ENTREVISTA – VALÉRIA MONTEIRO
“?Vulgaridade virou arma?”, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/02
“A jornalista Valéria Monteiro, que voltou ao Brasil com dois projetos: um programa sobre diversidade cultural e o lançamento de produtos
?Tento enterrar as coisas que me magoaram. Quero deixar a baixaria para trás. A melhor vingança é viver bem.?
Primeira mulher a apresentar o ?Jornal Nacional?, em 1992, a jornalista Valéria Monteiro, 37, está de volta ao Brasil, depois de nove anos morando em Nova York com sua filha, Vitória, 12. Desde que chegou, há cinco meses, ela foi sondada por SBT e Band, mas decidiu dar prioridade a uma produção independente que está tentando viabilizar. Valéria falou de sua saída do Brasil, do trabalho nos EUA e de seus planos ao TV Folha.
Por que você decidiu voltar ao Brasil?
O principal motivo foram os atentados terroristas em Nova York, que me deixaram muito assustada. Além disso, eu queria trazer minha filha, a Vitória, para conviver com as raízes dela. Como ela foi para lá só com três anos, começou a haver uma distância cultural entre nós.
Houve motivos profissionais?
Lá, eu estava produzindo documentários para o canal Discovery, mas os projetos foram adiados para março, e eu não queria esperar. Mas isso é detalhe.
Quais são seus planos aqui no Brasil?
Estou trabalhando em duas frentes: uma de entretenimento, que é um programa de TV, e outra empresarial. Vou lançar uma marca. Não posso entrar em detalhes, mas tem muita gente boa, como o Washington Olivetto, envolvida.
Como é esse programa de TV?
É uma produção independente que está sendo apresentada a diversos canais, aqui e no exterior. É um programa que mistura informação e entretenimento, tendo como tema central a comparação entre culturas diversas. A idéia é gravar em mais de uma língua, o que limita muito a participação de outras pessoas. Eu mesma seria produtora, diretora e apresentadora. Tenho conversado com várias redes, como a NBC, a Telemundo e a Globo. Queremos entrar no ar no início de 2003.
TV fechada ou aberta?
Estou conversando com ambas. Embora não exista tanto espaço para produções independentes na TV aberta, eu acredito em soluções novas. A busca pela audiência a qualquer preço desestabilizou as TVs abertas. A Globo, por exemplo, tinha audiência por sua qualidade. Hoje, a competição pelo ibope gera uma permissividade que coloca em risco a própria qualidade. Antes da TV a cabo, havia competição pelo ibope, mas era secundária. A vulgaridade virou arma na busca pela audiência.
Onde você trabalhou nos EUA?
Trabalhei no Bloomberg [canal de notícias], na NBC e nessa produtora que fazia documentários para o Discovery. Também fui correspondente da Rede TV!, mas não me deram suporte técnico.
Você apresentou o ?A Casa É Sua?, na Rede TV!, durante um período…
Eu inaugurei o programa. Voltei para o Brasil em 2000 só para isso, mas não deu certo, porque eles modificaram o programa para esse formato de hoje. E eu não me sentia preparada para voltar.
Por quê?
Quando eu saí daqui, houve uma série de eventos que me deixaram muito magoada com o mercado e com a Globo em especial. Não tinha motivação.
Quais foram os motivos da mágoa?
Passou. Tento enterrar o que me magoou. Quero deixar a baixaria para trás. A melhor vingança é viver bem.
Você fez o curso de atriz que pretendia?
Fiz sim, dois semestres. Não me aprofundei mais porque tinha de cuidar da minha filha. Quando larguei o jornalismo e fiz aquela minissérie, ?Incidente em Antares?, foi muito libertador. Sou cheia de fantasias que quero experimentar. Minhas participações como atriz foram todas sem embasamento. Eu tive curiosidade de entender melhor aquilo.
A TV Globo abre portas lá fora?
Não. Eu recomecei do zero, num lugar onde ninguém me conhecia. A Globo me ajudou pelo que aprendi lá dentro, mas lá fora ninguém sabe o que ela representa. Não significa nada.
Por que você foi para os EUA?
Tive vários motivos: eu estava apaixonada e queria me casar de novo, com um americano. Dois ou três anos depois que me mudei para os EUA, me separei do Paulo [Bittencourt]. Profissionalmente, não havia nada que me desagradasse naquele momento. Gostava de apresentar o ?Jornal Nacional?, mas tinha chegado o momento de me distanciar para poder me reavaliar após oito anos na Globo.
Como foi o início da sua carreira?
Foi muito duro. Cheguei à TV Globo de pára-quedas com apenas 21 anos, era muito ?naive?. Em 92, abri a bancada do ?Jornal Nacional? para as mulheres. Tenho muito orgulho disso.
Como foi participar da comemoração de 1.500 exibições do ?Fantástico??
Foi muito divertido rever meus colegas. Nove anos se passaram, e o que era duro, hoje me parece mais agradável.
Desde que voltou, recebeu propostas?
Fui sondada por SBT e Band, mas não quero nada que atrapalhe meus projetos.”
REALITY SHOWS
“O grotesco reina tolerado”, copyright Agência Carta Maior (www.agenciacartamaior.com.br), 6/8/02
“O triunfo da banalidade espelhada nos reality shows não é gratuito. Tem lastro na história da programação televisiva e mesmo das artes ditas cultas – claro que nessas a estética do grotesco sempre teve um outro sentido. No fundo, a celebrização fácil esconde a tática de incentivar o consumo. É a indústria do entretenimento tentando expandir seu público e, por extensão, a quantidade de anunciantes. Essas e outras observações sobre as novas formas de espetacularização da mídia (da TV, em especial) estão em ?O Império do Grotesco? (Mauad Editorial), livro que o professor Muniz Sodré, um dos maiores estudiosos da comunicação no País, está lançando em parceria com Raquel Paiva. Ambos são professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Baiano de nascimento, Muniz Sodré virou uma espécie de oráculo acadêmico em assuntos de mídia quando cunhou o termo ?grotesco? para tratar da linguagem e da programação da TV num livro de três décadas atrás, que chega agora à 14? edição (?Comunicação do Grotesco?, Editora Vozes).
Ele resume numa frase a atual onda do grotesco: ?Antigamente, falava-se das pessoas porque eram boas, hoje elas são boas porque fala-se delas?. Confira trechos da entrevista com o professor Muniz Sodré sobre o livro:
Edson Wander -O grotesco é um fio tênue que separa a expressão individual da coletiva?
Muniz Sodré – A história da estética no Ocidente sempre lidou com aspectos elevados da obra de arte. Quer dizer, da cintura para cima, com o olhar para o céu, para o sublime. No entanto, essa produção artística que as elites reconhecem, sempre foi acompanhada de produções simbólicas que eu diria estarem mais ligadas à terra. São mais da cintura para baixo. São os aspectos de estranheza e muitas vezes de desmascaramento dessas idealizações que a grande arte faz. Então, o grotesco cobre uma gama ampla de fenômenos. Desde fenômenos grosseiros, escatológicos, referentes a fezes, urinas, monstruosidades humanas. Mas também a palavrões, a vísceras. Isso que Nietzsche chamou de ?o homem subcutâneo?, o homem fisiológico. Ninguém acha bonito, por exemplo, as veias internas de uma mulher, mas todo mundo acha bonito o braço, a perna. O grotesco é a estética desse outro lado.
EW -Quem começou a lidar com o grotesco como manifestação artística?
MS – Por exemplo, os quadros de Goya. Há outros quadros de Pieter Bruegel. Arcimboldo, que estáaacute; até na capa do livro, é o grande pintor do grotesco. Tem o grotesco depois dos românticos no século XIX, com Victor Hugo. Está também em Shakespeare, na Commedia dell?Arte. Depois entra no cinema. O cinema italiano, de um modo geral, dos anos 70, começou a fazer muito filme sobre o grotesco; e por último na televisão.
EW -Mas no Brasil o fenômeno não começa pela TV, ou começa?
MS – Não, começa nas artes também. Ele está um pouco em trechos de Machado de Assis, Lima Barreto, Nelson Rodrigues, Dalton Trevisan. Agora, a mídia, a televisão basicamente, utilizou o grotesco como uma estratégia de conquista de público. Por volta de 1968, o Brasil começa a entrar na era do consumo de massa. É nesse momento que a televisão tenta arrebanhar público. A estratégia foi começar a fazer programas diferentes, que até podiam ter alguma reflexão artística, mas com outro foco.
EW -Então ela passa a copiar o rádio?
MS – Exatamente, aquelas coisas do rádio todas viram telecoisas – teleteatro, teledrama, programas de auditório, etc. A televisão muda radicalmente a partir de 1968. Ela começa a rebaixar seus padrões de linguagem para poder alcançar um público imigrante de segunda e terceira geração, que mora na periferia do Rio de Janeiro e São Paulo. Nordestinos, gente do Sul, nortistas. E qual era o horizonte cultural dessa gente? Pouca leitura, muita tradição oral, alguma música, uma cultura de feira, de interior. E o grotesco é um compromisso, uma espécie de aliança simbólica entre a televisão, os patrocinadores e esse público. Como se a TV lhes dissesse: ?Nós lhe damos uma coisa em que os senhores se reconheçam e vocês nos dão audiência?. Então, todos aqueles programas do Chacrinha, Dercy Gonçalves, Flávio Cavalcanti, Jacinto Figueira Jr.(o Homem do Sapato Branco), J. Silvestre se voltaram para a cultura da pracinha, da feira.
EW -O que diferencia o grotesco da TV dos anos 60 do grotesco da TV de 2002?
MS – A distinção é que num Lima Barreto, por exemplo, o apelo grotesco é fundamental para entender o que é o próprio grotesco. Em Lima Barreto, a referência ao bicho, a caricatura que ele faz, servia para desmascarar e criticar certas imposturas não só do poder, a figura do poder querendo ser francês, ser europeu, o eurocentrismo do País. É uma crítica de costumes feroz. Pode-se dizer que é a mesma linha de Machado de Assis. Na televisão, o grotesco não está a serviço de espírito crítico nenhum. Ele está aí simplesmente para fingir que é realidade, para amealhar público. O grotesco aqui está como uma exploração da miséria do outro. Fazer com que se ria do sofrimento, da miséria do outro. Neste sentido, esses novos programas são uma continuação dos primeiros, da época de Chacrinha, Flávio Cavalcanti, só que em outras circunstâncias de produção.
EW -Por que Chacrinha, Flávio Cavalcanti, não tiveram problemas com a censura?
MS – Porque todo esse discurso do grotesco era despolitizado. Enquanto na música popular, os militares poderiam encontrar alusões ?subversivas?, na TV não. Era como se dissessem: ?olha como o povo é ingênuo, folclórico?. Porque esse povo que aparece na tela é sempre caricaturado. O que aparece não é necessariamente da cultura popular. E quando a autêntica manifestação popular rompe pode aparecer reduzida a espetáculos de folclore ou a parte das cores daquele espetáculo.
EW -O interesse sobre Chacrinha aumenta neste particular pelo fato de ele ter soltado pitadas de ironia sobre a exploração do grotesco?
MS – Chacrinha foi desses o mais interessante porque retomou um tipo popular, que foi o velho guerreiro, de Pernambuco, que era uma figura popular por causa do carnaval, tinha uma linguagem que se poderia perceber um certo sentido crítico e irônico. E tem o famoso episódio de Seu Sete, que eu coloquei como um episódio simbólico, porque ali foi a primeira vez que um umbandista foi apresentado daquela forma na televisão, sem que gozassem dele [refere-se à exibição na TV da umbandista dona Cacilda, conhecida como Seu Sete, em 1971. A aparição virou polêmica no País e ganhou as páginas dos jornais]. Chacrinha inovou até no aspecto dos anunciantes ao privilegiar empresas populares como a Casas da Banha.
EW -O grotesco se perpetuará na programação da TV?
MS – Ele tem resistido. É um fenômeno que data de pelo menos três décadas, com alguns intervalos e que está voltando com força. Os reality shows têm o grotesco dentro deles. Eu não diria que o reality show por inteiro é o grotesco. É pior do que o grotesco. É o espetáculo da banalidade. Tem cena de grotesco o tempo inteiro. Uma das participantes mesma definiu uma vez, e eu acho que é um espetáculo de definição, dizendo que é um programa onde as pessoas comem, falam de sexo e fazem xixi o tempo todo.
EW -É o supra-sumo da escatologia?
MS – É o supra-sumo da escatologia. No conjunto, está ali para nos mostrar que a vida é insignificante, banal e que todo mundo pode ser artista, porque não é nada. Assim, não há uma diferença entre Chico Buarque e Chitãozinho & Xororó. Mas nós sabemos que há (risos). (Edson Wander é repórter da editoria de Cultura do jornal ?O Popular?, Goiânia)”