AGENDA ELEITORAL
Bruno Dorfman Buys (*)
No debate entre os presidenciáveis que a TV Bandeirantes levou ao ar no domingo (4/8), o único candidato que se lembrou do setor de ciência e tecnologia foi Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Seguido de José Serra, que arrematou com uma tirada do tipo "por falar nisso?".
Lula foi o único candidato (dos que têm mais de 10% de votos) a comparecer à reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada na Universidade Federal de Goiás, em julho. Na ocasião, apresentou suas idéias para o setor e mostrou que compreende a dimensão histórica e a importância que a entidade tem para a pesquisa científica brasileira.
A SBPC foi criada em 1948 para responder às pressões do então governador paulista, Adhemar de Barros, pela mudança das atividades científicas no Instituto Butantan: o governador queria extinguir a pesquisa científica básica e fazer do Butantan um simples produtor de soros anti-ofídicos. Animada pela chegada ao país de cientistas europeus, a criação da SBPC foi vista como uma espécie de consolidação do pensamento científico no Brasil.
Com o golpe militar de 1964, a tendência política de crítica ao governo se acirrou, e a SBPC tomou uma atitude de oposição ao regime militar, sempre defendendo o setor de ciência e tecnologia, as universidades públicas, os institutos de pesquisa e a educação pública e gratuita para todos, por entender que não é possível desenvolver um país soberano sem produzir conhecimento e tecnologias próprias e adequadas às suas condições. A SBPC não é a única entidade credenciada para falar em nome do setor de ciência e tecnologia brasileiro, mas sem dúvida é uma das principais.
Embora breve, Lula tocou num ponto essencial durante o debate: é impossível produzir inovação sem investir em C&T. Os outros três candidatos mais votados não foram à reunião da SBPC em Goiás, apesar de o convite ter sido feito desde maio. Ciro Gomes, depois de confirmar presença, não foi e nem mandou representante. José Serra mandou um fax à entidade alegando problema de agenda. Garotinho não foi nem enviou um representante.
Em sua participação na reunião de Goiás, Lula entegou à diretoria da entidade uma carta de dez pontos, com as idéias do PT para o setor, que são os seguintes:
1. A política de C&T será tratada como um problema de Estado e não só de governo;
2. O Estado terá papel indutor estratégico essencial na política de C&T;
3. Recuperar e aprimorar o Sistema Federal de C&T ;
4. Os gastos em C&T não serão tratados apenas como custos correntes, mas como investimento num futuro melhor;
5. A vocação para a pesquisa da universidade pública será fortalecida;
6. As políticas industrial, agropecuária e de serviços serão articuladas às de C&T;
7. Serão implementados processos e mecanismos para a democratização das decisões em C&T em todos os níveis, envolvendo a comunidade científica e tecnológica, e representantes da sociedade;
8. Adotar política externa de cooperação internacional, respeitando direitos assumidos por todos, mas atuar com decisão em contraposição às legislações restritivas e lesivas aos interesses nacionais;
9. O ensino de ciências no país será melhorado e o governo estabelecerá um Programa Nacional de Popularização da Ciência, envolvendo instituições científicas, universidades, centros e museus de ciência;
10. Criação de programa emergência para a recuperação da infra-estrutura de ciência e tecnologia, para evitar maiores perdas no potencial de que o país ainda dispõe.
Esses pontos, em maior ou menor grau, contemplam demandas antigas da comunidade científica brasileira. No website da SBPC <www.sbpcnet.org.br> há explicação detalhada sobre cada item.
Prós e contras
Pontos fracos do programa: o PT não explicita quais são as prioridades de pesquisa da política de C&T. É muito vago dizer "a atuação do governo estará voltada para distribuição de renda, geração de empregos?". É bom mas não é suficiente.
A carta não esclarece por qual mecanismo o governo irá estimular a inovação tecnológica em empresas. O Brasil não tem tradição nisso, nunca fez inovação tecnológica em empresas. E se começasse a fazer seria ótimo, pois laboratórios industriais de inovação tecnológica são os grandes empregadores de mão-de-obra de alta qualificação, que atualmente permanece em universidades fazendo vários pós-doutorados; ou emigra do país, aumentando a evasão de cérebros.
No ponto 4, o partido diz que aumentará o investimento em C&T, dos atuais menos de 1% para algo em torno de 2%, no fim do mandato. Sinceramente, esta meta é muito difícil de ser cumprida, quase irreal. Dois por cento do PIB é um investimento feito somente por três ou quatro países, todos eles participantes do G-8. Se o PT colocasse 1,5%, estaríamos junto de Taiwan, Coréia do Sul e Itália.
Pontos forte do programa, o último cita criação de um plano de emergência. Algumas instituições públicas de ensino superior encontram-se em estado de calamidade, sobrevivendo quase que exclusivamente por abnegação e dedicação de seus professores e funcionários.
No ponto 3, o texto explicativo disponível no site do partido toca em um ponto essencial à formação de recursos humanos em ciência básica: continuidade. É impossível formar um doutor, com autonomia de pesquisa, sem continuidade de financiamento. Idem para grupos de pesquisa. E sem continuidade, o investimento feito durante tanto tempo não tem sentido. O PT acerta ao falar em fortalecimento das instituições, ao invés de auxílios individuais de pesquisa.
No ponto 5, o fortalecimento da vocação para pesquisa é um acerto. Ainda neste item o partido explica que as universidades ganharão mais autonomia, porém serão mais cobradas quanto à satisfação de demandas da sociedade. A carta conclui: "É essencial a importância da liberdade de pesquisa, mas isto não pode resultar em falta de compromisso social". A dita falta de compromisso social é uma das faces da atual crise da universidade pública. É um problema complexo e de difícil tratamento. Qualquer futuro governante precisará estar sensível a ele.
Em um momento em que se discute qual projeto de país queremos ter, e o projeto neoliberal já dá mostras de fracasso, é urgente saber em detalhe quais as idéias dos candidatos sobre ciência e tecnologia. Não será sem elas que o Brasil sairá da condição periférica em que se encontra atualmente. A valorização da atividade científica profissional é um imperativo imediato ao país, até aqui tratada secundariamente, com orçamentos minguados para tapar rombos de terceiros. O Brasil precisa romper com essa prática.
(*) Biólogo; e-mail <brunobuys@zipmail.com.br>