Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Alberto Dines

11-S, UM ANO DEPOIS

“O caso de George Sims e Albert Vaughn”, copyright Jornal do Brasil, 7/09/02

“Os 180 anos da nossa Independência, embora data redonda, contam menos do que o 1? aniversário do ataque terrorista aos EUA. Compreensível: este teve repercussão mundial, o outro afetou apenas o antigo Reino Unido luso-brasileiro, no máximo o panorama ibero-americano. A Independência começou a ser construída antes, em 1808, nosso 2? Descobrimento. Ambos por acaso.

Hipólito da Costa, primeiro jornalista, não registra o acesso de mau humor do príncipe D. Pedro nos arredores da então pacata Paulicéia. No último volume do Correio Braziliense (o 29), pouco antes de dar por finda sua missão, o bem informado Hipólito estende-se a respeito das lutas emancipadoras na Bahia e delas salta para a aclamação do primeiro Imperador em outubro. Nem uma palavra sobre o ruidoso evento às margens plácidas do Ipiranga.

A história da humanidade rege-se por datas ou processos? O desaparecimento dos dinossauros não tem dia, mês, ano, ou mesmo milênio precisos. Foi uma seqüência de estados e situações estendida ao longo de centenas de milhões de anos. E, no entanto, marcou brutal mudança na Natureza e, portanto, na vida dos antepassados do homem. Nós.

Efemérides são úteis, têm a vantagem de simplificar periodizações, tornar a História mais gráfica, memorizável. Têm a desvantagem de esconder o curso dos acontecimentos – aquela linha, às vezes sinuosa mas sempre definida, que dá o sentido lógico da vida de nações ou criaturas.

Stefan Zweig, poeta, ficcionista e doutorado em História, desenvolveu uma série de miniaturas históricas de grande sucesso nos anos 20, 30 e 40, às quais deu o nome de Sternstunden der Menschheit, Horas Estelares da Humanidade, no Brasil publicadas como Momento Supremo. Não são flagrantes de acontecimentos espetaculares mas revelações dos bastidores, a Pequena História costurando o forro da Grande História.

O 11-S foi um desfecho trágico e compacto, momento culminante de um longo circuito articulado pelo rancor político a partir da Segunda Guerra. Não aconteceu por acaso, não foi um golpe de sorte do terrorismo religioso nem um conjunto de azares pessoais dos crentes e ateus que se encontravam nas torres do WTC ou no Pentágono. Ao contrário do que então se proclamou, o massacre aéreo não mudou o mundo – o mundo já estava em mutação acelerada.

A fenda no sistema democrático americano deu-se meses antes, na eleição e posse de George W. Bush, quando o regime escancarou deficiências até então disfarçadas. A tremenda crise no capitalismo não foi provocada pela recessão que se seguiu aos atentados. As ?bolhas? fabricadas pela especulação, a velocidade da concentração empresarial e, sobretudo, a submissão absoluta às leis do mercado ofereciam, aos observadores sensíveis, há tempos, os sintomas de um surto próximo.

As suspeitas que pairam sobre o sistema mediático internacional não foram acionadas pela decisão das redes de TV americanas de esconder corpos estraçalhados perto do WTC ou pela patriotada dos âncoras que apareciam com a bandeira ianque na lapela. As fábulas em torno do quarto avião caído na Pensilvânia e sobre o que aconteceu no Pentágono (transformadas em verdades incontestes pela reiteração) mostram que a desinformação não é nova, tem múltiplas faces e vem sendo processada em várias fontes (inclusive na academia). Os vetores que reforçam o ?pensamento único? não são maquinações únicas de Wall Street, mas decorrência das passadas maquinações no Kremlin, onde o ideal socialista foi desfigurado pela paranóia, até transformar-se na caricatura do ?socialismo real?.

Um ano depois, a avaliação sobre o 11-S continua precária porque ignora as grandes linhas que armaram a tragédia e que com ela ainda não se esgotaram. Deu-se uma catarse mas o Coro ainda não a explicou aos atônitos espectadores. O Apocalipse, nas Escrituras, não é fato isolado, decorre de uma sucessão de falências, impérios que se esgotam e desabam.

Há outras colisões em gestação, confrontos que encorpam e ganham velocidade. As horas estelares e os minutos insignificantes de amanhã estão sendo armados neste preciso instante em processos que se originam talvez na família do patriarca Abrahão, na queda de Constantinopla ou Revolução Francesa.

Antídoto para o culto à datação foi fornecido na véspera do 1? aniversário do 11-S, final de agosto, quando apareceram em Nova York dois sobreviventes dos atentados, dados como mortos, em boas condições físicas, ambos desmemoriados, atônitos, perdidos. George Sims e Albert Voughn, 45 e 46 anos, souberam que algo de muito grave aconteceu à volta deles e com eles. Não sabem o quê.”

“Dinâmica, digital e eterna”, copyright Jornal do Brasil,
7/09/02

“A seção do Webarchivist.org dedicada a 11 de setembro armazena exemplos de como a Rede se adaptou para atender a demanda por informação. Páginas pessoais viraram centros de notícias, linkando e transcrevendo as matérias publicadas nos sites tradicionais da imprensa e inacessíveis no dia. Por outro lado, as páginas noticiosas transformaram-se, visualmente, em páginas pessoais, contendo basicamente textos e poucas imagens. Até home pages destinadas à cobertura de outras áreas, como a tecnologia, dedicaram-se aos ataques durante todo o dia.

A participação dos internautas foi fundamental, principalmente nos blogs, ferramentas de publicação automática na web que criaram o conhecido ?jornalismo pessoal?. O site September 11 posts pretende criar uma lista de blogs situados em Nova York e que cobriram os atentados. O site liga os internautas diretamente para as páginas dos blogs que trazem histórias sobre 11 de setembro.

A internet também é o maior reporsitório para a mídia ?tradicional?, como no site Poynter.org que disponibiliza arquivos com as primeiras páginas de jornais do mundo inteiro, em suas edições extras e as do dia seguinte ao dos atentados. O site conta também com análises sobre a cobertura de 11 de setembro e de seus desdobramentos, por parte da imprensa. O September11News.com abrange os atentados, a guerra com o Talibã e a busca por Bin Laden, com uma lista dos discursos do presidente norte-americano George W. Bush, a reação dos líderes mundiais e os enigmas que cercam o acontecimento, como as faces surgidas em meio à fumaça das torres.

O Television archive usa a vocação multimídia da web para apresentar a cobertura televisiva de 11 de setembro por várias emissoras espalhadas pelo mundo. O site também conta com análises de especialistas sobre o papel da televisão no evento. Num quadro, dividido por datas e horários, o internauta pode acessar um banco de dados noticioso de toda a semana seguinte aos atentados – fonte valiosa para relembrar os desdobramentos dos ataques.

As investigações sobre os atentados revelaram que muitos dos terroristas moravam nos EUA legalmente e que planejaram cuidadosamente a operação, que envolveu o uso de aeronaves civis, algo inédito até o momento. 11 de setembro foi responsável por um arrocho na liberdade dos cidadãos norte-americanos, operacionalizada em novas leis, que podem ser analisadas num site especial da Biblioteca do Congresso.

Um ano depois do terror, o ground zero, como é chamada a área de Nova York destruída pela queda das duas torres, espera sua reconstrução. Para conhecer as propostas e seus detalhes, a Lower Manhattan Development Corporation criou um site especial com maquetes tridimensionais e a descrição, detalhada, de cada uma das iniciativas. Uma coisa é certa: nada de torres gêmeas.”

“11 de setembro desafiou sites de notícias”, copyright Jornal
do Brasil
, 7/09/02

“Mais do que uma prova de fogo para a internet, 11 de setembro foi um desafio para os jornalistas de sites noticiosos. Conceitos como agilidade, interatividade e convergência de mídias, essenciais para o jornalismo online, foram exigidos como nunca na cobertura.

As primeiras informações eram vagas, confusas. Surpresos, assistimos pela televisão a um avião comercial bater no prédio mais alto de Nova York. Para ilustrar a notícia, manchete imediata do site, reproduzimos as cenas da TV (com permissão da emissora) e produzimos uma imagem animada, mostrando o impacto do avião. Enquanto esperávamos notícias das agências, vasculhávamos a Rede em busca de novidades sobre o caso. Em pouco tempo chegou a confirmação de que se tratava de terrorismo.

Rapidamente, direcionamos nosso esforço para os ataques – certamente um momento histórico. A redação do JB Online passou a traduzir e checar as informações que chegavam. No espaço aberto aos leitores, começaram a chegar inúmeros comentários sobre os atentados. Com isso, decidimos trazer para a primeira página a participação dos internautas. A resposta foi imediata e valiosa.

Amigos de funcionários que moravam ou estavam de passagem pelos EUA ligaram para dar seus depoimentos ao JB Online. A informação vinha diretamente de quem estava vivenciando a tragédia, sem que precisássemos esperar pelas agências. Uma jornalista, de férias na Europa, entrou em contato com a equipe por um software de mensagens instantâneas e relatou, em tempo real, o clima de surpresa e insegurança nos aeroportos europeus. A Rede era a mídia perfeita para receber esses relatos pessoais.

O número de acessos foi tão alto que a rede do JB Online, e de outros sites de notícia, não suportou e ficou fora do ar por vários momentos durante o dia – a internet, como um todo, estava congestionada. Nem mesmo nós, dentro da redação, conseguíamos ver a página que estávamos montando. A solução foi remodelar toda a home page, já que tínhamos nas mãos uma mídia que garantia liberdade para mudar seu formato.

Desafio semelhante foi o da cobertura do seqüestro do 174, no Rio de Janeiro, na tarde de 6 de junho de 2000. Mesmo sem a dimensão global do WTC, o caso teve grande repercussão no país e nos impulsionou a fazer uma edição diferenciada do JB Online. Este foi, sem dúvida, o primeiro desafio na cobertura em tempo real. Não modificamos toda a home page mas foi criada uma área para o assunto durante o dia. Pela primeira vez colocamos no ar uma seção com opiniões dos leitores. A participação, significativa, foi usada na edição do JB, criando uma ponte entre as duas mídias.

No caso do WTC, deixamos na home page só as matérias referentes aos atentados, eliminando outras áreas. Não foi apenas uma decisão editorial, mas uma solução para tornar a página mais leve, permitindo acesso rápido na internet congestionada, formato mantido ao longo da semana. O material está disponível no site para pesquisa.”