O MERCADO E O VOTO
Gabriel Manzano Filho (*)
O tal de “mercado”, sabemos bem, não é a coisa mais santa que nos apareceu, mas às vezes tem lá suas vantagens. Como agora, quando a campanha eleitoral corre solta e ele entra em cena com o nome de eleitorado. Visto assim, de longe, é um monstro de 115 milhões de cabeças, caprichoso, volúvel, que jamais se compromete claramente com nada ou com ninguém. Tão feio quanto o outro, o do risco-Brasil e da fuga dos dólares. Suas paixões são efêmeras. As intenções, insondáveis.
Mas não tem choro: ele é quem manda, em seu nome tudo se faz. Tudo bem, já era assim em eleições anteriores. A diferença é que, agora, os institutos de pesquisa e a mídia o estão convocando para a festa muito mais cedo ? não apenas naqueles cinco minutos finais de outubro. Em pleno fevereiro ou março ele já é ouvido, pesado, medido, cheirado. Age assim no Nordeste, assado nas periferias. Já está vacinado contra algumas demagogias, pelo menos as mais óbvias. Acredita cada vez menos em mágicas. Sabe que o governo está falido, que dinheiro não cai do céu, que o FMI é amargo, mas no momento não dá pra ficar sem ele. Quer até saber (meu Deus, que atrevimento!) de onde virá o dinheiro para realizar aquelas promessas incríveis.
Enfim, esse novo “mercado” transformou a vida de presidenciável em um inferno. Já quer saber o que ele pensa, com quem anda, a quem ouve, o que andou fazendo no verão passado, se o seu cunhado paga os impostos em dia. A mídia, com todos os defeitos e distorções, o acostumou mal.
Não estou dizendo que a democracia brasileira está uma maravilha, nem que as regras eleitorais são boas, ou que os currais foram extintos. Claro que não. Basta ver, no horário eleitoral, o imenso laranjal que se oferece à visitação pública? a profusão de candidatos-laranjas, que falam o que seu mestre mandar e nem ficam vermelhos.
Mas é confortador ver como Lula, Ciro, Serra e Garotinho estão dançando miudinho para agradar, cumprindo uma agenda de condenado. Que é quase todo dia assim: levanta bem cedo; às 10 da manhã já participou de um debate no rádio e chega à Bovespa; ao meio-dia está no sindicato dos alfaiates, às 2 da tarde chega atrasado a outro debate na OAB. Come correndo e toma o jatinho para ir fazer comício em Campo Grande, depois outro jatinho para ir discutir reforma agrária com ruralistas em Ribeirão Preto. De quebra dá 14 entrevistas e à noite está numa reunião com artistas em Ipanema, na qual tem de dizer qualquer coisa sobre a Lei Rouanet. Ao sair, o pessoal do comitê o aguarda para marcar as gravações da campanha e definir a agenda da semana que vem.
Que sorte a do Jânio, do Adhemar, do Juscelino, do Tancredo, do Lacerda e toda a caterva que emplacou tantos mandatos sem se incomodar com essas ninharias. Pesquisa, essa caixinha de Pandora assustadora, aparecia três ou quatro vezes durante a campanha inteira ? hoje são três por semana. O sujeito descobria um refrão, tipo “varre, varre, vassourinha” e ia embora, com ele, até o final. Não precisava responder, cinco vezes por dia, sobre superávit, porte de arma, barreiras à exportação, as tramóias do vice, verba para pesquisas científicas, Ronaldinho, segurança nas fronteiras, Deus, meninos de rua, CC-5.
Ah, aquilo sim que era democracia! Sem mercado!
(*) Subeditor de Nacional do Estado de S.Paulo