Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Mercado livre para escolher por nós

FARDA & FARDÃO

Afonso Caramano (*)

Como bem colocou Deonísio da Silva [em “Paulo Coelho na ABL”, OI n? 183, remissão abaixo], em se tratando de eleições o ideal seria que pudéssemos escolher a melhor das opções em vez da menos pior, sem imposições de qualquer natureza, principalmente do onipotente mercado. Mas nem tudo que é bom para o mercado é bom para o povo ? e nem tudo que é sucesso editorial e de gosto popular é o que há de melhor. Critérios para avaliações há muitos e de variadas matizes. Talvez caiba à crítica especializada (se ainda houver alguma) a análise acurada dos méritos da obra de Paulo Coelho, e do próprio escritor ? quem sabe ? embora sempre haja aqueles que apontem na análise preconceitos elitistas, injustiças cometidas contra o autor ou simplesmente o provincianismo tacanho da crítica. As contradições são muitas, não há dúvida.

Outro aspecto que não se deve esquecer: a ABL é uma instituição como outra qualquer, ainda que represente (em seu restrito grupo) as letras do país e que se respire em seus salões o glamouroso ar das artes. Nela também se faz política ? em toda a amplitude da palavra, é claro. E, como bem sabemos, em questão de política o buraco é mais embaixo ? são muitos os fatores que pesam e contribuem para a candidatura dos elegíveis, seja qual for o cargo a que se dispõem.

Vê-se que as questões de cunho literário passaram longe de qualquer discussão mais profunda ? os noticiários televisivos apenas mencionaram a eleição do escritor, que por uma dessas coincidências interessantes foi no dia de São Tiago, como apontou o Jornal Nacional. Também não se poderia esperar mais do que isso dos telejornais. Passada pouco mais de uma semana, quase nada se encontra nos jornais online. Talvez se esteja desejando demais ou atribuindo-se muita importância ao que apenas mereceria uma nota (como foi o caso no tratamento dispensado ao autor).

Leitura democratizada

Mas não deixa de ser simbólica a eleição do mago Paulo Coelho, o que não lhe tira o mérito ? porque não cabe aqui juízos de valor, muito menos de ordem pessoal; que o façam os filósofos literatos, a crítica ou os ressentidos. A boa educação apenas recomenda que se felicite a conquista, afinal o escritor cumpre o caminho a que se propôs. Costuma-se dizer que cada povo tem o governo que merece, por que não a literatura?

Há obras literárias que se tornam clássicos, que nos marcam profundamente, dando-nos uma ampla dimensão da vida, envolvendo questões humanas e delicadas; outras seguem a cartilha ideológica de sua época e não infundem questionamento algum; outras ainda servem apenas de manuais de sobrevivência com regras prontas de ajuda para suportar a banalização da vida moderna. Cada um que escolha a sua preferida ? dialogar com quaisquer dessas obras depende da capacidade individual de cada um e de aonde se quer chegar (também dos instrumentos de que dispôs ao longo da vida).

Num mundo globalizado e democrático, também a leitura deveria ser democratizada ? ainda mais num país que representa o quinto mercado em livros e onde, contraditoriamente, se lê tão pouco. Todavia parece que vivemos a democracia do mercado, na qual somente uns poucos eleitos tem acesso à cultura, aos livros, a melhores condições de vida. Apregoa-se a total liberdade de mercado, talvez, para que ele possa fazer livremente as melhores escolhas para nós ? inclusive de homens, livros e coisas.

(*) Funcionário público municipal, Jaú, SP

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