O POVO
"Desculpem nossa falha", copyright O Povo, 14/9/02
"Poucos homens são dotados da faculdade de ver; há ainda menos homens que possuem a capacidade de exprimir. Charles Baudelaire, poeta e crítico literário francês do século 19
O assunto já esteve tratado neste espaço e os fatos solicitam o retorno ao tema. No último dia 10, O Povo publicou, com erro, três quadros que representavam o resultado das últimas pesquisas do Datafolha e do Ibope. O equívoco aconteceu nos índices que envolviam os candidatos Ciro Gomes (PPS), José Serra (PSDB) e Lula (PT). Nos dois primeiros gráficos, Ciro aparece crescendo nas pesquisas quando o correto seria mostrar os novos pontos ganhos por Serra. No segundo momento, no quadro sobre as intenções de votos no segundo turno, no Ceará, houve uma troca de índices envolvendo novamente os três postulantes à presidência da República.
Como das vezes anteriores, os leitores não apenas reclamaram do erro, como fizeram vinculação a uma suposta ?intencionalidade? do O Povo em publicar os gráficos de forma errônea para beneficiar determinado candidato.
No dia seguinte, uma matéria publicada na página 11 tinha o seguinte título: ?O Povo errou e republica gráficos? e lá estava um texto admitindo a informação errada dos gráficos. Pelo equívoco, O Povo pediu desculpas aos leitores. Uma nota de Redação, que acompanhava o material, confirmava a reação dos leitores e a conotação política que o caso havia tido.
Dizia o texto: ?Rejeitamos esse tipo de posição e reiteramos que nossa cobertura eleitoral tem se pautado pela isenção. Não há apoio ou preferência a nenhuma candidatura e o destaque oferecido a cada um (dos candidatos) se baseia exclusivamente na importância jornalística do dia?.
Dos leitores
Tem sido uma leitura corrente a cada situação semelhante. Costumeiramente é feita a ligação entre o erro e a ?intenção? do jornal em beneficiar um candidato – este é sempre o Ciro Gomes – e prejudicar outro postulante – que é sempre o Lula. A maioria dos leitores fala da ?preocupação? que sente por ?essa atitude? do jornal. Uma leitora resumiu assim seu sentimento: ?Fiquei decepcionada porque O Povo é uma das melhores coisas que tem no Ceará?. Um assinante veterano disse que ?tal fato compromete a tradição do jornal?. Um deles chamou a minha atenção ao pedir para eu explicar como funcionava a edição dos quadros para que ele pudesse entender como o erro havia chegado à página.
Os fatos
Se o leitor parar um único momento para fazer uma reflexão mais apurada, perceberá que seria inútil e pouco inteligente por parte de qualquer veículo aderir a uma campanha por meio de erros de edição, de forma proposital. Não seria sensato.
Observe o quanto um erro custa para uma empresa em termos de imagem e só isso seria o suficiente para essa opção ser descartada. Em seguida, avalie o custo de admitir publicamente o erro, republicando matérias e gráficos. Tal ação é louvável quando o jornal erra, mas não seria de bom tom fazer isso de forma pensada para beneficiar A ou B.
Numa terceira avaliação, tal engodo seria tão explícito, que, nem em pensamento, teria qualquer possibilidade de ser executada, já que na própria matéria estavam os elementos que contrariavam as informações que saíram erradas. Isso sem contar que os dados já eram de domínio público desde o dia anterior.
Ou seja, os prejuízos para o jornal são infinitamente maiores do que qualquer possibilidade de benefícios, já que é a credibilidade o maior capital bem que um veículo de informação dispõe.
Insistência no erro
No entanto, devo reconhecer que os sucessivos erros que O Povo tem cometido são os principais responsáveis por essa insistente avaliação. Note que estamos num período eleitoral. O momento é de hipersensibilidade política aliada a uma cultura de desconfiança que permeia as relações entre a mídia e o poder político. Um dos leitores com quem conversei esta semana disse o seguinte: ?Depois das eleições do 1989 que envolviam o Lula e o Collor (ex-presidente Fernando Collor) passei a achar que tudo é possível?. Alguns assinantes já citaram o fato de que alguns veículos do Sudeste estão apoiando claramente e de forma determinada uma candidatura específica. É verdade. O Estadão, em São Paulo, assumiu a candidatura Serra em editorial no início do processo eleitoral. Considero tal postura equivocada por parte de um veículo, que teria um papel mais importante para a democracia, se permitisse que o jogo político fosse representado de forma a não beneficiar nenhuma das candidaturas. O jornalismo não deve estar a serviço de interesses particulares e sim de toda a sociedade. O corpo social é heterogêneo por excelência e a democracia é o sistema da convivência dos contrários.
Opção e embate
A opção do O Povo se mostrou clara desde o início em se posicionar em favor da ?isenção jornalística?. Essa leitura não se pretende pacífica, nem unânime. O material em análise é complexo dependendo do ângulo por onde se olhe a cobertura. Num dos diálogos sobre a questão, disse a um dos leitores que, em alguns momentos, acho até que em nome dessa isenção, a cobertura para presidente não tem sido muito incisiva. E vou citar o candidato Ciro Gomes. O Banco de Dados do O Povo está recheado de informações que poderiam complementar muito bem algumas das informações de agências que o jornal publica. Uma quantidade de frases de efeito memoráveis, situações as mais diversas. Seria legítimo lançar mão de tudo isso? A Redação entende que não, porque seria descompensatória em relação aos demais candidatos e a busca é pelo ?equilíbrio, o debate das propostas reais de campanha e o afastamento das intrigas e futricas eleitorais?. O último leitor com quem falei a respeito desse assunto, já na sexta-feira, afirmou o seguinte: ?o jornal tem feito um bom trabalho, mas está em cima do muro. Acho que O Povo não deve tomar partido, mas jornal existe para ser crítico?.
O tema é polêmico, no entanto, o leitor aguarda a não repetição dos erros que se sucederam até o momento."