Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A subjetividade em xeque

PESQUISAS & PESQUISAS

Entrevistas com Marcus Figueiredo e Alexandre Martins

Com a aproximação do primeiro turno das eleições, cresce a vigilância sobre o comportamento da imprensa em relação aos candidatos e partidos. A equipe do presidenciável Ciro Gomes (Frrente Trabalhista) foi a primeira a divulgar, no sítio oficial do candidato (www.ciro23.com.br), uma avaliação sobre o comportamento da mídia em relação aos postulantes à presidência da República. Segundo o estudo da Frente, o candidato oficial, senador José Serra, é o mais favorecido pela cobertura da imprensa brasileira. Também o time de comunicação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), encabeçada pelo professor da Escola de Comunicação e Artes da USP, jornalista Bernardo Kucinski, produziu seu primeiro relatório sobre o comportamento dos quatro principais jornais do país (O Globo, Folha de S. Paulo, O Estado de S.Paulo e Jornal do Brasil) na semana de 31/8 a 6/9. A conclusão é similar a do levantamento da equipe de Ciro Gomes: Serra foi o mais favorecido pela cobertura dos grandes jornais brasileiros.

Os estudos dos partidos políticos evidentemente podem ser acusados de possuírem caráter enviesado. O mesmo não se pode dizer do projeto elaborado pelo Doxa ? Laboratório de Pesquisas em Comunicação Política e Opinião Pública, do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), ligado à Universidade Candido Mendes (UCAM). O projeto do Doxa/Iuperj analisa quinzenalmente a cobertura dos jornais Folha de S.Paulo, O Globo, O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil, Estado de Minas e O Tempo, atribuindo às matérias dessses diários a qualificação positiva, negativa ou neutra em relação aos candidatos à presidência. Os resultados estão disponíveis no endereço <http://doxa.iuperj.br/>. Se a credibilidade do instituto está acima de qualquer suspeita, a metodologia do trabalho pode ser questionada.

Para esclarecer não apenas a metodologia do estudo do Doxa/Iuperj, mas também algumas questões de fundo, inerentes a qualquer trabalho que tenha como objetivo analisar o comportamento da mídia em um processo eleitoral, o Observatório entrevistou o professor Marcus Figueiredo, coordenador do estudo o Iuperj, e o jornalista Alexandre Martins, diretor de pesquisas do Instituto Brasileiro de Estudos da Comunicação (IBEC). As mesmas perguntas foram respondidas, em ordens diferentes, pelos dois especialistas. (Luiz Antonio Magalhães)

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Na sua avaliação, é possível quantificar a subjetividade de matérias jornalísticas? De que maneira?

Marcus Figueiredo ? Não. É impossível quantificar a subjetividade, seja ela manifestada em matérias jornalísticas ou qualquer outra forma de expressão humana. Em relação à pesquisa sobre a cobertura das eleições que fazemos no Doxa/Iuperj, é necessário deixar claro que nós não quantificamos as matérias jornalísticas. A pergunta posta tem um erro de origem sobre o status da interpretação da subjetividade humana, e sobre as suas diferentes formas de expressão. Em todos manuais de metodologia das ciências humanas, seja na ciência política, na sociologia, na antropologia, na crítica literária e também na atividade jornalística, é absolutamente clara a premissa da impossibilidade de quantificar-se a subjetividade. Todos que tentaram não saíram do chão. Mas essas mesmas ciências são uníssonas ao dizerem que a subjetividade humana é classificável. Toda forma de expressão é classificável segundo algum parâmetro. Assim são classificadas as obras de arte, filmes, textos literários, opiniões sobre os mais variados assuntos, os sentimentos etc. O que fazemos na nossa pesquisa sobre as eleições é classificar as matérias diretamente vinculadas aos candidatos. Como qualquer outra manifestação subjetiva, classificamos tais matérias como positivas, neutras ou negativas para a candidatura envolvida na matéria publicada. Uma vez feita a classificação, contamos o total de matérias e calculamos a proporção de cada tipo de matérias.

É possível dizer que uma matéria é neutra?

M.F. ? Sim. Há várias matérias que simplesmente descrevem ou informam sobre o candidato, nas quais o seu enquadramento e conteúdo não denotam nenhum viés. O mesmo pode ser perguntado sobre matérias positivas ou negativas a respeito de determinado assunto. Note-se que nenhuma matéria é positiva, neutra ou negativa em si mesma. Ela terá tal conotação em função de algum parâmetro. Na nossa pesquisa os parâmetros usados estão bem definidos e podem ser checados na apresentação da pesquisa, em nossa página na internet.

Nos Estados Unidos, há quem defenda a tese de que os jornalistas que cobrem política devem, em época de eleição, declarar o voto. Outra tese é a de que esses profissionais se abstenham de participar da vida política ? inclusive das eleições. Tendo em vista o contexto do jornalismo brasileiro, o que pensa a respeito dessas duas idéias?

M.F. ? Estas questões fazem parte daquelas mais polêmicas na relação mídia e política, não só no Brasil. Não tenho opinião firmada sobre se jornalistas devem ou não, necessariamente, declarar seu voto para cobrir eleições. E se ele estiver indeciso, o que fazer? Entretanto tendo a admitir que articulistas, cujos artigos são opinativos, deveriam fazê-lo. No caso da "dupla militância" a situação é mais grave. Neste caso creio que há conflito de interesse profissional, e até mesmo conflito intelectual. Não gosto da idéia de discutir os assuntos "tendo em vista o contexto brasileiro". O mundo da nossa mídia não é diferente do mundo americano, europeu, chileno ou mexicano. As grandezas e mazelas que temos aqui são irmãs das de lá.

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É possível dizer que uma matéria é neutra?

Alexandre Martins ? Uma matéria até pode ser neutra, mas o impacto que ela causa na formação da opinião do leitor nunca é. A percepção do leitor ao final da leitura de um texto de jornal é sempre positiva ou negativa. É o que o método IBEC leva em consideração quando analisa os conteúdos da mídia jornalística, com olhos do leitor, e para isso é necessário que se faça uma leitura imparcial, distanciada de interpretações vinculadas a qualquer ideologia ou instituição. Esse método permite avaliar como é formada a imagem pública de personalidades ou instituições que freqüentam as páginas dos principais veículos da imprensa.

Para se fazer análise de conteúdo corretamente é necessário pesquisar tudo aquilo o que foi publicado, e só. A partir de uma amostragem que seja significativa, cada notícia, artigo, nota, comentário etc. deve ser medida. O conteúdo de cada uma das incidências é então analisado, dele se extrai as abordagens positivas e negativas ? sendo que abordagens neutras são consideradas positivas ?, separa-se então as matérias por blocos de assuntos.

No método criado há quinze anos pelo IBEC são atribuídos pontos a cada um dos veículos de comunicação de todo o país, segundo o cadastro que deve ser diariamente atualizado. Os critérios utilizados pelo IBEC para avaliar os veículos levam em consideração o alcance do veículo segundo a sua tiragem na data de publicação de cada matéria, e ou audiência da emissora; a confiabilidade do veículo, conforme a relação tiragem-assinaturas-venda avulsa (somente para mídia impressa); a credibilidade do veículo, que reúne vários fatores desenvolvidos em sua relação com a sociedade, entre eles até mesmo a data da sua fundação.

Além de atribuir pontuações aos veículos, hierarquizando-os, o método IBEC pontua também cada matéria, segundo a localização no espaço editorial. Na mídia impressa, são atribuídos pontos diferenciados à primeira página, capas de cadernos, colunistas, páginas internas etc., hierarquizando os índices de leitura de cada espaço; e à estrutura de cada matéria: títulos (que têm maior índice de leitura), textos, fotos e legendas são medidos e analisados separadamente e também recebem pontuações diferenciadas.

Assim, como todo material foi dividido em abordagens positivas e negativas, tem-se ao final do processo um volume de pontos positivos e negativos. A diferença percentual entre eles demonstra, afinal, se a imagem pública do cliente está predominantemente positiva ou negativa.

Na sua avaliação, é possível quantificar a subjetividade de matérias jornalísticas? De que maneira? Nos Estados Unidos, há quem defenda a tese de que os jornalistas que cobrem política devem, em época de eleição, declarar o voto. Outra tese é a de que esses profissionais se abstenham de participar da vida política – inclusive das eleições. Tendo em vista o contexto do jornalismo brasileiro, o que o senhor pensa a respeito dessas duas idéias?

A.M. ? O método do IBEC é uma forma subjetiva de avaliação da imagem que a imprensa forma a respeito de determinado assunto ou personalidade/instituição. As duas idéias ? mais especificamente referente à pergunta sobre os Estados Unidos ? servem como tema para debates a respeito da imprensa americana. No caso da imprensa brasileira, os jornalistas que cobrem eleições, os repórteres que estão na rua atrás dos candidatos, são meros desconhecidos do público leitor. O que se destaca no Brasil, isso sim, são os editoriais e, no máximo, as colunas diárias sobre política. Os donos de jornais que publicam seus editoriais diariamente são, por muitas vezes, de uma parcialidade gritante. Já as matérias apuradas e redigidas pelos jornalistas estão sempre sujeitas a edições, cortes e, o que é muito comum, podem ser "derrubadas". E essa já é a restrição naturalmente imposta no cotidiano do profissional de imprensa, imagine se houvesse outras restrições determinadas pelo Estado.

O jornal é, por natureza, um meio político e isso não pode deixar de ser levado em consideração. Portanto, as teses apresentadas são absurdas. O jornalista não poderia se desvincular de suas atividades profissionais exatamente no período de eleições, momento em que o leitor necessita de informações e análises dos principais especialistas no assunto ? por menos conhecidos do público que sejam. Também sem noção é a tese da declaração do voto. Isso teria que servir para muitos profissionais de diversos setores que, de alguma forma, estão ligados ao processo eleitoral. Graças ao bom Deus esta é uma possibilidade nula por se tratar de uma ação inconstitucional.