URNA ELETRÔNICA
Pedro Antonio Dourado de Rezende (*)
O PDT entrou com mandado liminar de injunção, em 8 de agosto, no STF, no sentido de que venha o presidente do TSE a completar os passos necessários ao efetivo cumprimento de suas promessas de transparência para o processo eleitoral de 2002. Da interpelação inicial ele havia se esquivado com o argumento de que as teria cumprido na resolução 07/2002, que disciplina a apresentação dos programas aos partidos, apesar da interpelação ser um "instrumento estranho ao direito eleitoral". Nela, só cumpriu partes de duas das oito promessas. O juiz tinha prazo de 48 horas para se manifestar. Enquanto se manifestava para que o TSE fornecesse mais informações, já fornecidas, a apresentação dos programas aos partidos seguia seu roteiro kafkiano no Auditório do TSE, na semana de 4 de Agosto.
Nem todos os programas do sistema eleitoral puderam ser examinados. O sistema operacional de mais de 350.000 urnas eletrônicas, o VirtuOS, não estava disponível para análise em forma humanamente legível. Um representante de sua proprietária, a empresa Microbase, estava no recinto, mas não para mostrar o código fonte do VirtuOS. Estava lá para fazer negócios.
Em proposta expressa na forma de minuta de contrato, exigia R$ 250 mil para que os técnicos do PDT pudessem olhar o código-fonte do VirtuOS durante três dias, usando apenas os computadores do TSE. Até onde se tem notícia, nenhum fiscal lá presente aceitou esta ou outra proposta da Microbase, e ninguém examinou o código-fonte do VirtuOS.
Na eleição de 2000, o TSE argumentou que a licença de uso do VirtuOS não lhe permitia abrir seu código-fonte, que ademais não precisaria ser auditado por ser produto comercial. Entretanto, como saber se a tal coisa na urna é o tal produto comercial ou é dele derivado? E se for derivado, como saber se o foi, ou não, com inclusão de burlas fraudantes, como as exemplificadas em vários dos meus artigos?
Na gaveta da República
A primeira pergunta já foi respondida pela comissão da Unicamp que analisou o que lhe deram, negando a explicação na portaria 149/00: trata-se de um derivado. E em relação ao que vai na urna no dia da eleição, a única forma de se saber será pelo exame do seu código-fonte na origem, verificando-se a integridade do que foi examinado durante todas as etapas de transformação e transporte por que passa, até sua ação final na eleição. Se os partidos vão poder verificar é uma das promessas ainda não cumpridas. Vale notar que nada disso seria imprescindível se a apuração em paralelo dos votos impressos numa amostragem das urnas fosse levada a sério.
O VirtuOS está aí por força de terceirização num contrato entre o TSE e a Procomp, para "produção, fornecimento e desenvolvimento da urna e dos respectivos softwares" , um contrato que obriga a contratada a "ceder ao TSE, em caráter definitivo, todos os direitos patrimoniais de autoria (…) das urnas eletrônicas, que decorram da utilização direta ou indireta, pela Justiça Eleitoral, dos programas e resultados produzidos em conseqüência deste contrato" etc. Ou o TSE pagou e não levou, ou exigiu mal, ou desviou-se dos fatos ao justificar-se naquela ocasião. E nesta ocasião?
Agrava-se o quadro de 2000. Uma terceirização inconsistente, se não uma quebra de contrato, está cobrando duas vezes pelo mesmo uso do objeto ? o VirtuOS. Ela lá estava vendendo uma licença por fora do contrato, a quem precisa verificar que o programa contratado se mostra honesto. Se a justificativa é que ela vive de vender licenças, que diferença faz vender esta ou outra, uma outra licença também por fora do contrato, a quem precisa modificar o programa contratado para que fique desonesto? Ou ambas, se houver garantias de impunidade, oferecidas pelo bloqueio oficial à eficácia da fiscalização, em que o trapaceado nunca poderá saber se o que ele paga para ali ver, e o que vai na urna valer, são a mesma coisa? Muita diferença, com o valor que esta outra licença alcançaria no mercado.
Quanto à ação liminar de interpelação apresentada ao STF, repousa agora na mais famosa gaveta da República, sita à Procuradoria Geral, enquanto os holofotes da grande mídia vasculham o contrato de compra de uma fazenda no ano de mil novecentos e não sei quanto, pelo instituto que se associava com a Força Sindical, o presidente do TSE passeia pela China e as pesquisas dançam. Desnecessário estender-me, se o anteparo ideológico do leitor for o fundamentalismo de mercado. Desnecessário explicar-me, se seu anteparo for o fundamentalismo da virtude.
(*) Professor do Departamento de Ciência da Computação
da Universidade de Brasília
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