Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Sandro Guidalli

ENTREVISTA / NAHUM SIROTSKY

“De Ramat Aviv, Nahum Sirotsky”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 6/8/02

“?Horrores além da imaginação em Jenin? – O Estado de São Paulo (19/04)

?Ministro palestino quer investigação sobre massacre em Jenin? – Globonews.com (16/04)

?Pas de massacre a Jenine, estime l?ONU? – Le Figaro (02/08)

Ansiosa por culpar Israel pela escalada do conflito no Oriente Médio, a maior parte da imprensa mundial não pensou duas vezes em embarcar na versão logo amparada pela ONU de que Jenin havia sido palco em abril de um massacre palestino com mais de meio milhão de vítimas dos tanques de Sharon.

O desmentido veio na semana passada através da própria ONU, três meses depois de seu coordenador especial para os territórios ocupados, Terke Roed-Larsen, ter dito que os horrores em Jenin se situavam ?além da imaginação?.

Mas o relatório da ONU, que culpa os dois lados pela escaramuça que agora se sabe resultou na morte de 75 pessoas (52 palestinos e 23 judeus) chega tarde. A ?barriga ideológica? (barriga, no jargão do jornalismo, quer dizer um tremendo erro de informação) da imprensa esquerdista já foi consumada e não se sabe se todos os seus responsáveis terão a honestidade necessária para dizer agora: sim, nós erramos, não houve massacre algum.

É do correspondente do Le Figaro em Jerusalém, Thierry Oberlé, aliás, uma das boas observações sobre o episódio do massacre que não houve em Jenin. Diz ele num de seus últimos relatos que israelenses e, sobretudo palestinos, estão cada vez mais enroscados em suas próprias ?pièges médiatiques?, ou seja, em armadilhas midiáticas criadas por eles mesmos.

Completaria eu dizendo que a estas armadilhas estão cada vez mais implicados a própria mídia, as ONG?s e os observadores internacionais da ONU no Oriente Médio, todos eles já decididos a fazer dos homens-bomba do Hamas os novos heróis da luta contra o ?imperialismo? capitalista americano e seu aliado na Terra Santa, Israel.

Mas do ponto de vista dos leitores, como fugir então do esquema jornalístico montado pela ONU, as ONG?s e de boa parte da imprensa mundial? Talvez nos reste uma saída: ler textos e obter informações de jornalistas independentes. Um deles é Nahum Sirotsky, um dos meus correspondentes preferidos. Vive em Israel e tem excelentes fontes de trânsito mundial.

Leio seus textos em boletins por e-mail muitas vezes antecipando o que só irá chegar por aqui horas mais tarde. É dono de um texto enxuto e claro, que não apenas informa mas explica de forma absolutamente imparcial.

Gaúcho, começou em O Globo aos 17 anos. Aos 19, já era correspondente nas Nações Unidas. Ex-Visão, Senhor, Estadão e JB, Nahum Sirotsky é uma das raras fontes brasileiras na região mais belicosa do planeta que sabe do que se passa e não se baseia apenas em agências internacionais para trabalhar.

Troco a estrutura inteira da TV Globo em Londres pelo pequeno escritório do Nahum. Abaixo, esta coluna publica recente entrevista que fizemos por e-mail. Quem quiser receber seus boletins, favor escrever para guidalli@bol.com.br.

Sandro Guidalli – Começaria por perguntar a respeito do teu dia-a-dia em Israel. Aonde você vive e como é o seu trabalho aí…

Nahum Sirotsky – Vivo num bairro de Tel Aviv chamado Ramat Aviv. Durmo às 3 ou 4 da madrugada pois Israel está seis horas à frente e não gosto de mandar informação dormida. Tudo o que escrevo é atual. Leio os jornais do Brasil antes de vocês acordarem. Passo os olhos, na Web, por publicações de todo o Oriente Médio em inglês e francês. Não leio árabe, compreendo hebraico que não leio. Depois leio jornais locais e revistas internacionais como Foreign Affairs e semanário do al Ahran, do Egito.

Escolho o que vou analisar e entro em pesquisas. Não raro artigo meu, curto, implicou em horas de trabalho. Escrevo pela madrugada. Só escrevo durante o dia quando acontece algo que não pode deixar de ser imediatamente analisado e explicado. Uso Net, telefone, televisão, rádio. Tenho fontes confiáveis em ambos os lados. Tive a sorte de fazer amizades preciosas em minha vida profissional. Nunca traí uma fonte. E elas agora estão em altas posições e me atendem com carinho.

SG – Para quem você escreve hoje e qual a reação dos leitores?

NS – Meu principal veículo – onde tenho total liberdade – é o Último Segundo (iG), onde sou colunista. Falo também na Rádio Gaúcha e escrevo para o Zero Hora. Homem de jornal de papel a vida toda, me espanta o alcance do iG. Recebo e-mail dos lugares mais inesperados como Manchúria, Rússia, China, Sri Lanka etc. Comentam meus escritos, criticam, pedem informações. Procuro atender a todos. Mas o dia não dá. Sou obrigado a atrasar certas respostas. Há dias que recebo mais de cem e mails de leitores. E eu não passo o meu para ninguém.

Quando falto um dia, recebo reclamações. Os públicos que dão mais dor de cabeça são judeus e árabes. Os judeus acham que por ser um deles, devo escrever propaganda. Os maometanos acham que não critico Israel o suficiente e chamo os grupos classificados de terroristas de terroristas. Recebo muitas ameaças de morte e promessas de acerto de contas quando me encontrarem no Brasil. Acho engraçado. As apreciações que mais me agradam são as dos que, pelos nomes, devem ser cristãos. Professores, brasilianistas e especialistas no islã.

SG – Gostaria que você falasse um pouco sobre a cobertura do conflito em Israel. De que maneira os jornalistas locais trabalham?

NS – Os colunistas da imprensa têm liberdade de opinião. São gente do mais alto nível cultural, diplomados em relações internacionais, economia, história etc. Sharon apanha muito. Existem três canais de TV. Um é tipo BBC. Outros têm publicidade. O mais agressivo na critica ao governo é o estatal. Censura, só a militar, de informações que possam ajudar o lado oposto.

Quando uma área é qualificada de zona militar, nela não se pode entrar. Mesmo as de livre acesso escondem perigos. Nem todos podem ler ?Press? à distância. Tenho ido menos devido a ter sido atingido por uma certeira pedrada de um garoto árabe. Quando o garoto levantou a funda e preparou o lançamento eu pensei: ?sei como Davi pegou Golias?. E a pedra veio direto ao meu joelho. Caí de dor. Os soldados me criticaram por não ter tido cuidado. Dei um jeito de cair fora do lugar onde estava sem permissão.

Quiseram operar e não deixei. Precisaria do tempo que Ronaldo levou para se recuperar. Não tenho a mesma idade. Seria desperdiçar tempo andando de duas muletas por muitos meses. Optei pela dor.

SG – Todo o trabalho dos correspondentes brasileiros que estão na Europa está baseado em agências internacionais, já que poucas vezes há incursões no Oriente Médio. Quando isso ocorre, há perigo de vida inclusive para os repórteres, como aconteceu recentemente com a equipe de Caco Barcellos. Gostaria de sua análise, portanto, sobre a qualidade das informações que chegam até os brasileiros, baseada, como já falei, em agências internacionais.

NS – O correspondente do estilo tradicional não pode mais fazer um bom trabalho. A mídia mais rica sustenta equipes. Israel é grande centro de informações e as agências têm muita gente aqui. Considero ridículo tentar competir. O que faço é jornalismo que chamo de informativo-educativo que, no meu ver, deveria ser função da m&iaciacute;dia nos dias correntes em que o indivíduo é afogado em fatos e não tem condições de compreender o significado.

Não se pode cobrir região alguma sem conhecer sua história, costumes, religiões e, mais do que nada, os mitos predominantes. Não me limito a Israel. Procuro colocar os acontecimentos em contexto mais amplo.

Tento desenvolver uma linguagem adequada à Internet. Procuro economizar tal esforço do leitor. Ele vive num mundo mais do que complicado. Tento simplificar a compreensão do que acontece na minha área de cobertura. E aviso sempre que esta história de objetividade é besteira. Só serve para números, e nem sempre. Cada um escreve com o que sabe, sente e pensa para um público que só entende com o que já sabe. Nos meus textos procuro facilitar o entendimento.

O Caco é excelente repórter. O motorista do carro deve ter feito besteira. Nunca se passa onde existe fogo cruzado que acaba sobrando para os inocentes. Me acertaram o joelho porque, bestamente, fiquei apreciando um confronto entre soldados e garotos. O Caco, que não conheço a não ser de nome, teve muita coragem e sangue frio. Se tivesse se afobado não sairia para contar. Nas guerras você precisa de instintos de cachorro treinado e muito controle sobre os medos que todos sentimos. Vi muitas de todos os tipos. O cheiro mais forte é o da descarga intestinal. O sujo dos fundilhos do soldado não é de terra. É de não ter ido ao banheiro a tempo.

SG – Um caso em particular que gostaria de abordar com você é o de Jenin. Toda a imprensa, de matiz antiisraelense e esquerdista, noticiou que teria havido um massacre de civis nesta localidade. Mais tarde, verificou-se que houve na verdade um enfrentamento entre militares e guerrilheiros. Como fica a verdade nisso tudo?

NS – O correspondente tem de ser um craque para escapar de tomar posição. Usar agências é razoável quando se tem grande conhecimento da questão e da região. Do contrário, a cobertura é precária e tende a ser preconceituosa. Em Jenin não houve massacre. Lá fui olhar váias vezes. Houve mortes desnecessárias de civis apanhados em fogo cruzado. Nas guerras a mentira é arma muito usada e qualquer homem de relações públicas sabe que é a primeira nota que conta. Desmentido é quase uma confirmação da afirmação inicial. Não houve massacre.