Geoffrey Long, analista de mídia, estudioso de transmídia e consultor de criação, esteve recentemente no Brasil, no Descolagem, evento realizado no Nave (Núcleo Avançado em Educação) que discute o impacto da mídia no dia-a-dia da sociedade do século 21. A apresentação de Long sobre o conceito de narrativa transmídia chamou bastante a atenção do público. Foi exatamente este interesse que levou a revistapontocom a entrar em contato com o pesquisador.
Transmedia storytelling (narrativa transmídia) é o nome de uma disciplina do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA. O objetivo é capacitar criadores/contadores de histórias, nos mais diferentes formatos de mídia, a desenvolverem estratégias e conteúdos que envolvam o público de maneira única: conciliando o que as plataformas de comunicação têm de melhor, porém jamais esquecendo o poder de uma boa história.
Por e-mail, ele explicou um pouco mais sobre o tema e de como é possível incorporá-lo à educação. Eis sua entrevista.
‘Um mundo ficcional massivo’
RevistaPontoCom – O que é narrativa transmídia?
Geoffrey Long – Transmídia significa qualquer coisa que se move de uma mídia para outra. As histórias sempre se moveram entre as mídias. Veja como as histórias da Bíblia, por exemplo, foram representadas e descritas nas pinturas, nas sepulturas, nos vitrais das janelas. Mas a narrativa transmídia é diferente de uma adaptação. Ela é uma história que é contada por meio de múltiplas mídias. Não se trata de contar a mesma história em diferentes mídias. Como Henry Jenkins destacou em seu livro Convergence Culture, ‘a narrativa transmídia se desdobra por meio de diferentes plataformas de mídia, onde cada texto de cada meio produz uma distintiva e valorosa contribuição para o todo’. Em outras palavras, a narrativa transmídia é uma história que usa um meio (um longa, por exemplo) para contar o primeiro capítulo, outro meio de comunicação (os quadrinhos) para contar o segundo capítulo e uma terceira mídia (um game) para o seguinte, e assim sucessivamente.
Que novos elementos essa narrativa traz?
G.L. – A narrativa transmídia permite que o narrador amplie largamente sua audiência – o fã de cinema deve se conectar à história por meio do teatro, o fã de quadrinhos deve desvendar a narração buscando o segundo capítulo na banca de jornal e o fã de jogo eletrônico, na loja de games. Cada capítulo deve ser relativamente independente. Desta forma, o membro da audiência que desvendou o segundo capítulo será capaz de desfrutar a narração que consta dos quadrinhos e ser guiado para o primeiro capítulo no DVD e para o terceiro, no PlayStation. Cada capítulo deve servir como uma ‘toca do coelho’ para que a audiência descubra a história, como fez a personagem Alice ao entrar no País das Maravilhas. O truque é fazer com que as audiências sintam que existe um mundo ficcional massivo a ser explorado por meio de uma narrativa que se desdobra através de todos os capítulos, não se sentindo trapaceadas se elas se fixam apenas no filme, na animação ou nos games.
‘Estrear com um longa’
A narrativa transmídia também fornecer um grande grau de envolvimento à audiência, que agora espera ter um papel mais ativo no processo, indo ao encontro de capítulos adicionais em outras mídias, em vez de assumirem uma recepção passiva no sofá. Isto explica porque a narrativa transmídia, como a da série Lost ou de Matrix, frequentemente, tem uma grande legião de fãs que se encontra online para discutir como diferentes partes da história se conectam. Essas comunidades de conhecimento trabalham juntas para encontrar as peças da narrativa de um quebra-cabeça, o que pode ser visto no game I Love Bees, que depende de uma inteligência coletiva em vez de um conhecimento individual. Isso permite que as histórias e a história do mundo possam ser muito mais complexas.
A narrativa transmídia também possibilita que seus autores decidam como vão usar cada mídia na contação da história. Por exemplo, um bom narrador vai considerar o que os quadrinhos oferecem a mais sobre o filme, o que o filme oferece a mais sobre a televisão, o que a televisão oferece a mais sobre os quadrinhos. Cada mídia tem forças e fraquezas. O autor da narrativa transmídia deve ser hábil para deliberar a melhor forma de usar as forças de cada meio para contar as diferentes partes da história.
Uma história com baixo orçamento deve começar pelos quadrinhos. A partir do momento em que a audiência é construída, ela deve se mover para uma mídia mais cara, como a televisão e os filmes. De outro modo, uma história com um bom orçamento de produção deve estrear com um longa para capturar uma grande audiência desde o começo. A partir daí, ela pode fazer uso de uma outra mídia, de menor custo, como os quadrinhos, para manter a audiência e estabelecer uma relação com os fãs do longa.
‘Um grande momento’
Qualquer pessoa pode ser autora da narrativa transmídia?
G.L. – A narrativa transmídia está realmente sendo implementada por causa dos métodos de produção e distribuição da mídia que estão radicalmente mais baratos, rápidos e enormemente disponíveis. A combinação – relativamente acessível das ferramentas digitais, como o DV e o programa de edição Final Cut Pro, com a banda larga e sites, como o YouTube – tem promovido uma revolução na forma como os cineastas, diretores, produtores desenvolvem seus trabalhos. O mesmo pode ser dito hoje com relação à fotografia, aos quadrinhos, aos textos e aos games.
Narradores transmídia estão percebendo o potencial que existe e utilizando estes sistemas para produzir, a preços acessíveis, uma alta qualidade de conteúdo e, em seguida, orientando o público a outros capítulos, de mesmo valor de conteúdo, mas produzidos com baixo custo e alta visibilidade de marketing, como os weblogs, os podcasts e o Twitter.
Há uma quantidade notável de oportunidades para bons contadores de histórias. É por isso que estamos vendo projetos como o web episódio Sanctuary transformando-se em programas de TV, e porque grandes nomes de Hollywood, como Joss Whedon (Buffy the Vampire Slayer, Firefly) e Anthony Zuiker (CSI) estão experimentando coisas novas fora do sistema tradicional. É um grande momento para ser um contador de histórias.
Animação oriental e ocidental
Como a narrativa transmídia pode ser utilizada na Educação?
G.L. – Absolutamente. Da mesma forma que a utilização de filmes, quadrinhos e vídeo games na narrativa transmídia oferece a ‘toca do coelho’ para que o público possa descobrir a história através de sua mídia preferida, os professores também podem usar esta mesma tática para envolver seus alunos por meio do que chamo de Educação Transmídia.
Estudar a narrativa transmídia com o The Matrix permitir que um professor prenda a atenção de um estudante que adora filmes para assistir aos três filmes da série. Outro aluno que gosta de games pode ser fisgado a jogar o Enter The Matrix no PlayStation 2. E um terceiro, que ama a animação, pode assistir ao curta The Animatrix em DVD. Em seguida, o professor pode juntar todos esses alunos, numa espécie de comunidade de conhecimento, para construir coletivamente a grande história, que teria link com todos os outros componentes.
Um professor pode usar essa tática para ensinar aos alunos como se trabalha em conjunto, em equipe, para, em seguida, provocar o desejo de os alunos se envolverem com outras mídias até então não utilizadas. Mas um bom professor mesmo pode aproveitar toda esta técnica não apenas para aproximar os alunos de um mundo ficcional criado por meio das diferentes mídias, mas também para aproximar os estudantes do processo de criação das indústrias que dão forma a estes meios de comunicação.
Os filmes de curta de animação, o The Animatrix por exemplo, em DVD, não são apenas oportunidades para se aprender sobre o mundo Matrix. Eles também servem para que os estudantes aprendam como a animação é feita, como o estilo da animação oriental difere da animação ocidental. Como os estilos da arte oriental diferem dos estilos da arte ocidental. O que os modelos de negócios são para os grandes estúdios de animação versus os pequenos estúdios de animação independente e assim por diante.
‘Uma grande experimentação’
A narrativa transmídia também contribui para a aprendizagem por meio dos seus fãs ou das chamadas comunidades de conhecimento, que frequentemente se encontram ao seu redor. Essas comunidades oferecem o que Jim Gee chama de ‘espaços de afinidade’, onde os alunos podem aprender muito sobre a escrita através de (re) imaginar a continuação das histórias dos personagens (como Harry Potter ou Edward e Bella em Twilight), num espaço mais igualitário de aprendizado do que hierárquico, de cima para baixo, a estrutura típica que encontramos na sala de aula.
Uma história transmídia pode oferecer aos estudantes em sala de aula a oportunidade de se educarem uns aos outros em diferentes tipos de mídia. Proporciona um espaço para que os alunos corram atrás de um conhecimento adicional sobre a construção das histórias fictícias, escrevam novas histórias sobre os personagens no mundo e aprendam a ver cada componente não apenas como um pedaço de uma história, mas como um objeto criado no âmbito de um ecossistema cultural e financeiro. Em outras palavras, uma história transmídia pode ser usada para promover o aprendizado entre os próprios alunos, para realizar pesquisas, para escrever os seus resultados e criar novas histórias, para compartilhar seu trabalho com os outros e pensar diferentemente sobre o problema que está sendo estudado. Quando se pensa desta forma, é fácil observar como o estudo da transmídia pode dar aos alunos uma grande experimentação do que é viver na academia.
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Jornalista