ESCREVER BEM
Paulo Lima (*)
Certo dia, numa visita à seção de periódicos da faculdade em que curso Jornalismo, deparei-me, por acaso, com uma edição antiga da revista Imprensa. Na seção Entrevista, o convidado era nada menos do que o polêmico Paulo Francis. Fui levado pelos pontos de vista incisivos de um dos nossos mais badalados jornalistas. E uma de suas afirmações ficou repercutindo no torvelinho das centenas de dúvidas que um iniciante de curso de Jornalismo armazena em busca de resposta futura.
Francis dizia: o ato de escrever bem é um dom que carregamos conosco. Se você não nasce com o tempero certo, pode desistir.
Estou muito distante de ser um cultivador castiço da última flor do Lácio, e fiquei me perguntando se poderia fazer progressos com os métodos inculcados na sala de aula para nos direcionar no rumo da (boa) produção textual.
Éramos orientados por uma professora com uma férrea disposição para ensinar e cobrar os princípios basilares da produção textual. E, a cada exercício, contabilizávamos ganhos e perdas. Para uns, o texto que sai fácil é digno de desconfiança. Para outros, a dificuldade em escrever é que assegura a produção de um texto degustável para os leitores. Afinal, escrever bem é ou não o resultado de muita transpiração?
Nossa professora mudou de ares, retornou a sua terra de origem, mas as minhas dúvidas persistiram. Até que me ocorreu a idéia de levar a ela, na forma de uma entrevista, algumas das minhas dúvidas acerca da produção textual e outras questões sobre jornalismo e literatura.
Contrapondo a teoria de Francis às idéias de uma mestra da produção de texto no Brasil, a professora Ingedore Koch, que ressalta a confluência de fatores cognitivos, lingüísticos e sociais na escrita do texto, fiz à minha ex-professora Ester Mambrini a primeira pergunta: o ato de escrever é um dom ou um aprendizado? A resposta de Ester:
"As duas posições são muito exemplares. A do Paulo Francis, por representar aquilo que se chama ?a ideologia do dom?, romantizada no Brasil pelo jornalismo e pela literatura principalmente até os anos 80, e que (des)norteou a atuação de professores no ensino primário e secundário, e mesmo nas universidades. A escola foi ? e continua sendo, genericamente – a grande responsável pela preservação dessa ideologia: se só escreve bem quem é ungido pelo dom, então os professores não precisavam aprender a ensinar(-se) a escrever."
Continua ela:
"Nesta década é que começam a repercutir mais fortemente nas universidades brasileiras os estudos da Lingüística, com Ingedore à frente, entre outros importantes nomes. Mas nos grandes centros de pesquisa da teoria textual tem-se produzido teoria: olha-se o texto – frise-se, o bom texto de jornalistas e escritores – e identificam-se ali os mecanismos e recursos convergentes das ações lingüísticas, cognitivas e sociais de que fala a Ingedore. Só que o texto da escola não é esse texto que produz a teoria textual."
E prossegue:
"Mas sim, é possível aprender a escrever, e para esse fim, a teoria textual foi transformada em metodologia pelo Paulo Guedes, professor da UFRGS, cujo Manual de Redação e o resgate da discursividade – parte de sua tese de doutoramento – é a referência para as disciplinas de produção textual da Federal, desde o início dos anos 90 e mais recentemente em algumas escolas públicas e privadas da capital e do interior. O Manual foi também a base metodológica para a disciplina de Língua Portuguesa I, na Unit, enquanto estive atuando no curso de Jornalismo".
Sim, é possível aprender a escrever, e o "dom" que abençoaria apenas alguns iluminados não passa de mais uma dessas falácias perpetuadas pela escola tradicional no Brasil e que tanto desserviço tem prestado a gerações inteiras de estudantes.
A entrevista, publicada na íntegra na Edição 3 do site Balaio de Notícias <www.sergipe.com/balaiodenoticias>, discute ainda outras facetas do jornalismo e da literatura. Esperemos que se abra o debate a respeito deste tema tão importante ? que afeta não apenas a área de educação ?, especialmente estando o Brasil às portas de um novo governo.
(*) Estudante de Jornalismo