Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Arnaldo Bloch

ELEIÇÕES 2002

“Imagem e semelhança”, copyright O Globo, 21/10/02

“A nação do medo (do presente ou do futuro) aguardou a noite dos pronunciamentos com mãos trêmulas. Acompanhou-a com olhos rútilos para não perder a vírgula fundamental. Mas, salvo engano, Lula e Serra falaram a mesma coisa. E não disseram nada que acrescente luz nova.

Serra e Lula falaram como presidentes. Luiz, com fundão verde-amarelo, em tom de convocação geral e dizendo NÃO PERMITIR que Serra o arruíne. José, que teve toque de 5 segundos para o pronunciamento de ?Serra presidente?, em tom de grave advertência e sofrido otimismo, rogando que não permita-se que Lula leve a nação do medo à RUÍNA . Lula acusou o governo FH pelo medo em que o país ESTÁ imerso e pela volta da INFLAÇÃO, e reafirmou seu amor à legalidade e à PAZ. Serra acusou o PT pelo medo em que o país ESTARÁ imerso e pela volta certa da HIPERINFLAÇÃO, pedindo emprestada de FH a expressão ESTELIONATO ELEITORAL e acenando com a catástrofe iminente que durará QUATRO ANOS, detonada pelo ENTRE 13, ou sanada definitivamente pelo ENTRE 45. Lula chamou FH/Serra a assumirem RESPONSABILIDADES pela situação em que o país se encontra, mostrando a outra face da candidatura semi-oficial, e explicando-se melhor. Serra chamou Lula a assumir suas responsabilidades pelo que DIZ a UNS ou a OUTROS, mostrando qual é a sua verdadeira face . No fim, num ato falho de marketing, Serra disse: ?Lula é um candidato como eu?.

Das duas uma: ou um é a OUTRA FACE do outro, ou ambos são a OUTRA FACE da face original.”

“Sobre a patrulha ideológica”, copyright O Globo, 20/10/02

“Sou de uma geração que teme a patrulha ideológica. Não falo do temor de ser patrulhado. Mas do medo de patrulhar. Desde que Cacá Diegues nos apresentou a expressão, patrulhar ideologicamente tornou-se o mais execrável dos comportamentos. Patrulha ideológica e democracia não combinam. O depoimento de Regina Duarte no programa eleitoral do candidato José Serra foi criticado por todos os lados. A candidata a vice-presidente do PSDB, a deputada Rita Camata, veio em defesa da atriz. Regina foi patrulhada, denunciou. Fiquei grilado. Eu também critiquei Regina. Isso quer dizer que, contra todos os meus princípios, patrulhei?

Vem cá, que democracia é essa em que não se pode criticar a crítica? Qual é a graça de ter Regina Duarte fazendo um depoimento polêmico… porque era polêmico, não era? O Serra botou a namoradinha do Brasil no ar, dizendo que estava com medo de o Lula ganhar a eleição e, conseqüentemente, a inflação voltar aos 80% e achou que não haveria reação? Então, qual é a graça de ter Regina Duarte fazendo um depoimento polêmico se a polêmica não extrapolar o horário eleitoral?

Não me espanta ver Regina Duarte batalhando pela campanha de Serra. Assim como Beth Carvalho sempre foi brizolista, Regina sempre foi tucana. Merece toda a admiração sua atitude de cair na chuva, quando todo mundo está buscando abrigo no guarda-chuva do PT. Mesmo assim, todo mundo tem o direito também de criticar a maneira como Regina entrou na campanha. Esta campanha eleitoral foi saudada, até agora, como a de mais alto nível entre as recentes campanhas políticas do país. Mas tentar convencer o eleitor de que Lula come criancinha, cá pra nós, é tão baixo nível quanto os acontecimentos de eleições passadas. Foi este o motivo que levou Regina a ser criticada. E se ninguém pode criticar o discurso de Regina Duarte, sob a justificativa de que numa democracia todo mundo tem o direito de expor seu pensamento, estamos numa democracia muita estranha. Uma democracia que aceita a réplica, mas rejeita a tréplica. É uma democracia manca. E, peralá, isso não tem nada a ver com patrulha ideológica.

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Agora que a Beatriz Segall entrou na campanha, tudo indica que o Serra vai deslanchar.

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É a glória. Entrei para os anais da Câmara dos Vereadores. Eu e o Arnaldo Jabor. E olha que eu nunca dirigi um filme. Mesmo assim, só por este modesto trabalho de colunista, o vereador Mario del Rei incluiu-me em seu discurso dia desses (eu e o Jabor). Definiu-me o nobre vereador como ?nossa elite, que, derrotada nas urnas, não se conforma?. Vem cá, o cara sabe em quem eu votei? Diz ele que, em artigo, ?de forma leviana, maldosa, traiçoeira? tentei desmerecer ?a vitória de Rosinha em nosso estado?. Tem mais: ?o nosso repúdio ao Artur Xexéo (e ao Jabor) é total, e nós apoiamos irrestritamente a governadora eleita, Rosinha.? O que eu posso dizer? Ele apóia a governadora Rosinha e eu apóio a governadora Rosângela. A gente ainda vai se entender.

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Como todo mundo sabe, não tenho nada contra dona Rosângela Matheus. Nem contra seu marido, o ex-governador e candidato a Presidência da República derrotado Tony Matheus. Imagino mesmo que, assim que assumir, dona Rosângela, com o auxílio luxuoso de seu experiente marido, vai incentivar o turismo no nosso estado. É por isso que não consigo compreender por que dona Rosângela e Tony, na hora de escolher um cantinho para passar uma semana de férias, optaram por uma praia… no Espírito Santo. Será que foi uma maneira de desprestigiar Búzios, Angra, Cabo Frio e até mesmo Rio das Ostras? Espero que, depois de assumir, dona Rosângela não dê tão mole para as praias dos outros.

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Os e-mails que estão chegando aqui são cada vez mais esquisitos. O leitor Alex Felipe, por exemplo, mandou este: ?Eu concordo com a dona Rosângela quando diz que vocês gostam de deturpar as coisas. Vocês são muito tendenciosos. Faz-se do direito de ter um poder muito grande de manipular as pessoas. Mas Deus está vendo tudo isso, deixo para sua meditação: ?Não erreis. Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará.?

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Ceifará? Me ajuda, Aurélio: ?Cortar as espigas maduras? ou ?pôr (o cavalo) as mãos para fora, ao andar.? Humm… estaria Alex Felipe me chamando de cavalo? E cavalo tem mão? Acho que ele queria se referir às espigas maduras. Prometo meditar, Alex Felipe. Prometo meditar.

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E para provar que não tenho mesmo nada contra dona Rosângela, vai aqui uma sugestão para sua futura administração. Depois do sucesso da refeição a 1 real e do hotel a 1 real, por que não o alisamento japonês a 1 real?”

“Patrulhas nunca mais”, copyright Folha de S. Paulo, 22/10/02

“Os xiitas do PT pretendem decretar a morte de Regina Duarte como personagem do mundo artístico. Manifestação explícita do patrulhamento, que começou no período totalitário e que agora ameaça voltar no melhor estilo da ?não-pessoa? que vigorou nos tempos mais duros do stalinismo.

Dezenas de artistas e intelectuais declararam seu voto a Lula. E nada de mais que, na geléia geral de nossa vida pública, não vigore o pensamento único -parente daquele pensamento único criado pelo Consenso de Washington, expresso principalmente no setor econômico da comunidade internacional.

A novidade é que, desta vez, o patrulhamento será feito de cima para baixo, e não de baixo para cima, como ocorreu no regime militar. Com o PT dando um banho eleitoral, liderando uma confusa e inacreditável frente única, os xiitas estão assanhados com a perspectiva de darem as cartas e de dominarem o mercado das artes, da TV, do teatro, do cinema, das letras, do jornalismo, da vida cultural como um todo.

Vi outro dia, na TV, uma xiita esculhambar com a mesma veemência o Prona do Enéas e os vestidos de Rosinha. Dizia ela que os patrões obrigaram os seus empregados a votar nos candidatos do ?sistema?, deram a famosa cola com o número dos candidatos da ?elite? (citou Enéas e Rosinha como elementos da elite) e descobriram um processo para identificar eletronicamente cada voto, ameaçando demitir os que não obedecessem à cola fornecida pela empresa.

Há lobos esfaimados querendo aproveitar a onda vermelha do PT, já menos vermelha do que no passado, para um ajuste de contas.

No caso de Regina Duarte, é natural que se critique a crítica que ela fez. Ninguém é dono da verdade, nem mesmo a ex-namoradinha do Brasil. O problema é que, além da crítica à crítica, a patrulha decrete a sua ?não-pessoa?, ou seja, a sua morte profissional e artística.”