Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Howard Kurtz

CONTABILIDADE SUSPEITA

"Contabilidade, o telhado de vidro das empresas de mídia nos EUA", copyright O Estado de S. Paulo / The Washington Post, 21/07/02

"Quando a Enron faliu, em meio a um escândalo espetacular, o jornal The New York Times atacou repetidas vezes a companhia em seus editoriais por suas finanças enroladas.

Acontece que, há cinco anos, a New York Times Co. fez um ?acordo de troca de papel jornal? – uma transação financeira na qual nenhum ativo físico mudou de mãos – com essa mesma companhia de energia de Houston.

O negócio entre o Times e a Enron foi revelado nas ?letrinhas miúdas? dos documentos enviados pelo jornal à Securities and Exchange Commission (SEC), mas não nos editoriais, que censuraram a Enron por ?embromações contábeis? e outros comportamentos financeiros escusos. Mas o Times não está só. Muitas companhias de mídia que vêm comentando, e freqüentemente criticando, a contabilidade das empresas e o uso agressivo de opções de ações, dedicam-se também às mesmas práticas, de acordo com documentos federais.

The Washington Post, por exemplo, disse num editorial em abril que ?as regras atuais – que autorizam as companhias a conceder aos executivos e outros empregados milhões de dólares em opções de ações sem registrar um centavo de gasto – transformam as contas das empresas numa farsa?.

Mas, The Post Co. vem fazendo a mesma coisa, pois no ano passado aumentou sua renda declarada em US$ 3,6 milhões, ao não contabilizar as opções de ações como despesas. Na segunda-feira passada, a companhia anunciou que vai começar a registrar as opções de ações aos executivos como gastos.

Em uma ?troca de papel jornal? descrita pela Times Co. como ?cash flow hedge? (operação compensatória de fluxo monetário para prevenir perdas), um editor de jornal e um agente comercial – a Enron – fecham um acordo em relação a um preço fixo para o papel jornal por um prazo de vários anos. Se os preços do papel jornal aumentarem, o editor recebe um desconto de seu parceiro comercial; se os preços caírem, o editor é quem paga o desconto. A idéia é ajudar a aliviar os custos do jornal, espaçando os pagamentos por um período de tempo.

?Citar esse relacionamento poderia não ter causado nenhum dano, mas é inconcebível que alguém pense que nosso jornalismo foi influenciado por esse fato?, disse o porta-voz do Times, Toby Usnik, observando que o relacionamento com a Enron foi citado em um artigo em dezembro passado.

?Desde uma perspectiva editorial, nós temos também um muro entre os departamentos editorial e comercial da companhia. De fato, no passado adotamos posições editoriais que estão em conflito com decisões tomadas por nosso lado comercial e empresarial.?

O acordo de 1998 com a Enron deveria entrar em vigor neste ano e durar até 2008, mas o jornal cancelou a transação em janeiro por causa da falência da Enron, disse Usnik, acrescentando que o efeito sobre os lucros foi ?irrelevante?.

A questão das opções de ações provocou uma inflamada batalha no Capitólio , onde as grandes empresas fazem pressão através de seus ?lobbies? contra propostas que obrigariam as companhias a contabilizar as opções de ações como despesas em seus livros. E a maioria das companhias de mídia se comporta como as outras grandes empresas quando se trata de remunerar seus executivos, mesmo que o método entre às vezes em conflito com suas posições editoriais.

Contabilidade – O jornal Chigado Tribune afirmou em um editorial de março: ?Coloquem as opções de ações nos livros contábeis.

O uso de opções de ações como parte de pacotes de remuneração explodiu em parte por causa da regra de 1993 que limitou a dedutibilidade fiscal dos salários dos executivos quando ultrapassam US$ 1 milhão.?

Mas a Tribune Co. não contabilizou como despesas as substanciais opções de ações concedidas a seus altos executivos, inclusive ao chairman e presidente executivo, John Madigan, que no ano passado recebeu opções de ações no valor de US$ 5,3 milhões. Madigan exerceu seu direito de opções no valor de US$ 1,9 milhão, adquirindo ações da Tribune. O porta-voz da companhia, Gary Weitman, defendeu o uso de opções de ações, mas admitiu que ?existem bons argumentos em ambos os lados do debate?.

Donald Graham, chairman e presidente executivo da The Post Co., disse que a diretoria da companhia decidiu começar a contabilizar as opções de ações há vários meses. ?Achamos que esta era a forma mais exata para fornecer informações financeiras a nossos acionistas.?

Cinco altos executivos – mas não Graham – acumularam opções de ações, inclusive ações avaliadas em US$ 666 mil em favor de John Morse Jr., diretor financeiro da companhia. ?Como todos sabem?, disse Graham, ?a página

Benefícios – Um jornal da Knight Ridder, o Detroit Free Press, afirmou num editorial de fevereiro que ?as opções de ações parecem inspirar jogos contábeis que ajudam a aumentar ainda mais o preço da ação quando altos executivos exercem seu direito de opções para seu próprio benefício?.

Mas a Knight Ridder, que também não contabilliza opções de ações como gastos da empresa, concedeu ao presidente executivo Tony Ridder 150 mil opções no ano passado, avaliadas em US$ 10,5 milhões.

Na Dow Jones, editora do Wall Street Journal, as opções de ações não contabilizadas no custo dos negócios realizados incluíram 83.700 para o presidente executivo, Peter Kann, avaliadas em cerca de US$ 7,9 milhões na próxima década, a uma taxa de valorização de 10%. Mas essa prática está de acordo com a página editorial do Wall Street Journal, que afirmou no mês passado que, não obstante algumas exceções, ?as opções ajudaram de modo geral a alinhar os incentivos aos diretores executivos com os interesses dos acionistas?.

Um padrão semelhante aparece quando se discute se as companhias deveriam pagar aos auditores – empresas responsáveis pela emissão de julgamentos a respeito de seus livros e pela detecção de quaisquer irregularidades – taxas adicionais para serviços não relacionados com a auditoria. Algumas firmas, como a Arthur Andersen – condenada como culpada pela destruição de documentos na Enron – foram amplamente criticadas na mídia por cobrarem de seus clientes corporativos ambos os tipos de serviço, reduzindo assim o incentivo para que possam denunciar uma contabilidade irregular.

Um editorial do Washington Post apoiou no mês passado uma ?proposta delicada?, aprovada nesta semana pelo Senado, ?que restringiria a capacidade das empresas de contabilidade de fornecerem serviços de consultoria a clientes cujos livros estão auditando?.

Auditorias – A Post Co. pagou à sua auditora, a PricewaterhouseCoopers, US$ 626 mil de taxas de consultoria no ano passado, além de taxas de auditoria de US$ 880 mil. Wally Cooney, diretor da contabilidade do Post, disse que as taxas de consultoria estão também relacionadas com a auditoria.

A Viacom pagou à PricewaterhouseCoopers US$ 3,8 milhões pelas auditorias e US$ 5,4 milhões em taxas de consultoria. A Disney pagou à PricewaterhouseCoopers US$ 8,7 milhões pelo trabalho de auditoria e US$ 36 milhões por outros serviços.

(A PricewaterhouseCoopers concordou em pagar US$ 5 milhões para resolver as alegações da SEC que a acusam de não ter mantido uma independência das companhias às quais presta auditoria.) Da mesma forma, a New York Times Co. gastou no ano passado US$ 1,2 milhão com o trabalho de auditoria da Delite Touche e US$ 2,2 milhões com serviços não relacionados com a auditoria. E a General Electric pagou à KPMG US$ 23,5 milhões por auditorias e US$ 3,7 milhões por outros serviços. (Tradução de José dos Santos)

 

"AOL é acusada de irregularidades contábeis", copyright O Estado de S. Paulo, 19/07/02

"O maior grupo de mídia do mundo, AOL Time Warner, teve um dia difícil ontem, com acusações de má conduta contábil, perda de 6,54% no valor de suas ações e a renúncia do número 2 do grupo e chefe de Operações, Robert Pittman.

Segundo uma reportagem divulgada ontem pelo jornal The Washington Post, a unidade America Online (AOL) se envolveu em ?transações não convencionais? que resultaram em receitas publicitárias e comerciais de US$ 270 milhões para sua unidade America Online. Estas transações incluiriam a conversão de disputas legais em acordos, venda de anúncios no site de leilão eBay, além de permutas entre a empresa e a Sun Microsystems.

O Post mencionou que a quantia representou somente uma pequena fatia do total arrecadado pela AOL no período de julho de 2000 a março de 2002, que chegou a US$ 5 bilhões. O problema é que, sem essas receitas adicionais, as estimativas dos analistas em relação à empresa teriam sido reduzidas em três trimestres de 2000 e outros três de 2001.

A denúncia foi rechaçada com veemência pelo grupo. A prática contábil ?foi apropriada e de acordo com as normas?, disse o vice-presidente-executivo da AOL Time Warner, John Buckley, numa comunicado distribuído à imprensa. Ele também negou as informações do jornal de que essas manipulações nas contas permitiram à empresa alcançar, e até superar as expectativas dos investidores de Wall Street, num momento em que qualquer resultado menor, mesmo que ligeiramente, poderia provocar uma queda brutal no valor dos papéis.

No comunicado de defesa, a AOL garantiu que seus auditores externos, a Ernst & Young, na época, revisaram quase todas as transações e confirmaram que elas estavam de acordo com as regras americanas Buckley lembrou também que o montante em questão corresponde a somente 2% do total da receita nos períodos.

Segundo o analista George Nichols, da Morningstar, ainda que não exista nenhuma prova de fraude, a denúncia é ?a última prova de que a direção não deixa de lado nenhum esforço para inflar seus rendimentos a curto prazo?.

Outro órgão de imprensa, o The Wall Street Journal, também contribuiu para os problemas do grupo, ao noticiar a demissão iminente do vice-presidente do grupo, Robert Pittman. Horas depois, a saída foi confirmada. ?Depois de haver trabalhado duro para construir a marca AOL e seus serviços e depois da fusão (entre a AOL e a Time Warner) é o momento de dar uma pausa?, afirmou Pittman num comunicado.

Durante várias semanas circularam rumores sobre a saída de Pittman, de 49 anos, criador do conceito da MTV, uma TV com muitos videoclipes, direcionada a jovens. Em abril, a AOL Time Warner encarregou o ex-presidente do gigante da internet a tentar recuperar terreno. num momento em que a publicidade da rede estava caindo e o ritmo de assinaturas enfraquecia. A AOL era considerada a ponta de lança do crescimento do grupo. Mas, desde a fusão, ela começou a enfrentar vários problemas e os investidores começaram a duvidar se ela devia continuar no grupo.

A AOL Time Waner nomeou Don Logan, antigo presidente do conselho da Time, como presidente do conselho do recém-formado Media e Comunications Group, que inclui a America Online, a Time e a Time Warner Cable, entre outras unidades.

Jeff Bewkes, que era presidente do conselho do canal HBO, será o o novo presidente do Entertainment & Networks Group, divisão que inclui, além da HBO, a New Line Cinema, o canal Warner, a Turner Networks e a Warner Music.

Os dois presidentes serão subordinados ao diretor-presidente da AOL Time Warner, Richard Parsons. O executivo ressaltou que aprendeu a lição dos últimos meses e destacou: ?Don Logan e Jeff Bewkes provaram que podem gerar um crescimento duradouro e sólido em um ambiente de ciclos econômicos em transformação em setores de atividades como os que vão administrar agora?.

Essas mudanças na cúpula dão aos executivos da Time Warner uma grande parte do controle do grupo, um ano e meio após a AOL ter comprado a empresa por US$ 106,2 bilhões.

As modificações ocorrem alguns meses depois que o presidente-executivo do grupo, Gerald Levin, um dos principais arquitetos da fusão, pediu demissão.

As bolsas dos Estados Unidos também tiveram um dia ruim ontem, com muitas empresas divulgando resultados que não foram satisfatórios e com mais indicadores mostrando a fraqueza da recuperação dos Estados Unidos. O índice Dow Jones recuou 1,56% e o Nasdaq, 2,88%."

 

"Escândalos chegam à AOL, Bolsas tremem", copyright Folha de S. Paulo, 19/07/02

"A AOL Time Warner inflou sua receita utilizando práticas contábeis ?pouco convencionais?, segundo reportagem publicada ontem pelo jornal ?The Washington Post?. A crise na gigante de mídia, que já estava sob suspeita, agravou-se ainda mais com a notícia de que seu principal executivo deixará o cargo.

As supostas fraudes, no valor de US$ 270,1 milhões, teriam começado em 2000, antes da aquisição da Time Warner, continuaram a ser praticadas até este ano.

As ações da companhia foram as mais negociadas ontem na Bolsa de Nova York e encerraram o dia em queda de 5%. O novo escândalo contábil e os resultados modestos divulgados por algumas empresas derrubaram as Bolsas dos EUA mais uma vez.

?Faz dois anos que o mercado acionário não rende nada. Há um ajuste no fundos de investimentos, e as pessoas estão procurando outras aplicações?, disse Bill Meade, da RBC Capital Markets.

O Dow Jones caiu 1,56%, para 8.409 pontos -o menor nível desde a reabertura dos mercados após os ataques de 11 de setembro. A Nasdaq, Bolsa que concentra ações de empresas de alta tecnologia, caiu 2,88%. O Standard & Poor?s 500, índice que engloba as 500 maiores empresas do país, perdeu 2,7% e foi ao menor patamar desde junho de 1997.

?Os investidores continuam perplexos?, disse Philip Dow, diretor da corretora RBC Dain Rauscher. ?Penso que algumas ações, pela atividade da empresa, estão a preços razoáveis. Mas as pessoas perderam a visão do lado positivo das coisas, é como se esperassem mais más notícias.?

Ontem, foi o que ocorreu. A AOL Time Warner, maior companhia de mídia do planeta, tem um grande peso na Bolsa de Nova York. Além disso, o secretário do Exército dos EUA, Thomas White, foi acusado de estar envolvido na gestão fraudulenta da energética Enron, que entrou em concordata em dezembro passado e detonou a enxurrada de escândalos.

Antes de assumir o cargo no governo, White era vice-presidente de uma divisão de serviços da Enron. O secretário, que disse não ter conhecimento das fraudes da companhia, vendeu US$ 12 milhões das ações que detinha, antes da companhia entrar em colapso.

Fora de lugar

O ?Washington Post? informou que teve acesso a centenas de páginas de documentos oficiais da companhia para basear suas revelações. Segundo um porta-voz da AOL Time Warner, a reportagem é ?falha em fatos e análises e enganosa na conclusão?.

A AOL e a Time Warner concluíram a fusão de suas atividades em 2001. O negócio, feito no auge da bolha tecnológica, foi avaliado em US$ 106,2 bilhões.

De acordo com o ?Post?, a AOL registrou como faturamento publicitário dinheiro recebido por meio de decisões judiciais relativas a disputas com anunciantes. Disse ainda o jornal que a empresa, entre outros ?truques contábeis?, transferia o faturamento de uma divisão para outra, inflando os negócios de internet.

Segundo o jornal, a AOL teria apelado para as fraudes para dar a impressão de que sua receita publicitária continuava crescendo, mesmo com as empresas de internet já dando sinais de retração. Às vésperas da fusão com a Time Warner, disse o ?Post?, a empresa não queria ter sua saúde financeira colocada sob questão.

O diário de Washington lembrou que, em outubro de 2000, as ações do Yahoo!, um dos principais concorrentes da AOL, caíram 21% depois de a companhia afirmar que não seria possível manter o faturamento em expansão. Apenas uma semana antes, o presidente da AOL havia negado que a receita com anúncios estava em queda no setor.

Robert O?Connor, que era vice-presidente financeiro da divisão de publicidade da AOL e deixou a empresa em março deste ano, afirmou ao ?Post? que já havia alertado seus colegas sobre os problemas contábeis.

?Claramente boa parte da receita não era da melhor qualidade. Há questões sérias que eles não querem enfrentar?, disse O?Connor. ?Por nove meses, tentei tirá-los da defensiva, tentei tirar o perfume do porco.?

A AOL afirmou que ?as transações foram encaminhadas de maneira correta e que a empresa mantém um rígido e eficiente sistema de controle interno?.

A companhia destacou ainda que as receitas postas sob suspeita pelo jornal são ?microscópicas -inferiores a 2% do total?.

Reestruturação

Ontem o diretor-executivo da AOL Time Warner, Robert Pittman, confirmou que deixará a companhia, mas o fato não está ligado às denúncias de fraude. A empresa passará por uma reestruturação, e Pittman, que havia assumido o cargo em abril, será substituído por dois antigos executivos do grupo.

A corporação já está sob pressão de acionistas e investidores há algum tempo, e alguns analistas cogitam até a possibilidade de a fusão ser desfeita. As ações do grupo vem desabando com a falta de uma estratégia empresarial clara e com a perspectiva de crescimento tímido nos próximos anos.

Neste ano, os papéis da AOL Time Warner perderam 60% do valor. Desde janeiro do ano passado, quando o processo de fusão foi encerrado, a queda no preço das ações passa de 70%."