MERCADO DE TRABALHO
“A mais cigana das profissões”, copyright Comunique-se, 08/08/02
“Uma das coisas mais interessantes e excitantes do jornalismo é a oportunidade que ele oferece aos profissionais de vaguear pelas mais diferentes paragens, seja em seu próprio Estado, no País ou mesmo por outras plagas internacionais. É um vaivém intenso, muitas vezes incerto, que hora nos tira do torrão natal em busca de uma oportunidade mais recompensadora na grande metrópole, ora nos devolve a ele, por circunstâncias que podem ser vitoriosas, ou nem tanto.
Nesta semana, a edição impressa de Jornalistas&Cia (que pode ser solicitada através do e-mail patrick@megabrasil.com.br) tem dois desses personagens, ambos com significativa experiência na grande imprensa e conhecedores da magia e percalços de nossa instigante, desgastante e muitas vezes frustrante atividade profissional.
Falo de Cláudio Arreguy, colega que está voltando para a sua Minas Gerais, e de Luiz Augusto Michelazzo, o Mic, que, quieto lá em Reb?s (ou Ribeirão Preto ou ainda Califórnia brasileira), não resistiu à tentação (ou ao larjan) de voltar a trabalhar na grande metrópole.
Arreguy, vivendo de frilas desde que a Traffic, de J. Háwilla, decidiu descontinuar o site net.gol, do qual era editor executivo, aceitou convite do diretor de Redação Josemar Gimenez e está de malas prontas para voltar para Belo Horizonte, contratado como novo editor de Esportes do Estado de Minas. Vai ocupar a vaga de Daniel Gomes, que passará a colunista do jornal, ocupando o espaço do saudoso Roberto Drummond.
O próprio Josemar é um caso típico: mineiro da cepa, iniciou sua carreira pelas Minas Gerais, mas foi em São Paulo que ganhou projeção, primeiro como chefe de Redação da sucursal de O Globo e depois como diretor de Redação do Diário Popular. Ao deixar Minas, prometeu a si mesmo que um dia voltaria e o faria como diretor de Redação do Estado de Minas. E viu seu auto-vatícinio se concretizar há pouco mais de dois anos, quando foi convidado pela direção dos Diários Associados para assumir o comando do jornal. A experiência que teve ao trabalhar em veículos de outras cidades foi decisiva para encarar o desafio de dirigir o maior jornal de seu próprio Estado e também para que buscasse uma fórmula de trabalho, integrando talentos locais à experiência ?estrangeira?, na figura de colegas vindos de veículos de projeção nacional. Repatriar Arreguy foi, pois, uma forma de unir o útil ao agradável.
O novo editor de Esportes do jornal trabalhou mais de 16 anos no Jornal do Brasil, os últimos oito no Rio de Janeiro, e depois mais seis anos e meio em O Estado de S. Paulo, na capital paulista, passando pelos mais diferentes cargos, na área esportiva, e por três copas do mundo. Toda essa experiência, agora, ele estará levando para a imprensa de seu próprio Estado e para a convivência com as novas gerações.
O outro personagem é Michelazzo, grande polemista nas rodas de bar, sobretudo se o assunto é política, e dono de um texto brilhante e saboroso. Pois esse nosso Mic, desde que o Dr. Roberto Marinho, como costuma dizer, abriu mão de seu passe, fazendo com ele um bom acordo para que se aposentasse e deixasse a sucursal paulista de O Globo, decidiu retornar à sua velha Ribeirão Preto, de olho em qualidade de vida, no bom chopp do Pingüim, e nas belas conterrâneas temperadas pelo sol da Califórnia brasileira. Enjoou de nada fazer e buscou sarna para se coçar.
Desse modo, andou fazendo frilas aqui e ali, trabalhou na sucursal local da Gazeta Mercantil, ajudou a editar livros, e quando deu por si estava voltando a São Paulo, convocado pelos amigos Vicente Alessi, Fred Carvalho, S. Stefanni e Márcio Stefanni, para ser editor da Agência Autodata. Diz ele: ?Vim para escrever o livro dos 10 anos de AutoData, fi-lo, fui laçado e aqui estou. Fins de semanas pego o bumba para Reb?s para tirar o Ricardão do meu pedaço?.
Ciganos profissionais, estamos sempre em busca de novas e boas oportunidades, do reconhecimento, da experiência e da realização pessoal. Estejam onde estiver.”
NELSON RODRIGUES NA TV
“Nelson entra para desorganizar”, copyright Folha de S. Paulo, 11/8/02
“Dentro de dez dias, a rotina da TV será quebrada com a inserção diária, em dose dupla, do horário político obrigatório. Isso quer dizer que, para entremear os intervalos entre um comício e outro, programas são suspensos – em princípio, temporariamente – e outros introduzidos no cardápio.
Paradoxalmente, são nessas ocasiões atípicas que o telespectador é premiado com algo diferente do ramerrão ao qual a TV brasileira se agarra nos últimos anos.
Por causa da futura desorganização da grade – imposta pela legislação eleitoral – e a pretexto do aniversário de 90 anos de Nelson Rodrigues, o público do fim de noite está tendo a oportunidade de conhecer a verdadeira potencialidade do veículo TV. Sob a chancela de Brava Gente, a Globo coloca no ar, em três episódios, Traição, produzido pela Conspiração Filmes e premiado em vários festivais. Em seguida, emenda com a reprise da minissérie Engraçadinha.
Inspirados em contos do dramaturgo mais polêmico do País, os episódios O Primeiro Pecado, Diabólica (exibidos nas últimas terças-feiras) e Cachorro (vai ao ar na próxima terça), da série Brava Gente, são primorosos no acabamento. Direção, interpretação, iluminação e caracterização dos personagens impactam por destoar do antes e do depois do programa. É assim que a TV deveria agir. Fugir da homogeneização é ser democrática em relação ao público, pois inclui um segmento exigente e disposto a digerir algo mais complexo, como é o caso da dramaturgia rodriguiana.
Os que decidem a programação da Globo bem sabem e por isso é que, de tempos em tempos, surgem programas inspirados na obra de Nelson Rodrigues. A Vida Como Ela É, exibida em 1996 e reprisada nas férias (outra ocasião atípica) do ano seguinte, mereceu tratamento cinematográfico como a série que está no ar e é lembrada até hoje como um dos grandes momentos da teleficção.
A minissérie Engraçadinha, dirigida pela premiada Denise Saraceni em 1995 e que lançou a atriz Alessandra Negrini ao estrelato, volta ao ar acompanhada do embate entre os candidatos.
Menos densa do que as propostas dos presidenciáveis, a trama de Engraçadinha também não é refresco. Retrata, como em todos os textos de Nelson Rodrigues, a falsa moral da classe média brasileira para provar – como ele adorava dizer – que ?toda família tem um cadáver no armário?.
Incesto, lesbianismo, o tédio amoroso da relaç&atildatilde;o conjugal, o falso moralismo dos pervertidos, a traição e a morte, são elementos dos dois programas dessa grade. Temas indigestos, mas tratados com ironia e um certo humor (negro, claro!) que os produtores da versão para a TV souberam preservar.”
SIMONAL REVISITADO
“?Casseta? filma glória e drama de Simonal”, copyright O Estado de S. Paulo, 9/8/02
“O humorista Claúdio Manoel, do Casseta e Planeta, quer fazer drama. Em seu primeiro projeto paralelo, trabalha num documentário sobre o cantor Wilson Simonal, personagem controvertido da nossa música popular.
?Ele inventou o show biz brasileiro moderno. Foi o primeiro cantor a usar marketing, a vender um milhão de discos e fazer show em estádio. Mas morreu no ostracismo, depois da denúncia de que seria informante do regime militar.
Acusação nunca comprovada, mesmo por instituições como o Grupo Tortura Nunca Mais, a quem consultei?, conta Claúdio. ?Aí tem um drama. Como o artista mais amado do País tornou-se tão odiado? Como o homem que vendia alegria morreu de tristeza??
Cláudio tem 43 anos e entrava na adolescência quando os fatos aconteceram, entre os anos 60 e os 70. Interessou-se por Simonal ao ler Noite Tropicais, livro de Nelson Motta, sobre esse período. ?Pensei em fazer ficção, mas descobri material inexplorado, bom para um documentário. Além disso, os fatos são inverossímeis, embora absolutamente verdadeiros?, comenta o humorista. ?Simonal é um caso de delator sem delatado. As acusações contra ele têm sujeito indeterminado. É, disseram, conta-se, mas ninguém assume a denúncia. Não quero inocentá-lo ou satanizar seus acusadores, só contar como era aquela época e reabilitar o cantor magnífico.?
Simonal foi o típico músico das classes populares. Filho de uma empregada doméstica, aprendeu música em bandas militares e profissionalizou-se em bailes e inferninhos do Beco das Garrafas. Mas tinha mais talento que a média, mais voz, suingue incomparável e completo domínio da platéia. Seu primeiro elepê, Balanço Zona Sul, foi sucesso de crítica e público, e o segundo, Nova Dimensão do Samba, aumentou a dose. Tornou-se onipresente no hit parade, com versões antológicas de Lobo Bobo, de Carlos Lyra, Nanã, de Moacir Santos, País Tropical, de Jorge Ben, e Meu Limão, meu Limoeiro, cantiga folclórica. Orientado pelo publicitário Carlito Maia, foi garoto-propaganda da Shell, inaugurou estádios pelo Brasil e lançou produtos com sua marca.
Mas não era submisso num tempo em que se dizia que no Brasil não havia preconceito racial porque aqui o negro conhece o seu lugar. Ostentava riqueza e dizem que era arrogante. ?Era marrento, mas sem ideologia. Este, aliás, foi seu problema, num tempo em que quem não era contra a ditadura militar era a favor?, explica Cláudio Manoel. ?A esquerda o tratava como colaborador do regime e os militares o consideravam perigoso, por pregar a quebra de convenções. E ele se sentia um legítimo representante do black power, movimento dos negros norte-americanos pela igualdade racial.?
A questão precipitou-se por volta de 1972, quando ele, sentindo-se roubado por seu contador, Rafael Vivandi, quis fazer a própria justiça e o seqüestrou. ?Aí é que a história tem muitas versões. Ele realmente cometeu um crime, mas foi preso e pagou por isso. Só que ninguém comprova sua ligação com a polícia política, torturadores ou órgãos de repressão. E, se ele foi colaborador da ditadura, por que se deu tão mal??, questiona Cláudio Manoel. ?Outros artistas também colaboraram com a ditadura, mas se reabilitaram, como Elis Regina, e até Dom e Ravel, que faziam hinos aos militares e continuaram com suas carreiras, sem problemas. Por que só Simonal não se reabilitou??
Cláudio Manoel pretende mostrar essa sociedade, que se escandalizava quando o maestro Erlon Chaves, também negro e amigo de Simonal, mandava pela televisão um beijo a todas as mulheres do Brasil (foi preso pela ousadia).
Para isso, já descobriu de cinco horas de vídeo com o cantor em dueto com Sarah Vaughan, tocando vários instrumentos ou cantando e regendo a platéia.
Obteve com os filhos dele, os cantores Simoninha e Max de Castro, autorização para mexer nessa ferida. ?Quando eles começaram a fazer shows, o Simonal ia disfarçado, porque temia que a associação dos filhos com sua pessoa os prejudicasse?, conta Claúdio. ?Eles dizem, até morrer em 2000, que o pai se desesperava por não existir, por ter sido banido da história da música brasileira.?
Para Cláudio Manoel há passagens obscuras nessa história. Ele conta ter lido uma entrevista do produtor André Midami, então presidente da gravadora Phillips (hoje Universal) na Playboy, contando que contratara Simonal a mando de um general. ?Ainda não falei com o Midami, mas é estranho uma gravadora não querer o maior vendedor de discos do País. E, mais uma vez, não há sujeito nessa denúncia. Fala-se em um general, sem identificá-lo?, destaca. ?Trabalho há um ano nesse projeto, tenho 80% do roteiro de gravação pronto, promessa de exibição no canal a cabo Multishow e o certificado da lei do Audiovisual, mas preciso de R$ 215 mil para concluir as pesquisas e fazer o filme em duas versões, em 52 minutos para a televisão e em 75 minutos, para o cinema.?
Aí, há mais dificuldades. Apesar de seu currículo de sucessos na televisão, com o Casseta e Planeta, Cláudio Manoel não consegue receptividade nos possíveis patrocinadores. ?Nem com o Ministério da Educação, que tem um programa de filmes sobre personagens negros de nossa história. Aliás, há um rap de um grupo paulista que cita 115 artitas negros brasileiros, só falta o Simonal?, lembra Cláudio Manoel. ?É angustiante porque estou acostumado com televisão. Você escreve e o programa vai ao ar na semana seguinte. Cinema demora, mas eu espero lançar o filme até o início o ano que vem, se possível junto com uma caixa dos discos de Simonal, um projeto dos filhos dele. Estou tão envolvido com isso que sou capaz de fazer na marra. Mas com o patrocínio seria bem melhor.?”