O CHARME DA FRAUDE
Em artigo no New York Daily News de 3/9, Jack Mathews condena a iniciativa de Hollywood de filmar a biografia de Stephen Glass, jovem jornalista que no fim dos anos 90 escreveu reportagens brilhantes ? a maioria inventada. Ele lembra que ao comentar Simone, sátira sobre uma atriz gerada em computador que todos acreditam real [oitava bilheteria dos EUA na semana passada], o diretor, Andrew Niccol, disse: "Nossa habilidade para criar a fraude supera hoje nossa habilidade de detectá-la". Mathews pensou nessa frase quando soube do início das filmagens de Shattered Glass (vidro quebrado).
Escrevendo reportagens para importantes revistas como New Republic, Rolling Stone, Harper’s e George, Glass foi exaltado como o novo Tom Wolfe. "Ele foi apanhado, crucificado pelos colegas e mandado à terra da desgraça", diz Mathews. Soube-se que o farsante tentava uma segunda carreira, como advogado. Toda profissão tem seu vilão, e todo vilão rende um filme em potencial. "Mas ele não é um vilão no sentido romântico do Dirty Harry de Clint Eastwood, um sujeito que viola as regras para atingir um objetivo de consciência: Glass estava simplesmente pegando atalhos para sua glória pessoal."
O verdadeiro talento de Glass foi entender as limitações de uma publicação para verificar e confirmar dados. Como já pertencera à equipe que checava fatos numa revista, sabia como enganar essa verificação e bajular editores para que confiassem nele. "O que há de cinematográfico nisso?", pergunta Mathews.
Hayden Christensen, o jovem Darth Vader de Star Wars, protagonista da futura fita, diz que o filme não vai glamourizar Glass ? "mas certamente vai, porque não está sendo feito para treinamento de estudantes de Jornalismo", lamenta o articulista. Jornalistas sempre interessaram roteiristas de cinema ? freqüentemente sob o estereótipo do intelectual beberrão. Poucos mostraram o melhor da profissão, como Todos os homens do presidente, de Alan J. Pakula, que mostra os detalhes do trabalho tedioso de Bob Woodward e Carl Bernstein no caso Watergate. Gritos do silêncio, de Roland Joffe, dramatiza as experiências do repórter do New York Times Sydney Schanberg, ganhador do Pulitzer, no Camboja de Pol Pot. Missing, O ano em que vivemos em perigo e Sob fogo cerrado exploram honestamente os riscos enfrentados por correspondentes.
Não faltam histórias de jornalistas que minam sua profissão. "Que tal Cooked Cooke (cozinheira cozida), a história de Janet Cooke, repórter do Washington Post obrigada a devolver seu Pulitzer depois de confessar que sua reportagem vencedora, sobre uma menina de 8 anos viciada em heroína, era uma invenção?", ironiza. E ninguém filmou ainda Cleaved Cliff (pedra rachada), sobre a falsa biografia de Howard Hughes escrita por Clifford Irving. "Filmes que põem os holofotes sobre os Stephen Glasses encorajam sua inclinação para a fraude."
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