Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

João Máximo

GAROTA DE IPANEMA

"Um clássico rico também em boas histórias", copyright O Globo, 2/8/02

?Não é uma história, são várias. ?Garota de Ipanema? é uma das músicas brasileiras com mais fatos e lendas por trás. A começar pela possibilidade – ou mais que isso – de a musa de Tom e Vinicius não ter sido a bela Heloísa Eneida, como os biógrafos da bossa nova preferem. É só conferir as datas. O samba foi escrito em meados de 1962. E a divulgação do nome da musa aconteceu três anos depois. Quem na época trabalhava na revista ?Fatos & Fotos? sabe: o então misto de letrista e repórter Ronaldo Bôscoli, que há muito tempo andava de olho em Heloísa Eneida, vendeu o furo de reportagem ao editor e partiu com o fotógrafo Hélio Santos para mostrar ao mundo a verdadeira garota de Ipanema. A reportagem foi um sucesso. E promoveu de tal forma o samba que Tom e Vinicius teriam achado melhor assumir que aquela era mesmo sua musa.

Ainda conferindo datas, deve ser lembrado que a primeira letra do samba também exaltava a beleza de uma ipanemense balançando o corpo a caminho do mar. Fora escrita para ?Blimp!?, um musical de Tom e Vinicius que não chegou a ser encenado. A garota, no caso, seria uma linda carioca cujos encantos seduziriam um extraterrestre que pousava de disco voador em plena praia de Ipanema. Heloísa Eneida? Nada com ela.

Felizmente, a primeira letra foi posta de lado: ?Vinha cansado de tudo/De tantos caminhos/Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/Com medo do amor?. ?Quando, na tarde vazia/Tão linda no espaço/Eu vi a menina/Que vinha num passo/Cheia de balanço/A caminho do mar…

Abandonado o musical, Vinicius fez a letra definitiva, sem dúvida muito melhor.

Logo a garota ganharia o mundo, em versão de Gene Lees: ?Tall and tan and young and lovely the girl from Ipanema etc?. Antes que dezenas e dezenas de cantores, instrumentistas, pequenos grupos de jazz e grandes orquestras a gravassem, Astrud Gilberto o fez em 1963, devidamente apoiada pelo violão do marido João, o piano de Tom e o sax de Stan Getz, no primeiro LP deste com os brasileiros. Astrud não teve nenhum constrangimento em pronunciar Ipanima , como Lees queria, dando à garota o sotaque que ela teria para sempre no exterior.

Não se sabe quanto dinheiro a canção rendeu aos seus autores e ao seu tradutor. Mas deve ter sido muito mais do que Tom ganharia com suas obras traduzidas e lançadas lá depois de 1964, quando um espertalhão chamado Ray Gilbert convenceu-o de que todo mundo ia enriquecer com a bossa nova. Gilbert, pelo menos, enriqueceu: ficou, como editor e letrista, com 75% do que venderam com ?Fotografia?, ?Por causa de você?, ?Inútil paisagem?, ?Ela é carioca? e outras.

Nisso, um dos mistérios da bossa nova. Gilbert era espertalhão há muito tempo, conhecido explorador de compositores latino-americanos, que traduzia e editava nos States. ?Solamente una vez?, ?Tres palabras? e ?Besame mucho? são apenas alguns produtos da esperteza. O mistério está em que Aloisio de Oliveira conhecia Gilbert desde os anos 40, quando os dois trabalhavam para Walt Disney. E no entanto, Tom, amigo e parceiro de Aloísio, só foi saber da esperteza quando já era tarde, e por sua própria conta.?"

 

DIREITOS DO CIDADÃO

"Direito à informação e ?publicação opressiva?", copyright Correio Braziliense, 4/8/02

?Ainda não vivemos a plenitude da ?era dos direitos?, como preconizou Norberto Bobbio, mas já vemos despontar no horizonte sinais de que algumas utopias deixam de sê-lo quando a realidade delas se aproxima. É o caso de um concurso público de monografias, neste momento lançado pela Fundação Pedro Jorge de Melo e Silva, para premiar os melhores trabalhos de profissionais formados em cursos de Ciências Sociais e Humanas (jornalistas e advogados, entre outros) dispostos a dissertar sobre a antinomia que preside a relação entre o direito de informar e o direito dos cidadãos de não serem massacrados pela superexposição de suas figuras.

A Fundação Pedro Jorge <www.anpr.org.br> é uma organização civil, sem fins lucrativos, integrada por procuradores da República, criada in memoriam do procurador que um dia, ao investigar, no início dos anos 80, o ?Escândalo da Mandioca? (desvio de financiamentos agrícolas), pagou o estrito cumprimento do dever com sua própria vida, assassinado por um pistoleiro a mando daqueles que não queriam seus nomes na mídia, quanto mais vinculados à antiga ?arte de furtar?, na expressão do Padre Antônio Vieira.

Não há lei sem publicidade, embora a Justiça dela não careça como parte constitutiva. Entretanto, é na divulgação pública das punições que se fundamentam os costumes, como já era da observação de Kant. A pressa em divulgar, no entanto, pode colocar em risco não só as reputações, mas as vidas dos atores envolvidos em casos de investigação de ilícitos. Paradoxalmente, a visibilidade proporcionada por um noticiário tanto pode salvar quanto pode matar. Por vezes, o sigilo da fonte é uma salvaguarda, por outras, a visibilidade das vítimas é seu salvo-conduto.

A publicidade é o próprio sopro de vida da esfera pública que caracteriza a vida democrática. Quando em exagero, no entanto, pode levar a queimações indevidas, frituras e incinerações de pessoas comuns ou de grandes personalidades. Philipe Breton, pesquisador francês, compara a superexposição ao efeito que o excesso de luz tem para a película fotográfica. Literalmente, a visibilidade ao extremo ?queima o filme?. Mesmo na publicidade comercial sabe-se que há um tempo-limite para a veiculação de uma campanha, sob pena de passar do surpreendente e interessante à náusea.

O foco do concurso lançado pela Fundação Pedro Jorge é, todavia, a publicidade urdida, tramada como estratégia para destruir reputações, de modo a se vencer na arena pública mediante golpes baixos, indicativos de cartões amarelos e vermelhos, se houvesse uma regulamentação capaz de advertir aos retores acerca dos excessos retóricos, ou seja, até o exercício da polêmica demanda regras de boa conduta. Por isso, vários autores que têm discorrido sobre a moralidade da democracia tanto têm-se referido à necessidade de uma ética discursiva, como dela tratam Habermas e Apel, quando nos ensinam a distinguir entre ação estratégica e ação comunicativa, sendo próprio da primeira a luta e a intransparência nas intenções e métodos e intrínseco à segunda o propósito cooperativo dos interlocutores com relação ao interesse coletivo, e não apenas dos primeiros interessados.

As nossas leis trazem, por si, as prescrições necessárias para os abusos e para os crimes de honra, ou seja, para as situações em que a peleja argumentativa descamba para o desrespeito injurioso (apelidos, xingamentos e outros recursos depreciativos); a demolição da honra (manchando indevidamente reputações); e o pior de todos os agravos, a calúnia: a acusação de crime sem a respectiva prova. Todos esses ardis agravam os danos morais e as conseqüências materiais quando amplificados pela ressonância da mídia.

Dois étimos gregos, ágon e polemos, estão na base da arte do discurso. Discursar, por sua vez, pode-se tornar agônico, quando as condições de argumentação atingem tensões extremadas. A polêmica, portanto, não pode ser uma luta em que um dos contendores possa sufocar o adversário até seu último suspiro. Mesmo entre os boxeadores há o momento de parar, em cada um dos oito rounds. No ringue da opinião pública não poderia ser diferente. Mas, como devem ser as regras? Quem deve ser juiz? Bem, as respostas já são assunto para os candidatos às melhores monografias do concurso inaugurado pela Fundação Pedro Jorge, este procurador morto com três tiros, aos 35 anos de idade, mas reverenciado pelos seus pares como símbolo de integridade e destemor.

Luiz Martins integra a Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF e coordena, na UnB, o Projeto de Extensão SOS-Imprensa, serviço de utilidade pública em casos de erros, abusos e vítimas da mídia – telefone (61) 307-2024; e-mail: <sosimpre@unb.br>.

Serviço: O regulamento do concurso pode ser obtido na Fundação ou na página <www.unb.br/fac/sos>. As inscrições podem ser feitas entre 15 de julho e 31 de outubro de 2002, por remessa ou entrega dos trabalhos no seguinte endereço: FPJ/ANPR, SGAS Quadra 605, Bl. ?A?, N? 23, sala 127 – Ed. PGR, Brasília – DF, CEP – 70.200-901. Fax: (61) 321-5414; telefone: 321-1495. E-mails: <anpr@anpr.org.br> e <fpj@prr1.mpf.gov.br>. Prêmios: R$ 7 mil, R$ 4 mil e R$ 2 mil para os três primeiros colocados, além de menções honrosas aos classificados em 4? e 5? lugares."

 

RÁDIO

"72% das rádios estão nas mãos do Estado", copyright Folha de S. Paulo, 31/7/02

"É uma constatação importante. Dentre todas as mídias, o rádio é a que mais se concentra nas mãos do poder estatal.

Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano-2002, divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), 72% das AMs e FMs estão nas mãos do governo, contra 60% das TVs e 29% dos jornais.

O estudo de mídia do Pnud começa com a seguinte frase: ?Talvez nenhuma reforma seja tão significativa para fazer com que as instituições democráticas funcionem quanto a reforma da mídia?. E continua: ?Para ser livre e independente, para produzir informação factual e imparcial, a mídia precisa ser livre não só do controle estatal, mas também das pressões políticas e corporativas?.

Para nós, brasileiros, é fácil perceber -e o estudo do Pnud comprova- que a realidade está bem distante desse ideal. Por aqui, o Estado não controla diretamente a maioria das AMs e FMs, mas é raro que se tenha no dial algo livre de pressões políticas, alguma estação que não esteja inundada de interesses que passam a milhares de quilômetros dos democráticos.

O relatório diz que o liberalismo, as privatizações e o alto custo das novas tecnologias colaboram para que parte do controle estatal fosse transferido a empresas.

Mas afirma que isso nem sempre é a solução para a democracia, já que, em muitos casos, a mídia acaba caindo em monopólios familiares. A Globo, por exemplo, é citada pelo estudo das Nações Unidas como um dos maiores monopólios no mundo controlados por indivíduos e familiares.

É claro que há realidades piores do que a brasileira, e o Pnud trata de listar algumas. Em Ruanda, por exemplo, onde o rádio é a mídia mais importante, as estações foram usadas, em 94, para incentivar o genocídio. O estudo lembra ainda que o Líbano é o único país árabe que permite a existência de radiodifusão privada.

Mas isso não livra o Brasil da necessidade de refletir sobre essa questão. E de considerar uma dica importante do relatório: para acabar com uma esta&ccedccedil;ão ?antidemocrática?, basta escutar outra.

Depois de Maluf e Genoino, agora será a vez de Alckmin almoçar com os empresários de rádio. Será na próxima terça-feira, na sede da Aesp (Associação das Emissoras de Rádio e TV de SP)."