DEVER DE CASA
Diógenes Santos (*)
Num passado recente, quando a Fórmula 1 ainda era interessante e ordens dos boxes que contrariassem os princípios do esporte eram novidade, uma das equipes se destacava por sua filosofia de trabalho. A McLaren de Senna e Prost tinha por hábito definir quem seria o primeiro piloto na segunda metade do campeonato, baseada no rendimento. Isso virou dogma, e até hoje se apóia o que tem mais chances de ganhar o campeonato. Uma alternativa interessante para incentivar a competição e a auto-superação de seus pilotos.
Em tempos de eleições, vemos que os meios de comunicação fazem algo semelhante com os candidatos à Presidência. No início da corrida presidencial, tínhamos um panorama claramente definido. Lula sempre em primeiro, com larga vantagem de intenção de votos, seguido pelo tucano José Serra e o incansável Garotinho. Ciro Gomes, até então, era carta fora do baralho.
Conspira a favor de Ciro a falta absoluta de carisma de Serra. Mesmo atrelado ao atual governo, e com a promessa de manter a política econômica, ainda não conseguiu emplacar. Um tanto longe do candidato petista, Ciro Gomes era apontado como o adversário com maiores chances de derrotá-lo no segundo turno, de acordo com pesquisa do Vox Populi. Virou o "anti-Lula" da população, uma figura mitológica que sempre aparece na época de eleição, com o objetivo de conter a esquerda e dar ao país o sacro privilégio da inércia política.
Mas a questão agora é: existe alguém capaz de vencer um Lula que não se parece mais com ele próprio? Façam suas apostas.
Entretanto, ainda restava a última e mais eficaz de todas as ferramentas eleitorais, a "manipulação" eleitoral gratuita. Para se tornar de fato o "anti-Lula" é imperativo contar com os favores dos meios de comunicação. Ciro e Serra sabem muito bem disso. Assim como na Fórmula 1, a escolha do presidenciável que terá o apoio e todo o poder de influência da TV a seu favor só ocorrerá nos últimos instantes da disputa.
Por conta da casa
Muitos apostavam em que Ciro Gomes seria o protegido da mídia. Outros lembram de 1989, e não estão errados. O então candidato Fernando Collor de Melo aparecia polarizado com Lula após perder o primeiro debate. Na antevéspera, depois da exibição de partes do segundo debate pelo Jornal Nacional, já era anunciada a virada sensacional do caçador de marajás. Apesar de todo o arrojo demonstrado por Ciro, apoiado pela massa, ainda falta a ele conquistar o empresariado, que, aliás, é o motor que move os veículos de comunicação.
Sem sombra de dúvida, tanto empresários como investidores estrangeiros e principalmente representantes do FMI estão torcendo silenciosamente para que a situação prolongue seu mandato, tendo Serra como presidente. Isso aquietaria o mercado e atrairia novamente capital externo para o Brasil. A mídia, como representante do empresariado, quer o mesmo. Todavia, caso a campanha do PSDB dê com os burros n?água, a força por trás da opinião pública terá que se dividir entre PPS e PT.
Estamos prestes a presenciar uma das maiores guerras de marketing da história da democracia. Lula precisa convencer que seu disfarce vai durar pelo menos quatro anos após as eleições. A Serra resta pouco tempo para provar que tem cacife suficiente. Ciro acalenta a esperança de conquistar simpatia pelo carisma e pela imagem da namorada careca, tornando-se a segunda opção. Garotinho… bem, primeiro tem que ganhar no kart antes de pensar nos estratagemas da Fórmula 1.
Os primeiro números após o início da propaganda na TV já impressionam. A diferença entre Ciro e Serra, que já foi superior a 10%, chegou a apenas 1%, segundo o Datafolha. E é só o começo. Cabe ao eleitor sentar-se em frente à TV e colher as pérolas que serão lançadas pelos marqueteiros. Afinal, o horário eleitoral é pago por ele, mas a manipulação é por conta da casa.
(*) Aluno do 3? ano de Jornalismo do Unasp