Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Artur Xexéo

ELEIÇÕES 2002

"O candidato me disse", copyright O Globo, 16/09/02

"Morro de inveja dos colegas que escrevem colunas cheias de informação de primeira mão e que sempre dão um jeito de, no meio do texto, incluir expressões como ?o presidente me disse? – presidente, no caso, é o da República, claro – ou ?o ministro me confirmou?. Eu não consigo falar nem com presidente de escola de samba, quanto mais com os de repúblicas. E nunca posso imitar meus colegas de primeira classe nesse estilo ligeiramente envaidecido de mostrar intimidade com o poder. Mas hoje vou me vingar e entrar para o seleto clube dos jornalistas que escrevem… ?o candidato a presidente me disse?: o Zé Serra me telefonou!

Eu sei que o fato não tem a força de um telefonema da autoridade maior da nação. Mas, poxa, não é um qualquer. É um ex-ministro. Bem, ?o ex-ministro me disse? não chega a impressionar tanto quanto ?o ministro me confirmou?. Mas é isso o que eu tenho. O Serra me disse. E é com isso que vocês vão ter que se contentar.

O Serra ligou para comentar a coluna de quarta-feira em que eu repercutia negativamente sua participação na entrevista dada a colunistas e assinantes do GLOBO. Serra parecia não ter muitas propostas concretas para a área da cultura. Pois Serra me disse que não é bem assim. Que foi pego de surpresa. Que não foi capaz de expor suas idéias. Que, como um candidato perfeccionista, não estava nada satisfeito com o resultado. Serra me disse que, na verdade, a cultura vai ser a área em que vai mais mexer.

– As áreas que vão mais chacoalhar serão esporte e cultura – me garantiu o candidato.

Em seguida, Serra fez algumas críticas à Lei de Incentivo à Cultura. Foram críticas discretas, como convém a um candidato da situação. Disse que a lei precisa ser aperfeiçoada. Lembrou que de cada R$ 5,5 que o governo gasta com cultura, R$ 3,5 vêm da renúncia fiscal das leis de incentivo.

– No entanto, não há uma orientação – criticou o candidato do PSDB. – É preciso definir uma política para isso.

Em outras palavras, o que o candidato quis dizer é que, se for eleito, a possibilidade de empresas aplicarem dinheiro de renúncia fiscal em cultura dependerá de o projeto satisfazer os interesses do governo.

– E o seu eventual governo estará interessado em quê, candidato?

– Levar manifestações artísticas mais sofisticadas para o povão.

Serra me disse ainda que não está muito satisfeito – ou está discretamente insatisfeito – com a maneira com que empresas estatais aplicam dinheiro em cultura.

– As estatais caminham de maneira autônoma – espanta-se o candidato, lembrando que elas gastam dinheiro público duas vezes, por serem estatais e por usarem a renúncia fiscal.

Em outras palavras de novo, caso seja eleito, os gastos culturais com o dinheiro público promovidos por Petrobras, Correios, Caixa Econômica e que tais serão orientados.

– E os museus federais, candidato? Seus diretores estão sempre reclamando que não têm dinheiro.

– Aí não é falta de dinheiro. É incompetência – me disse o Serra.

Em outras palavras mais uma vez, um eventual governo de continuidade não significará mais verbas para o Ministério da Cultura.

Serra não me adiantou quem seria seu ministro da Cultura – aposto em Artur da Távola – mas me garantiu que será ?um sujeito legal?.

– Ou você tem um sujeito legal ou um maluco como o Collor teve e que destruiu a cultura – me disse o candidato. – Como era o nome dele? Era o mesmo nome de um ponta-de-lança do Vasco… Ipojucan!

O ponto-de-lança está certo, Serra. Mas o ministro era Ipojuca.

***

O Serra só não me disse se votaria num candidato apoiado pelo KLB. Qualquer dia eu pergunto.

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Serra não critica o atual ministro Francisco Weffort. Não ficaria nem bem. Mas como eu não sou candidato a nada, muito menos da situação, permito-me esse direito. Ô ministrinho sem graça. Há oito anos com a pasta, não dá para dizer que ele destruiu a cultura. Mas não dá para dizer também que seja um sujeito legal. Não dá para dizer nada, até porque Weffort não ouviria. Está sempre viajando. Agora mesmo, sua assessoria anuncia que o ministro estará, amanhã e depois, em Istambul, participando da Terceira Mesa-Redonda de Ministros da cultura, que terá como tema central O patrimônio cultural imaterial – Espelho da diversidade cultural. Não é fundamental? E já que estará fora, Weffort aproveitará para, na sexta-feira, ir a Paris para o lançamento do ?Guia de fontes – Para a história franco-brasileira?. Mais fundamental ainda. Depois vem o fim de semana. Acho que ele vai dar uma esticada porque ninguém é de ferro…

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Como esta coluna luta pelo aperfeiçoamento democrático, conto na quarta-feira o que foi que o Ciro Gomes me disse. E o Lula? Bem, o Lula vem aqui na sexta-feira. Aí eu pergunto. A não ser que ele me telefone antes. Aí a Miriam Leitão corta os pulsos."

 

"Voto No Ar", copyright O Globo, 16/09/02

"Números podem ser numerais ou teatrais. Às vezes, são ambos. O horário gratuito eleitoral resume-se a uma síntese entre números numerais e números teatrais. Seguem alguns exemplos, recolhidos ao acaso dos programas de ontem.

Serra explicando como vai chegar a oito milhões de empregos, por exemplo, é um número teatral e é uma estimativa numeral.

Gugu monitorando o painel de números, passo a passo, do zero aos oito milhões, é um número teatral, estilo roda-pião de Silvio Santos.

Rui Costa Pimenta dizendo que a Constituição determina um salário-mínimo suficiente para a vida digna de uma família não é um número. É uma incógnita.

Mas Rui Costa Pimenta dizendo que todos sabem que o valor da incógnita é R$ 1.500 é um número teatral e um número numeral arbitrário. Por que R$ 1.500 e não metade, ou duzentos reais a mais, ou o dobro? Se considerarmos o salário-mínimo francês, por exemplo, algo próximo a mil dólares seria o valor digno. Eu acho digno, para todo mundo. Chama o Gugu para detalhar, Rui. Ou então vamos fixar um valor, constitucionalmente, através de planilha orçamentária familiar, e resolver logo a equação.

Ciro dizendo que empossou mulheres em cinco secretarias enquanto FH não teve uma ministra sequer é um comparativo de conjuntos numerais.

Ciro insinuando sutilmente que as mulheres são mais inteligentes que os homens é um número teatral, estilo ?quem sabe mais, o homem ou a mulher, vamos ver quem é, quem é? (musiquinha). Só que falta tirar a prova. Assim não vale.

Lula em campanha de TV tem sido um número teatral perfeito, complexo e, no que toca à sua correspondência numeral, por vezes impossível, daqueles que definem o cubo de colunas cruzadas de Escher. Ou um número que concilia extremos num dado conjunto global, com a resultante zeradinha.

À platéia, o ônus do número definitivo."

 

"A proposta é bater", copyright Folha de S. Paulo, 16/09/02

"A acreditar no que anunciam os tucanos, mudou o tom da campanha eleitoral. Resolvido, avaliam, o problema com o ?mentiroso? e ?desequilibrado? Ciro Gomes, a conversa com Lula será outra.?Vamos debater, sem ataques?, afirmou Nizan Guanaes em evento recente. Afinal, o petista é, na definição do publicitário, um sujeito ?bacana?.

O debate tem como centro a questão do emprego e será, de acordo com o site de José Serra na internet, ?civilizado?.

O candidato promete criar oito milhões de postos de trabalho. Segundo sua propaganda, ?mostra na ponta do lápis? como fazê-lo. O tucano cutuca Lula por ?fugir ao debate?, já que o petista ?promete dez milhões? de vagas e ?não mostra? como criá-las.

A primeira observação a fazer sobre a anunciada nova era da campanha é que não se trata de debate. Esse pressupõe alguma dose de racionalidade, o que não combina com os bordões do horário eleitoral gratuito.

Apresentada com a lábia de Gugu Liberato, a mágica dos oito milhões parece mais simples de ser alcançada do que a ajuda a necessitados oferecida no programa dominical do animador.

No setor de turismo, por exemplo, serão 850 mil novos empregos, porque ?a idéia é aumentar o número de turistas de cinco milhões para nove milhões por ano?. Faz lembrar o slogan com o qual, em março, Serra criticava promessas de adversários: ?se fosse fácil, alguém teria feito?.

Os tucanos não são os únicos responsáveis pelo pseudodebate em curso. Em resposta à provocação dos dez milhões, o PT tem se limitado a observar que nunca prometeu nada. Apenas registrou em documentos que ?o país precisa criar? essas vagas.

De fato foram esses os termos usados, mas alguém poderia perguntar por que acenar com o número se não havia intenção de se comprometer com ele.

Central nas preocupações do eleitor, emprego é, na estratégia tucana, o ?gancho? com que se procura estabelecer a idéia da falta de preparo do petista para lidar com essa e outras questões, ou seja, para exercer a Presidência.

É contra essa percepção, manifestada por parte do eleitorado em pesquisas à disposição de todas as campanhas, que Duda Mendonça vem vacinando Lula sem parar nos programas do horário gratuito. É agarrado a ela que Nizan Guanaes buscará ?desconstruí-lo?, para usar o termo da marquetagem.

Se não for suficiente, há ainda a tática, utilizada com tanto sucesso contra Ciro, de resgatar frases infelizes do adversário.

O desafio parece maior do que o anterior. A imagem de Lula é mais consolidada e, portanto, menos sujeita à erosão que a do candidato da Frente Trabalhista. Mas, diante da eficiência demonstrada contra Ciro, não convém duvidar da capacidade ofensiva dos tucanos.

?Lula: ou ele esconde o que pensa ou não sabe o que diz.? Levado ao ar pela primeira vez na noite de sábado, esse comercial trabalha a um só tempo as questões do ?despreparo? e do ?lobo em pele de cordeiro?.

A contundência do slogan deixa claro que não se deve dar um tostão pela promessa de uma campanha ?sem ataques? e baseada em ?debates?. A mesma ladainha foi ouvida pouco antes do tiroteio vigente no horário gratuito.

No momento, Lula se dispõe a seguir ?propositivo? na televisão, ignorando os disparos de Serra. Até quando permanecerá assim? Tudo depende das pesquisas. Se alguma delas indicar sangue na água, também ele deixará de ser civilizado."