Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Renata Lo Prete

ELEIÇÕES 2002

“Só Lula escapa da artilharia no ?Jornal da Globo?”, copyright Folha de S. Paulo, 10/8/02

“Não bastassem as evidências oferecidas pelo ?Jornal Nacional?, a segunda rodada rodada de entrevistas dos candidatos à Presidência na emissora líder de audiência nada apresentou que pudesse caracterizar favorecimento a algum dos convidados.

É verdade que uma avaliação definitiva da cobertura -da Globo e dos outros- terá de aguardar o teste da reta final da campanha, quando cresce o nervosismo.

Feita a ressalva, cumpre notar que a série exibida de segunda a quinta no ?Jornal da Globo? manteve, em linhas gerais, a orientação de perguntar a cada um o que precisava ser perguntado.

Talvez ninguém tenha sido mais apertado ali do que o candidato oficial. Do insolúvel dilema ?ser ou não ser governo? à perda de apoio nos Estados, José Serra se viu obrigado a passar em revista praticamente todos os tormentos de sua campanha.

E se alguém conseguiu escapar à artilharia de Ana Paula Padrão e Franklin Martins foi Lula, não por falta de perguntas e sim pela disposição do candidato em só respondê-las com generalidades, evitando todo terreno perigoso.

Começou por homenagear a mulher da bancada, como havia feito com Fátima Bernardes no ?JN? e Márcia Peltier no debate da Bandeirantes (Duda Mendonça deve saber o que faz, mas é difícil acreditar que essa conversa, datada como um biquíni dos anos 60, resolva o problema de Lula com o eleitorado feminino em 2002).

Daí seguiu tranquilo. Haverá dinheiro para implantar seus projetos? ?Uma criança para nascer demora nove meses. Ninguém espera milagre.? O compromisso do PT com aumento para o funcionalismo? ?Adoro meus filhos, mas nem tudo o que eles pedem eu posso dar.? E a perda de arrecadação em 2003? ?Se eu fosse acreditar em matemática, teria de dizer que o país não tem jeito.?

Ainda que o conteúdo das respostas tenda a zero, pesquisas do PT e de adversários mostram que a estratégia não tem feito mal a Lula. Aparência segura e nada de se meter em encrencas. É esperar para ver se a tática funcionará também no segundo turno.

De volta ao ?JG?, os melhores momentos da série ficaram por conta de Franklin Martins, firme ao conter o ímpeto de Serra contra Ciro -?o sr. não vai dizer que as dificuldades atuais do país se devem aos 116 dias dele como ministro da Fazenda?- e ao rebater a ginástica verbal de Ciro sobre ACM – ?sua contundência nos juízos sobre as pessoas torna difícil entender quando o sr. faz as pazes por conveniência eleitoral?.

Os momentos desnecessários foram as ?pegadinhas? de Ana Paula Padrão. De Garotinho quis saber o volume do comércio entre Brasil e China. Ele ignorava. O candidato deu o troco perguntando a ela qual é a população da Coréia do Sul. Sorriso amarelo. É o que dá debater o ?Almanaque Abril? com um esperto.

A Serra perguntou os preços dos quilos do arroz e do feijão. Ele não sabia. Aparentemente, ela também não, pois teve de pegar o bloco para ler os valores. O lapso não desqualifica a apresentadora. O problema é que também nada diz contra o candidato.”

 

“As eleições esquecidas”, copyright Trópico (www.uol.com.br/tropico), 10/8/02

“Se os números representam a importância de um acontecimento, as eleições legislativas de 2002 prometem ser um evento fantástico. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 16 mil candidatos disputam neste ano os 513 postos de deputados federais e as 54 vagas para o Senado, além dos cargos em seus respectivos Estados. Tudo parece uma imensa batalha, e de fato é, mas, afinal, alguém realmente se importa com isso?

Desde a penúltima semana o TSE vem estudando o ?caso das legislativas de 2002?. O órgão está realizando um levantamento nos principais jornais impressos do país com intenção de descobrir o quanto as eleições têm sido noticiadas, discutidas, criticadas, ou, mais modestamente, mostradas na imprensa desde o dia 4 de julho, o último prazo para o registro de candidaturas.

A razão da pesquisa está no incômodo (principalmente de alguns congressistas), causado por um suposto comportamento obsessivo da mídia com os presidenciáveis, deixando a questão da renovação da Câmara e do Senado para um outro momento _que ninguém arriscaria dizer quando será.

A mídia é citada como a principal responsável pelo desinteresse do eleitorado quanto aos seus representantes (leia entrevista com o deputado Fernando Gabeira neste site). Mas ela não é única culpada. O dedo pode ser apontado também para os próprios deputados e senadores, para a demora na possível implantação do voto distrital ou a necessidade de separação, no calendário, das várias eleições. Mas a razão poderia ainda ser encontrada no mais óbvio dos territórios: a história da organização partidária brasileira.

?Eu acredito que a mídia não tem se voltado para as eleições parlamentares porque elas são menos interessantes do que a corrida presidencial?, diz Juliette Kerr, economista do World Markets Research Centre (WMRC), grupo especializado em informações econômicas e políticas para investidores e governos, cobrindo 186 países.

Quando Kerr, analista do mercado latino-americano, usa a palavra ?mídia?, ela não está se referindo apenas à imprensa brasileira. A ausência de interesse pelas legislativas brasileiras é um sintoma (disse ela, de Londres, a Trópico) fácil de ser encontrado entre os jornalistas do Ocidente.

O motivo, fala Kerr, está no fato de que ?a natureza da política brasileira é a da fragmentação, na qual lealdades regionais são algumas vezes mais fortes do que a filiação partidária. Talvez por isso não seja realmente importante saber qual partido conseguirá o maior número de cadeiras no Congresso. E, ainda, quem vencer a disputa presidencial será obrigado a fazer uma aliança para que a legislação seja aprovada?.

Será esse um assunto também muito distante das preocupações dos investidores internacionais, assim como, aparentemente, dos próprios eleitores brasileiros? ?No front internacional, os investidores estão mais preocupados em saber como as políticas econômicas adotadas pelo novo governo terão impacto na habilidade do país em continuar honrando seus débitos externos -porque, se o Brasil entrar em moratória, isso terá sérias implicações nos mercados mundiais. Nesse quadro, o déficit fiscal e em conta corrente são as áreas vulneráveis?, diz Juliette Kerr.

Nesse contexto pouco resta aos políticos, a não ser a esperança de serem salvos com a revitalização do papel parlamentar, mesmo que para isso, muitas vezes, deputados e senadores tenham que ser salvos de si mesmos.

Ao menos é isso o que acredita o cientista social Rodrigo Cintra, para quem ?a classe política como um todo está desacreditada. A distância física dos congressistas de suas bases de apoio só aprofunda a impressão de que em Brasília reinam os desvios e a corrupção. É comum, inclusive, escutar que, ?se os deputados parassem de roubar, o Brasil daria certo?. Essa idéia de que os congressistas não prestam é muito antiga, mas foi exacerbada nos últimos anos, quando importantes e conhecidas figuras públicas brasileiras viram-se envolvidas em escândalos?.

Cintra é presidente do site Consulado da Cidadania, criado em 2000 com a intenção de promover uma aproximação entre o eleitor e seu parlamentar e, mais do que isso, oferecer a chance para o cidadão de realmente interferir no mandato de seu eleito. A tarefa é cívica, e também extremamente difícil: promover a recuperação da imagem da função pública e, enquanto isso, obrigar um político a se justificar diante do eleitor.

Como, então, o Consulado da Cidadania atua? ?Na área de conscientização política, o Consulado procura oferecer uma orientação geral sobre o que é votar e quais as implicações do voto?, diz Cintra. ?Lembramos sempre que o voto não dura o tempo do apertar de algumas teclas, mas sim quatro anos. Sem qualquer orientação político-partidária, auxiliamos os eleitores na identificação de questões importantes para as eleições e esclarecemos quanto a pontos duvidosos ou falsos. Dessa forma, procuramos mostrar o que há por trás de um discurso populista e de pouca valia?.

Uma missão que não parece ser exatamente fácil, Cintra explica. ?A massa do eleitorado não tem qualquer preocupação política e não gasta seu tempo acompanhando a política pelos jornais ou participando de projetos como os elaborados pelo Consulado. Para rompermos com esse ciclo vicioso, fazemos campanhas sobre política dentro de escolas de ensino médio (que têm um poder multiplicador grande): elaboramos a cartilha ?Por Que É Importante Saber Votar??, que oferece dicas práticas sobre as eleições, e discutimos nas salas de aula o que é uma eleição e para que serve; o resultado tem sido muito bom?.

Do outro lado da questão, o balanço é menos positivo. Cada deputado e senador possuiu um telefone e um e-mail, que deveriam ser usados, em teoria, para comunicar com o eleitor. Mas, segundo Rodrigo Cintra, uma mensagem é respondida, quando isso acontece, depois de um mês. ?Em geral, as intervenções não chegam a eles, parando na burocracia do gabinete ou em algum assessor. O processo de transição da democracia delegativa para a participativa demora um tempo e ambos os lados devem aprender a trabalhar com isso, mas a pressão eleitoral indica que caminhamos nesse sentido?, diz ele.

Enquanto a nova realidade não chega, tanto candidatos quanto eleitores terão que lidar, nesta eleição, com aquilo que possuem. Algo que deveria ser uma parceria terminou se convertendo em distância e descaso, provocados por uma estranha forma de inimizade, na qual um lado jamais poderá recusar o apoio do outro.”

 

“O debate frio dos presidenciáveis”, copyright Trópico (www.uol.com.br/tropico), 10/8/02

“No Brasil, a televisão é considerada instrumento mais que estratégico nas campanhas políticas. É como se a TV possuísse uma aura meio mágica, incerta, difícil de controlar, mas unanimemente reconhecida como decisiva.

O poder da TV é inegável. Mas suas regras de funcionamento, sua capacidade de gerar fenômenos, de manipular idéias, de pairar acima do jogo político concreto, da substância das propostas é disputada.

Nesse jogo de técnica, marketing e força política, estilos publicitários cuidadosamente escolhidos, testados e avaliados através de sofisticadas técnicas de pesquisa de opinião, vão conviver com o inesperado que aparições ao vivo, ainda que raras, carregam.

Estamos em contagem regressiva para o início do horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão, no próximo dia 20 de agosto. Diariamente o corpo a corpo de cada um dos candidatos com os eleitores é registrado em rápidas seqüências editadas de maneira a garantir mais ou menos o mesmo destaque para cada um dos candidatos, quase que independente do assunto e local específico a que se dediquem.

As aparições ?frias? se alternam com raras interações ao vivo. Candidatos se apresentaram para entrevistas ao vivo nos principais telejornais. Tivemos o primeiro debate no último domingo (dia 4 de agosto de 2002) na Rede Bandeirantes.

Debates eleitorais também carregam certa dose de ?frieza?, são cheios de regras. Tempo rigidamente definido para perguntas e respostas, réplicas e tréplicas. Mecanismos intrincados definem quem pergunta a quem e em que ordem. Negociações detalhadas precedem cada um desses programas.

O bate bola ágil que vemos diante das câmaras é precedido de intensas negociações da chamada ?produção?, essa entidade misteriosa que atua nos bastidores, garantindo o bom funcionamento de programas de auditório, ?reality shows?, e porque não, debates presidenciais.

Mesmo cheios de regras, debates são ocasiões raras em que podemos observar os candidatos interagindo ao vivo. É como se nessas ocasiões aflorasse com algum vigor a atmosfera que vigora em cada momento da campanha.

No primeiro debate televisivo entre os candidatos a presidente a conversa foi mansa. A sensação é a de que todos concordam em torno das principais questões: é preciso crescer, criar empregos, investir em exportação, especialmente de produtos agrícolas. Uns possuem maior clareza que outros sobre como operar políticas que levem a esses objetivos.

Todos concordam sobre a gravidade da crise, de resto, mal qualificada. Não são as propostas que definem as posições dos candidatos, uns em relação aos outros. É a posição de cada um nas pesquisas que define sua estratégia de posicionamento.

Lula paira acima. Como candidato com maiores chances de passar ao segundo turno, e confiante em suas chances de vitória, o candidato quase que se coloca na posição de governo. Paradoxalmente, partem dele as declarações mais otimistas sobre a situação do país.

Ciro e Serra disputam ferrenhamente a outra vaga no segundo turno. Ambos compartilham a condição de partícipes do amplo grupo político que, no poder desde o fim do governo de Collor, realizou o projeto de controlar a inflação e redefinir os contornos do Estado brasileiro.

Da troca de acusações pouco substanciosas, pouco se depreende das razões que por hora separam os dois candidatos. É na composição de cada uma dessas candidaturas que se delineia a divergência -um reúne a dissidência, no mais das vezes provocada por escândalos, e outro deveria apontar a continuidade.

Mas, curiosamente, alianças, um tema caro às eleições de 1994 e 1998 parece não emplacar dessa vez. Garotinho, que não tem nada a perder, dedica-se a denunciar a impureza das alianças de Lula e Ciro. Sua verve cai no vazio, como amistosamente aponta Lula.

A campanha na TV pauta o cronograma eleitoral. Ao vivo, ou editada, enquanto meio de comunicação, a aparição televisiva pode vir a ser decisiva, mas seguramente não será capaz de preencher o vazio de propostas e diagnósticos que caracteriza a campanha.

O Brasil mudou. Sem inflação, com todo um contingente da população incluído no mercado consumidor -como diz Lula, novos cidadãos- o país enfrenta uma nova ordem de problemas, tão ou mais perversos que os de então. O aumento dos índices de violência, o fortalecimento de poderes armados paralelos ligado ao tráfico, indicam um tecido social esgarçado e pedem ousadia política, editada e ao vivo. (Esther Hamburger é antropóloga, professora do departamento de cinema, televisão e rádio da Universidade de São Paulo (USP) e editora de ?Trópico?)”