Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Raymundo Costa

ELEIÇÕES 2002

“Lula e Serra discursam e travam duelo na TV”, copyright Folha de S. Paulo, 21/10/02

“A eleição do próximo domingo ganhou cores tensas ontem quando os dois candidatos à Presidência da República, José Serra, do PSDB, e Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, travaram duelos no horário nobre da televisão. Um, público, na propaganda eleitoral gratuita de ambos. O outro foi nos bastidores de uma emissora de TV de São Paulo.

Apesar da pesquisa Datafolha, que aponta ampla vantagem de Lula na corrida sucessória, Serra atacou e disse que a eleição do seu adversário pode se transformar no ?maior estelionato eleitoral, depois da eleição de Collor? ou levar ?o Brasil à ruína?.

Prevenido sobre o ?grande pronunciamento? de Serra, alardeado ao longo da semana pela propaganda tucana, Lula, que abriu o horário eleitoral da noite, resolveu também fazer um discurso forte a fim de tentar neutralizar a fala do adversário:

?É inaceitável […? a tática usada pelo candidato do governo, que tenta nessa última semana, antes das eleições, e de forma absolutamente irresponsável, amedrontar o povo brasileiro, falando inclusive dos riscos dessa crise para nossa economia como se a culpa por essa crise não fosse deles, afirmando ainda insistentemente que ele, e só ele, sabe como resolver esse grave problema.?

Pouco antes de os dois programas serem exibidos, uma situação constrangedora. Serra gravou uma entrevista para a TV Bandeirantes. Logo depois, soube que o candidato petista seria entrevistado ao vivo pela emissora.

Integrantes da campanha de Serra rumaram para a TV, onde já se encontravam Lula e equipe. O tucano, que retardou sua ida a Osasco, cidade da região metropolitana de São Paulo, para um comício, exigia também entrar ao vivo, segundo seus assessores. Mas a emissora, no final, resolveu também gravar com Lula, e não mais entrevistá-lo ao vivo.

Santo e demônio

Anunciada com antecedência, a fala de Serra provocou uma série de especulações, inclusive a de que ele iria atacar a vida privada de Lula. No final, a fala do tucano nada mais foi do que um resumo, na boca do candidato, do que sua campanha vem dizendo.

Tomando o cuidado em dizer que Lula não era ?um demônio perigoso, coisa que muito fizeram no passado?, mas que também não era ?um santo? e sim um candidato que ?deve ser questionado?, Serra procurou fazer um contraponto entre o que Lula diz para o povo e o que diz para empresários e para o FMI.

E deu o bote: ?Se o Lula fosse eleito, estaríamos diante de duas possibilidades: ou ele cumpriria seus compromissos recentemente assumidos com os empresários e estaríamos, assim, diante do maior estelionato eleitoral, depois da eleição de Collor; ou, se tentasse cumprir suas promessas mágicas com a população, levaria o Brasil à ruína.?

FHC

Já Lula disse não duvidar das ?boas intenções? do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas afirmou que não podia admitir que FHC e Serra tentassem ?fugir da responsabilidade dos seus erros que, entre tantos prejuízos causados ao nosso país, resultou em 12 milhões de desempregados, maior índice de desemprego da história do Brasil?.

E também aproveitou para dar o bote: ?É de se perguntar: se ele sabe como resolver essa crise, por que já não fez isso antes? Se desde o começo do governo ele [Serra? foi um dos seus homens mais fortes e mais influentes?.

Serra fez um apelo dramático: ?Em apenas um dia nós vamos decidir o que vai acontecer nos próximos quatro anos. Em um dia e em quatro anos -a história mostra- se decidem décadas.

E reforçou:

?Eu quero dizer que, para mim, as opções do Brasil, felizmente, não são apenas a do estelionato eleitoral ou a da ruína.?

Pacto

Contrapondo-se ao discurso agressivo de Serra, Lula disse que não vai governar o país sozinho e prometeu ?um governo de paz, sem mágoas e sem rancores?, que terá como ?marca o entendimento e a negociação?.

?Mais do que nunca, será preciso fazer um pacto pelo país, numa autêntica união?, disse.

Para Serra, foi uma espécie de última cartada tucana para tentar reverter um quadro eleitoral amplamente desfavorável, como detectou a pesquisa Datafolha divulgada ontem, na qual o petista aparece com 61% das intenções de voto e Serra com 32%.

Isso porque, embora a posição de Serra na pesquisa não tenha se alterado após uma semana de cerrados ataques ao PT, a campanha concluiu que esse é o único discurso capaz de ?incomodar? o eleitor de Lula que vota contra o governo só porque quer mudar.

Serra ficou até as 6h30 de ontem na produtora de TV, dando os retoques finais no programa eleitoral da noite.

Além de tentar colocar o eleitor no dilema ?estelionato eleitoral ou ruína do país?, a estratégia de Serra também é voltada para o futuro: desde já os tucanos preparam o discurso para o fracasso de um eventual governo Lula. O discurso torna mais difícil a participação do PSDB num eventual governo do PT.

Serra vai tentar manter a campanha como se ela estivesse em ritmo de ?virada?. Com isso, tenta impedir que ela seja tomada pelo derrotismo. Hoje, ele estará em Minas com Aécio Neves (PSDB); na terça, deve ir a Pernambuco com Jarbas Vasconcelos (PMDB). Paralelamente, o comando político articula o que a campanha chama de ?segmentos relevantes de agregação de votos?, como os evangélicos, os prefeitos e organizações da sociedade civil.

O esforço tucano para manter o ânimo da militância destina-se também a evitar o que o coordenador-técnico da campanha, Luiz Paulo Vellozo Lucas (ES), chama de ?efeito corrida de cavalo?. Ou seja, a tendência de um segmento do eleitorado de votar no candidato que ele julga que vai ganhar, mesmo que admitisse apostar naquele posicionado em segundo lugar.

O ?efeito corrida de cavalo? pode transformar em goleada uma vitória que poderia ocorrer por um placar menor.”

“PT questiona no TRE pesquisa do Ibope”, copyright Folha de S. Paulo, 21/10/02

“O PT do Rio Grande do Sul protocolou representação no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) questionando a metodologia da pesquisa divulgada pelo Ibope na noite de sábado.

Pelo levantamento, feito entre os dias 15 e 18, o peemedebista Germano Rigotto tem 23 pontos percentuais de vantagem sobre o petista Tarso Genro na disputa pelo governo gaúcho.

Em relação à pesquisa anterior, realizada entre os dias 8 e 10, Rigotto oscilou positivamente um ponto, passando de 57% para 58%. Tarso ficou nos 35%.

Os outros dois institutos que acompanham as eleições gaúchas, o do jornal ?Correio do Povo? e o Cepa, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), mostram tendência de diminuição na diferença entre eles.

Durante o primeiro turno e a primeira rodada de pesquisas do segundo, os três institutos apresentaram números semelhantes. O PT quer que o Ibope explique como foi feita sua amostragem.

A consulta do Ibope ocorreu entre os dias 15 e 18. Foram ouvidas 2.000 pessoas. A margem de erro é de 2,2 pontos percentuais para mais ou menos.

Pelo Centro de Pesquisas do ?Correio do Povo?, anteontem, Rigotto tinha sua vantagem em relação a Tarso diminuída de 14,6 pontos apurados no sábado anterior para 7,9 pontos. A apuração ocorreu entre quinta e sábado: Rigotto caiu de 54,6% para 51,2%. Tarso cresceu de 40% para 43,3%. A margem de erro é de 2,2 pontos.

Na quarta-feira, o Cepa havia registrado uma queda de 23 para 14,8 pontos na vantagem de Rigotto sobre Tarso. O peemedebista teria 54,5%, contra 39,7% do petista. A margem de erro do Cepa é de 2,4 pontos percentuais.

A Folha procurou o presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, para ouvi-lo a respeito, mas até o fechamento desta edição, não conseguiu falar com ele.

Lula e Serra

As eleições gaúchas estão mantendo forte vínculo com as eleições presidenciais, pois o Rio Grande do Sul, governado pelo PT, é estratégico tanto para o tucano José Serra quanto para o petista Luiz Inácio Lula da Silva.

Na sexta, Lula dedicou boa parte do seu programa ao Estado. No sábado, Serra voltou a fazer pesadas críticas ao governo gaúcho -já havia feito na terça.

Na campanha, Tarso tem mantido permanentemente seu nome vinculado ao de Lula. Rigotto utiliza imagens da candidata a vice-presidente na chapa do tucano, Rita Camata, que é peemedebista.”

“Teoria da dependência”, copyright Folha de S. Paulo, 21/10/02

“Alckmin é Serra, informa em letras miúdas o quadro de abertura da propaganda televisiva do governador. No entanto, a liderança lhe permite tocar uma campanha que em nada lembra o desespero do colega tucano em disputa pela Presidência.

Genoino é Lula, não se cansa de repetir com entusiasmo o locutor do horário petista. Mas, à diferença do padrinho, o candidato à sucessão paulista não está em condições de ser ?paz e amor?.

Os personagens representados pelos dois finalistas da eleição federal se invertem no plano estadual, em que coube a Genoino o papel de raivoso.

Seus 12 pontos de desvantagem em relação a Alckmin, se não parecem intransponíveis como os 29 existentes entre Lula e Serra, tampouco constituem déficit de fácil reversão até domingo.

Mas a matemática é insuficiente para explicar o tom da campanha do PT em São Paulo, fruto da incorporação de elementos essenciais do discurso malufista.

Como o adversário eliminado no primeiro turno, Genoino concentra suas críticas à atual administração em um tripé formado por pedágios, progressão continuada e criminalidade.

O mimetismo vai além do cardápio de temas, refletindo-se na própria escolha das palavras. Cliente de Duda Mendonça -que de Maluf entende como poucos-, o petista promete dar fim à ?farra dos pedágios? e ao sistema educacional ?em que crianças chegam à quinta série sem saber ler nem escrever?.

O terceiro problema ele pretende resolver com a ?Operação Linha Dura?, abracadabra que pode ser descrito como uma espécie de ?Fura-fila? da segurança.

Apesar do empenho, o eleitorado do ex-prefeito se transfere majoritariamente para Alckmin, mostra o Datafolha publicado hoje.

Outro fator a explicar os excessos verbais de Genoino é a personalidade de seu oponente. Frio e metódico ao extremo, o governador revela-se osso duro de roer.

Em dois debates na semana passada, bombardeou o petista com perguntas técnicas sobre a gestão do Estado. Obteve respostas vagas e não raro destemperadas. O que planeja fazer quanto ao saneamento básico? ?Muito mais do que você está fazendo.?

Nem a tática de associação a FHC, que tanto tira Serra do sério, parece funcionar com Alckmin. Diante de questões nessa linha, ele faz rápido reconhecimento de mérito do governo federal e, sem trauma aparente, parte para o que lhe interessa: vender a própria administração.

Em contrapartida, quando fustiga o adversário por ?ficar na sombra do presidenciável de seu partido?, Alckmin toca em ponto sensível. A candidatura Genoino é, de fato, ?luladependente?.

Boa parte das respostas do petista consiste em afirmar que os problemas serão resolvidos com ?Lula presidente e a mudança do modelo econômico?. Dá a impressão de um vestibulando surpreendido ao passar na primeira fase e sem tempo de se preparar adequadamente para a segunda.

Enquanto isso, Alckmin conduz a campanha clássica de quem está no cargo, conhecida por marqueteiros como ?fez-fará?. A propaganda é um desfile de obras. Esqueça a disputa federal e o ?modelo econômico?.

Já foi dito que, se Serra perder e Alckmin ganhar, os governadores de São Paulo e de Minas serão os novos donos do PSDB.

Sem dúvida há diferenças de estilo entre os dois. Impossível imaginar o reservado Alckmin flagrado pelo ?Jornal Nacional?, como foi Aécio Neves, jogando vôlei de calção de banho no dia seguinte à vitória. Mas também é certo que ambos partilham enorme distância, em discurso e imagem, da geração de tucanos que, indicam as pesquisas, deverá sair derrotada desta eleição.”

“Quem tem medo de Regina Duarte?”, copyright Folha de S. Paulo, 20/10/02

“A atriz Regina Duarte foi a principal estrela das eleições na semana passada porque disse, no horário eleitoral gratuito, estar temerosa de que Lula esfarele as conquistas do Plano Real e de que não tire do papel nenhuma promessa social. Virou alvo da pancadaria de muitos artistas, que a acusaram de terrorista e até de venal.

Num discurso articulado pelo PSDB para mostrar que, com Lula, a crise vai aumentar, ela expressou o temor do eleitor desconfiado das qualificações do candidato do PT e atormentado com as perspectivas econômicas.

A julgar pela pesquisa do Datafolha publicada hoje, não existe um só sinal de que esse discurso tenha abalado os eleitores a ponto de suscitar, mesmo timidamente, uma virada. A uma semana do pleito, a avalanche Lula mostra que os brasileiros estão várias vezes mais dispostos a ter esperança do que a ter medo. As advertências sobre as possíveis dificuldades esvaem-se numa festa do tipo ?paz e amor?, em meio às promessas de milhões de empregos e de crescimento econômico.

Nas conversas reservadas, articuladores do PT já se sentem com um pé no Planalto e outro fora do palanque, trabalham mais com as previsíveis agruras do futuro próximo do que com as festas da esperada vitória e levam tão a sério o discurso do medo, de Regina Duarte, quanto o da esperança, de Lula. De verdade, estão mais para medo que para esperança.

Por isso querem anunciar, ainda neste mês, logo depois da esperada vitória, os nomes de quem vai comandar o Banco Central e o Ministério da Fazenda, ambos obrigatoriamente aceitáveis pelo chamado ?mercado?.

Quem tem informação tem medo -e sabe que, no primeiro ano de governo, se a situação não piorar e só continuar como está, já terá sido uma conquista e tanto.

A situação econômica está tão delicada e a conjuntura internacional, tão desfavorável (tem-se como quase inevitável uma guerra contra o Iraque, enquanto as economias de países ricos capengam) que Serra também não chega a ser um calmante. Eleito, terá de governar com a maioria dos brasileiros frustrados, decepcionados com a falta da sonhada mudança em que acreditaram, instigados pelas ilusões eleitorais.

As promessas de crescimento econômico do candidato do governo têm, pelo menos nos dois primeiros anos de mandato, as mesmas chances de sair do papel do que as de Lula.

Serra terá de montar uma ofensiva de comunicação -o que, como se vê na campanha, não é o seu forte.

Por carregar a bandeira da mudança, Lula vai ter de administrar, ainda com mais dificuldade do que Serra, a inevitável frustração popular. Os articuladores do PT ainda não sabem -e apenas estão começando a pensar no assunto- como deverão reagir para manter a legitimidade presidencial e, assim, assegurar apoio no Congresso, quando, passados 12 meses de governo, pouco puder ser apresentado.

Nesse momento, cercado de pressões, Lula repetirá o discurso da ortodoxia econômica (aquele que abateu a imagem do atual governo) ou vai buscar algum atalho?

É fácil o PT prometer, como prometeu mais uma vez na semana passada, superávit primário (ou seja, dinheiro para pagar as dívidas), num sinal para os investidores de que manterá os acordos com o FMI. Difícil é ver tantos recursos drenados para pagar dívidas quando se está cercado de cobranças (não dos credores, mas dos eleitores) e aparecem números sombrios nas pesquisas que medem prestígio presidencial.

Não será agradável -por ser muito difícil- justificar o aperto fiscal usando como argumento a importância de não brigar com o FMI e com os banqueiros, tão acusados de perversos especuladores em palanques passados.

O tamanho do desafio do próximo presidente pode ser avaliado com base em uma informação do balanço da gestão FHC, produzido pela Folha e publicado na quinta-feira passada. O Plano Real tirou 10 milhões de brasileiros da linha da pobreza, graças, em larga medida, à estabilidade financeira, à ampliação da previdência rural e aos programas de renda mínima.

Mesmo assim, a imagem de FHC está associada ao retrocesso social -o que municia a campanha de Lula. E notem que FHC se salva por causa da estabilidade.

P.S. – O episódio protagonizado por Regina Duarte provocou ridículos comentários por todos os lados. A atriz identifica-se há muito tempo com o PSDB. É estupidamente óbvio que ela tem o direito de fazer campanha e dizer o que bem entender: não merece receber acusações e ataques baixos como recebeu de artistas. Mas também é certo que aqueles que não gostaram do que ela disse critiquem a sua atitude -e isso nada tem a ver, como quiseram afirmar dirigentes do PSDB, com patrulhamento.”