Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Marcelo Migliaccio

ELEIÇÕES 2002

“Casoy diz que o debate teve alto teor explosivo”, copyright Folha de S. Paulo, 8/09/02

“O jornalista Boris Casoy não era marinheiro de primeira viagem em debates de candidatos à Presidência -já havia mediado um embate decisivo entre Lula da Silva e Fernando Collor na eleição de 1989-, mas diz que o encontro entre presidenciáveis da última segunda-feira, transmitido pela Rede Record, foi, no mínimo, tão tenso quanto aquele. ?O risco de a coisa degringolar para algo indesejado foi maior. Os candidatos estavam muito próximos fisicamente, as provocações foram mais fortes, havia maior teor explosivo?, afirma.

A Casoy, 61, coube o ônus de decidir, no ar, o que era e o que não era ofensa, e arbitrar se determinado candidato teria ou não direito de resposta. ?Os assessores não conseguiram chegar a um consenso e me delegaram a decisão, que tinha uma margem subjetiva. Fiquei tenso, não tinha tempo para pensar e precisava decidir rapidamente, jogaram a bomba no meu colo?, diz o jornalista.

Sobre quem teria se saído melhor no encontro, Casoy afirma não ter opinião formada: ?Eu teria de assistir à fita. Na hora, estava concentrado em outras coisas. Mas acho que [José] Serra e Ciro [Gomes] perderam com aquela briga. Garotinho era franco-atirador, mostrou que tem habilidade e um humor ferino e, em alguns momentos, foi desconcertante. O Lula, a certa altura, me disse: ?Nada vai me tirar do sério nesta eleição?.

Casoy diz que em nenhum momento temeu perder o controle. ?Eu tinha poder para suspender o debate, cortar microfones… dei alguma folga no tempo para que a discussão não ficasse engessada. Eles [os candidatos] catimbaram o tempo todo, mas acho que isso faz parte, é cultural. O presidente da República tem de saber catimbar.?

Segundo Casoy, um dos méritos do evento promovido pela Record foi não começar muito tarde da noite. A decisão de não convocar outros jornalistas foi pessoal do apresentador. ?Os marqueteiros, que fazem tudo para que seus candidatos não corram riscos, não queriam dar o direito de réplica e tréplica a jornalistas. Então, eu preferi não colocar jornalistas só para enfeitar.?

A audiência -dez pontos com pico de 13, sendo que cada ponto representa 47 mil domicílios sintonizados na Grande São Paulo- foi considerada boa pelo apresentador. ?E isso não é só mérito da Record, o momento era de grande interesse por causa das pesquisas que davam a aproximação entre Serra e Ciro.?”

“Conselhos de charme e receitas de beleza”, copyright Folha de S. Paulo, 7/09/02

“Ciro Gomes e Patrícia Pillar formam, sem dúvida, um casal bem fotogênico. Os outros candidatos tratam de seguir o modelito. Além de ter Rita Camata como vice na chapa, José Serra é fotografado o tempo todo com sua mulher, Monica, e sua filha, Veronica. Lula é candidato pela quarta vez à Presidência e só agora é que Marisa passa a aparecer mais em sua campanha.

Nada contra as cenas desse tipo, sempre harmoniosas e simpáticas. As mulheres acabam se responsabilizando pela tarefa de dar uma face humana ao candidato.

Não se deve esquecer o rápido sucesso que Roseana Sarney alcançou, há alguns meses, nas pesquisas de opinião. Frustrada a sua candidatura, os marqueteiros logo notaram a necessidade de prover de algum charme as candidaturas rivais.

Uma das coisas irritantes do marketing político, e de quase todo processo de livre concorrência, aliás, é que em vez de se acentuarem as diferenças, as rivalidades, os conflitos (base, afinal de contas, da própria liberdade de escolha), todo um aparato técnico é mobilizado para tornar os adversários mais e mais semelhantes entre si.

Não é que cada candidato seja simplesmente vendido como um sabonete. É que entre o sabonete A, com lanolina e leite de aveia, e o sabonete B, com camomila e óleo de oliva, as diferenças se tornam muito desimportantes. Ao menos, entre sabonetes, as cores variam do rosa pálido ao verde água, do amarelo ao branco.

Tem um pouco essa característica a polêmica sobre o número de empregos que cada candidato pretende criar a partir do ano que vem. Oito milhões? Ou 10 milhões? José Serra quis mostrar-se incisivo. ?O PT está propondo criar 10 milhões. Se eu quisesse fazer demagogia, proporia 11 milhões. Mas aí seria um concurso de Papai Noel.?

Muito bem; fiquemos então com a tese de que prometer oito milhões de emprego não é demagogia. Ou, mais exatamente, que é apenas 80% de demagogia.

Esses números parecem justamente as estatísticas que aparecem nos anúncios de sabonete, que não mudam muito desde a velhíssima história de que nove entre dez estrelas de cinema usavam Lux.

Ocorre que, nesta campanha, os candidatos não estão apenas sendo tratados como sabonetes. A novidade é que eles se comportam como as moças que fazem o anúncio do sabonete. Deixaram de ser o produto, tornaram-se quem consome o produto.

A presença das mulheres na campanha de cada candidato não esconde um outro fato: os próprios candidatos se feminilizaram.

Lula embelezou; cerca-se de ademanes, mimos, não-me-toques. A atuação de Serra lembra a de uma tia preocupada com o sobrinho que fuma demais, a de uma diretora da escola que pinga gotinha no dia da vacinação, ou a de uma vizinha querendo esvaziar as tinas e pneus velhos do quintal. O visual de Garotinho evoca um pouco o daqueles tenores aflautados de ópera cômica, cheirando a talco e óleo de alfazema. Resta Ciro, com sua jactância de água de colônia agreste, e sua frase a respeito do papel conjugal de Patrícia Pillar, o de dormir com ele. O episódio é meio ridículo; que a propaganda de Serra explore a frase é ridículo também.

O que acontece, no fundo, é que as candidaturas seguem um duplo estereótipo feminino: o da vestal, da donzela inatacável, de um lado, e, de outro, o da… digamos, o da mulher mundana, a que topa qualquer acordo, e já mandou os princípios pelo ralo, junto com a água do banho.”

“Record encontra novo tom para debate”, copyright O Estado de S. Paulo, 8/09/02

“Um debate quente, para valer. Foi essa sensação que o debate com presidenciáveis realizado na segunda-feira, pela Record, passou para o público, acreditam profissionais e especialistas em TV.

O programa, que foi ao ar das 21h20 às 23h52, registrou um dos maiores índices de audiência da emissora no horário, 10 pontos de média em São Paulo, segundo o Ibope. Foi 1 ponto a mais do que a média alcançada pela Band em seu debate entre presidenciáveis, mês passado.

Motivos para o sucesso do programa não faltaram: da mediação diferenciada de Boris Casoy, ao fato da corrida eleitoral estar muito mais ?quente? – já que Ciro Gomes (PPS) e José Serra (PSDB) estão praticamente empatados nas pesquisas e tomaram gosto pelo ataque.

?O primeiro debate, da Band, foi uma conversa de cavalheiros, cercada de bom-mocismo e com regras que engessavam muito?, diz o crítico de TV e diretor do Vitrine, Gabriel Priolli. ?É claro que esse da Record obteve mais repercussão. Estava muito mais solto e ocorreu em um momento decisivo e quente da campanha eleitoral?, continua. ?Sem contar que foi exibido mais cedo, no horário da novela das 8 da Globo, possibilitando o acesso da população de classes mais baixas.?

Para o diretor do debate, Dácio Nitrini, o formato do programa, que não teve platéia nem bancada de entrevistadores, permitiu aos candidatos um confronto de idéias mais direto, mais interessante para o público.

?A platéia acaba desestabilizando os candidatos, agindo como torcida e interferindo na dinâmica do debate?, alega ele. ?Teve também o fator coincidência, que nos ajudou bastante. Quando agendamos o debate, não sabíamos que a data cairia bem no momento em que dois candidatos estariam empatados nas pesquisas.?

Priolli ressalta o desempenho de Boris Casoy mediando, que, segundo ele, foi importante para o ritmo do programa. Para ele, o jornalista foi indulgente em alguns direitos de respostas dos candidatos, mas soube conter a ?lavação de roupa suja? que aumentou muito em relação ao primeiro debate.

?Apesar de dar alguns escorregões, Boris foi muito bem. Desempenhou de forma eficaz o papel de jornalista mediador, não ficou como um robô, um guarda de trânsito, determinando só quem falava e quando?, explica Priolli.

?O formato também foi mais democrático, os candidatos falaram mais e entre eles. Isso é muito esclarecedor para o público.?

Próximo – O bom resultado do debate chamou a atenção das outras emissoras. A Record cedeu as imagens dos debates para todas redes, inclusive para a Globo, que chegou a usá-las em seus noticiários.

Para Priolli, o formato dos debates e dos programas eleitorais tem muito ainda o que evoluir. Para o próximo debate, agendado para outubro, na Globo, o crítico espera o mesmo clima ?tenso? entre os candidatos, só que com um formato mais engessado, típico da emissora.

?Bom seria se horário eleitoral fosse, em vez de propaganda, composto só por debates entre os candidatos, regulamentados pelo TSE. Isso é democrático.?”