Você abre o jornal e vê uma reportagem de página inteira. Na foto, um homem desconhecido. A manchete estampada é: ‘O homem que faz a cabeça dos políticos’. Você acha que é algo sério, e quando começa a ler as oito primeiras linhas vê que o homem da foto é o cabeleireiro oficial dos políticos do Rio Grande do Norte. Aí, você se pergunta: e daí? Pode até pensar que o jornal não encontrou nada melhor para fazer, ou que faltou assunto para preencher o jornal. Mas a realidade é outra. Existe uma intenção. Ou você acha que Natal não tem mais problemas suficientes para serem relatados do que o cabeleireiro de Vilma, Garibaldi, Agripino e Rosalba? Claro que há. No mesmo dia, 7 de agosto, os servidores do INSS estavam em greve de fome há mais ou menos 20 dias e não ganharam nenhuma nota relatando a situação. A notícia ‘relevante’ sobre o cabeleireiro saiu no Jornal de Hoje, em Natal, RN.
Mais recente, em sites nacionais, notícias do tipo: ‘Madonna passa mal em ensaio para show’ ou em jornais locais, como o Diário de Natal, ‘Casal global termina namoro’, são tão sem nexo quanto a primeira. A grande imprensa e os defensores da mesma acreditam que isso interessa aos leitores. Não interessa. Por mais que não pareça, os leitores querem informações diversas e ficar informados, por exemplo, da situação atual da saúde no seu estado e no país. Dos índices educacionais e da solução para resolvê-los. Não querem saber quem está transando com quem. Apesar de que isso interessa a muita gente.
Influência da imprensa
O fato é que a grande imprensa não faz nada por acaso, ou por coincidência. Novelas ganharam força na ditadura militar para anestesiar a população. O futebol todas as quartas e domingos também. Nada contra novela e futebol. Novela, não assisto mais, pois já assisti muito. E futebol, jogo e assisto; vejo compacto e tudo mais. Onde quero chegar? Como diz um samba de Leci Brandão, muito famoso, Zé do Caroço, ‘a televisão brasileira, destrói a gente com a sua novela’. Novelas que só entretêm. Não educam, não têm viés político. Esse viés não é para falar de política. É para mostrar uma visão crítica das coisas, da realidade. Uma visão que faça os leitores e telespectadores pensarem e não querer que eles engulam, já mastigado, o que lhes é oferecido.
O globo.com estampa na sua capa que a Moss está lançando um perfume mais cheiroso. Sim, e daí? Eu não posso comprar esse perfume, nem você. Mas isso cria uma mentalidade consumista e fútil nas pessoas, pois se a Ivete Sangalo usa, ‘eu quero usar’. É o que acontece com propagandas de cigarro e cerveja. O cara fuma e bebe, mas ao lado dele está uma mulher gostosona produzida em sala de cirurgia. Por mais que você ache exagero, isso mexe com o imaginário dos adolescentes, principalmente, e dos adultos. Se o cara fuma e bebe, tem cavalos que custam milhões, visita paisagens maravilhosas ao lado de mulheres perfeitas, eu também quero.
E se eu não posso comprar aquilo, qual é a saída? Trabalhar? Sim, para quem tem uma estrutura familiar por trás. A segunda opção, para quem não tem estudo, comida, mas tem uma televisão em casa, é roubar. Então a criminalidade é gerada não somente pelo instinto malvado de trombadinhas. E sim, por uma condição social ou pela falta dela. Não estou defendendo bandido. Apenas digo: tudo que acontece no mundo tem a influência da imprensa.
O modelo avestruz
A imprensa manipula até a hora do telejornal, dos jogos de futebol. E a publicidade é um cadáver que lhe sorri, como diz sabiamente o título do livro de Oliveiro Toscani.
A mais velha e mais conhecida das teorias jornalísticas é a teoria do espelho. Basicamente, ela diz que as notícias são o espelho da realidade. Logo que a estudamos na universidade, nos dizem que ela está ultrapassada. Por que será? Porque são os donos dos veículos que decidem o que é realidade, o que é mentira e o que é de interesse público. Não é de nosso interesse se Angélica quebrou o dedo ou se Luciano Luck faz o jantar na casa dele. Ou ainda que um brasileiro pega a Madonna. Ou se Fábio Faria, deputado federal, que não consegue formular duas frases corretas, está comendo outra gostosa. Nós queremos saber, ou deveríamos querer, sobre o dinheiro público gasto em passagens aéreas que o deputado metido a galã deu para os globais embelezar seu camarote no carnatal.
A população deve saber como andam os acordos escusos para campanha de 2010. Onde inimigos de dois ou quatro anos atrás, estão se abraçando e dando beijos da morte uns nos outros. A população deve ter um pronunciamento da prefeita Micarla [no caso de Natal] e de todos os seus aliados sobre a segurança pública da capital potiguar. E não uma omissão descarada e não relatada pela grande imprensa, no maior modelo avestruz.
Culpa é de todos
A imprensa manipula tudo. Me lembro de uma história de Assis Chateaubriand, no livro Chatô – o rei do Brasil. Em sua rivalidade histórica com a família Matarazzo, durante a segunda guerra mundial, os Associados publicaram em seus jornais a morte de um membro da família Matarazzo, lá na Itália. A família ficou em luto total. A guerra acabou e o ente querido, tido como morto, bateu à porta da mansão dos Matarazzos em São Paulo. O patriarca, que atendeu à porta, caiu para trás desmaiado.
Outra história de Chatô. Revoltado com o dono do jornal no qual trabalhava antes de virar um magnata da imprensa, Chateaubriand recebeu a tarefa de fazer uma reportagem sobre a semana santa. Antes de sair para as entrevistas chegou para o chefe de redação e perguntou: ‘É para falar bem ou mal de Jesus?’ Logo, não creia que tudo é coincidência. Quando se coloca uma notícia fútil nas páginas dos jornais, existe um interesse por trás disso e não falta de assunto para abordar.
Porém, a culpa não é só da imprensa. Se os jornais espirram sangue é porque há um interesse dos leitores. Se a TV aborda mortes ao vivo, em imagens inéditas a fim de ganhar audiência, a culpa também é do telespectador. A mídia não é boba. Ela aproveita toda a brecha que lhe é dada. Se mulheres são símbolos sexuais e seus corpos são explorados para vender revistas e dar audiência, a culpa é de todos, inclusive das mulheres que se submetem a isso.
Por fim, a culpa não é só de quem produz, mas de quem compra e de quem vende também.
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Jornalista, Natal, RN