedade de os candidatos nanicos terem sempre o mesmo espaço em qualquer programa de TV. Desta vez, porém, a Justiça indeferiu os pedidos de José Maria de Almeida (PSTU) e Rui Pimenta (PCO) para serem entrevistados no JN. Como compensação, o telejornal fez uma reportagem com os dois candidatos. ?Depois de algumas eleições, os juízes ficam mais seguros da interpretação da lei. E isso facilita uma cobertura mais ampla da TV.?

Tudo isso é verdade, concorda Boris Casoy, mas seria ainda melhor se a TV tivesse maior liberdade para também oferecer opiniões, em vez de se resumir ao noticiário. ?O grande diferencial da TV em relação ao horário eleitoral seria o de oferecer uma postura mais crítica dos candidatos?, diz Boris. ?O problema é que ainda sofremos censura prévia, porque estamos proibidos de dar qualquer opinião?, lamenta. (Colaborou Luciana Nunes Leal)"

 

"Especialistas ainda acham propaganda decisiva", copyright O Estado de S. Paulo, 21/07/02

"A propaganda gratuita eleitoral vai tirar o eleitor da categoria dos indecisos e fazê-lo optar por um dos concorrentes, segundo especialistas ouvidos pelo Estado. ?Os programas e os comerciais eleitorais podem mudar drasticamente o quadro, dada a quantidade de indecisos do eleitorado?, avalia o professor Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj). O último levantamento do Ibope revela, na pergunta espontânea, que 46% dos eleitores não sabem em quem votar para presidente. Outros 6% pretendem votar nulo ou em branco.

Figueiredo lembra que não há comício ou corpo-a-corpo que atinja o público de um programa na televisão. ?Na democracia de massa, o contato direto do candidato a presidente com o eleitor é muito limitado, no espaço físico e no tempo. A propaganda massiva via televisão e rádio tem um alcance infinitamente maior do que os tradicionais comícios e viagens.?

Pesquisas coordenadas pelo professor em eleições anteriores indicam que a média da audiência dos programas eleitorais gratuitos fica um pouco abaixo da média da programação normal, cerca de 10% a menos. ?Trata-se de 10% do eleitorado que não quer saber de política. O resto está ligado na campanha.

Se não viu, algum parente ou amigo viu e vai comentar. A eleição passa a fazer parte de sua prioridade nas conversas do dia-a-dia.?

Rídiculo – Para ele, o eleitor tem interesse, sim, no horário gratuito. ?Os eleitores que reclamam são poucos.? Os estudos indicam ainda que, entre os que assistem ao horário gratuito, 90% vêem pelo menos um programa por semana.

?O eleitor pode não gostar, às vezes acha ridículo, mas é no programa que ele reúne argumentos para votar ou não no candidato?, afirma a cientista política Alessandra Aldé, que é pesquisadora do Laboratório de Pesquisa em Comunicação Política e Opinião Pública Doxa, do Iuperj."