CORREIO SOB CENSURA
É, sim, a mais profunda indignação que nos move a escrever essa carta. É, mais ainda, a certeza de que há quase nove anos o Correio Braziliense tem feito jornalismo da melhor qualidade, reverenciado pela criatividade e ousadia, tantas vezes premiado, em praticamente todas as editorias, de turismo a política, de esportes a economia. Até quando erramos feio fomos premiados. Porque assumimos o erro em manchete de primeira página, gesto inédito no jornalismo brasileiro.
Nesses tantos anos de jornalismo de verdade, os repórteres do Correio rodaram centenas de milhares de quilômetros dentro do Distrito Federal. Conhecemos os dramas, as dificuldades e as conquistas dos brasilienses de todas as classes sociais. Perscrutamos, dia a dia, a vida da cidade criada por Juscelino, Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Repórteres, a maioria muito jovens, recém-saídos da universidade, saem às ruas de peito aberto, de segunda a segunda, para ver, ouvir, perguntar, perguntar de novo e relatar os movimentos, as angústias e as vitórias desta cidade igualmente tão jovem. Jornalismo é isso. Ver, ouvir e contar para quem não pôde ver nem ouvir em tempo real o movimento da cidade, do país, do mundo.
Podia ser simples assim, não fossem os muitos interesses obtusos de quem quer cegar e calar o jornalismo genuíno. Faz tempo que nós, jornalistas do Correio, sofremos diariamente insinuações, ameaças, agressões no exercício diário da reportagem. Nada não. Não somos os primeiros, não somos os únicos, e jornalismo se faz assim mesmo ? na contramão de quem quer ficar impune. Nada disso nos faz diferentes nem heróis. Corremos o mesmo risco que todos os brasilienses, o de perdermos, definitivamente, o privilégio de morar numa cidade planejada, moderna, de altos índices de qualidade de vida. De podermos respirar o ar puro da pluralidade democrática, da convivência civilizada entre pensamentos divergentes, da disputa sadia de idéias e projetos.
A despeito de todos os defeitos que o Correio Braziliense possa ter ? porque erramos, sim; talvez tenhamos errado na dose, errado no tom, errado no jeito ?, a despeito de todas as nossas falhas, este jornal transmite as ondas da cidade; aonde Brasília vai, nós vamos atrás. Tem sido assim há mais de 27 mil edições, das mais alvissareiras, como quando um time de Brasília, o Brasiliense, disputou pela primeira vez a decisão de um torneio nacional (Copa do Brasil) ou quando saímos às ruas aos milhares para pedir a paz no trânsito e fomos pioneiros no respeito à faixa de pedestre. Às mais dramáticas, como quando jovens de classe média puseram fogo num índio ou mataram João Cláudio Cardoso Leal a pancadas.
Às vésperas de um dia decisivo para a plenitude democrática deste país, temos medo da derrota. Corremos o risco de perder o gravador, a caneta, a máquina fotográfica, os olhos e os ouvidos da Brasília que a gente tanto gosta e que elegemos como a nossa cidade. Isso porque anunciam-se mudanças na presidência e na direção do jornal. Estamos fraturando, neste momento, a secular idéia de que jornalista não se une a patrão. Fazemos essa ruptura sem nenhum temor. Porque ao longo dessas quase três mil edições, o Correio Braziliense deu provas de que faz jornalismo independente, de que denuncia, investiga, escancara, recua quando necessário, enaltece, festeja, critica, lança mão de todas as ferramentas da democracia.
E disso bem sabem os leitores deste jornal. Que se recorra aos mais de três mil e-mails e centenas de telefonemas recebidos desde que a redação foi invadida por um oficial de Justiça para censurar a edição de quinta-feira passada. Nesse mesmo dia, o presidente dos Associados e do Correio Braziliense, Paulo Cabral de Araújo, e o diretor de Redação, Ricardo Noblat, anunciaram o afastamento de seus cargos a partir de 1? de novembro. O que significa pôr em risco a continuidade desse projeto. É tudo o que não queremos, é tudo o que Brasília não quer, e dizemos isso sem o risco do exagero ou do ufanismo. Dizemos isso sustentados no vigor das palavras dos milhares de leitores que escreveram ou ligaram para a redação nos dois últimos dias.
Não é mérito nosso. É nossa função. Ganhamos para isso, nos formamos para isso, aprendemos no dia a dia que é assim que se faz jornal. Essa cidade tão moça ainda não forjou publicações independentes e soberanas, capazes de sobreviver à margem dos interesses abjetos deste ou daquele grupelho político. Por isso, o Correio Braziliense ganha um lugar tão fundamental para a oxigenação das idéias, dos debates, do pensamento de Brasília.
Uma cidade muda se não quiser se tornar muda.
E nós, brasilienses por nascimento e por afeição, sabemos que não é fácil entender essa cidade tão peculiar. O projeto editorial inaugurado em fevereiro de 1994, que jogou os releases no lixo e aposentou o discurso burocrático e oficioso, corre perigo.
A linha editorial deste jornal conseguiu um feito raro na história de dignidade da imprensa na capital, conseguiu autonomia. Manteve-se íntegra mesmo quando irritava o poderoso de plantão. Anulou a prosmicuidade das amizades aduladoras, muitas vezes mescladas com dinheiros ou cargos. Era a famigerada imprensa chapa-branca. O atual jornalismo praticado pelo Correio Braziliense se livrou de tudo isso ? e não foi fácil, era um hábito incrustado nas máquinas de escrever.
Em nome dos quase três mil leitores que mantiveram contato com a redação nos dois últimos dias, e dos silenciosos porém igualmente angustiados com a hipótese de perdermos a força de nossa voz, nós, jornalistas do Correio Braziliense, lançamos esse manifesto aberto a toda Brasília. Não podemos lançar no abismo essa imprescindível conquista de cidadania. Queremos assegurar que o projeto editorial tão premiado e aplaudido continue. Brasília, 26 de outubro de 2002
A carta acima está assinada por 151 jornalistas, fotógrafos, estagiários, artistas gráficos, diagramadores e auxiliares administrativos da redação do Correio Braziliense:
Adriano Ceolin
Adriano Lafetá
Alberto Ramos
Alessandra Flach
Alexandre Botão
Ana Beatriz Magno
Ana Clara
Ana Lúcia Moura
Ana Maria Dubeux Costa
Ana Sá
André Garcia
Andrea Cordeiro
Angela Velasco
Antonio Amaro Junior
Antonio Vital
Armando Mendes
Bernardo Scartezini
Carlos Alexandre Silva de Souza
Carlos Marcelo
Carmem Souza
César Henrique Arrais
Chica Magalhães
Cida Barbosa
Claudio Versiani
Claudio de Deus
Conceição Freitas
Cristiana Felippe
Cristina Ávila
Cristhian Lira
Cristine Gentil
Dad Squarisi
Dalila Góes
Dalton Paranaguá
Dante Accioly
Denise Rothenburg
Dimas Ximenes
Erica Montenegro
Eneila Reis
Eumano Silva
Everton Venâncio
Felipe Campbell
Fabiano Messias
Fabio Sales
Fabíola Góis
Fabricio Rocha
Felipe de Almeida Bastos
Fernanda Lambach
Fernanda Nardelli
Flávia Diniz
Flávia Duarte
Gabriel Góes
Gilberto Alves
Gilson Araújo
Giovana Perfeito
Guaíra Índia Flor
Graciela Urquiza Mendes
Helio Franco
Itamar Figueiredo
João Bosco
João Rafael Torres
João Luiz Marcondes
João Carlos Rodrigues
João Martins Neto
Jorge Luiz Cardoso
José Augusto Neto
José Carlos Vieira
José Cruz
José Negreiros
Juliana Moreira Lima
Juliana Cézar Nunes
Kacio Pacheco
Kido Guerra
Klecius Henrique
Kleber Sales
Lauro Rutkowski
Leni Reis
Leonardo Cavalcanti
Leonardo Meirelles
Lilian Tahan
Lorenna Rodrigues
Lucas Pádua Barbosa
Luciana Jatobá Lobo
Ludmila Luz
Luiz Alberto Weber
Luis Tajes
Marcelo Ramos
Marcello Xavier
Marco Freitas
Marcos Pinheiro
Marcos Guber
Maria Clarice Dias
Maria Ferri
Maria Vitória
Mariana Santos
Mariana Moreira
Marina Oliveira
Maurenilson da Silva
Matheus Leitão
Musa Ferreira Vila Nova
Nahima Maciel
Nina Guimarães
Noéli Nobre
Oswaldo Buarim Junior
Paloma Olivetto
Paulo Paniago
Paulo de Araujo
Paola Lima
Patricia Mesquita
Paulo Rossi
Pedro Ribeiro
Pedro Paulo Rezende
Placido Fernandes
Priscilla Borges
Renato Ferraz
Renato Ferreira de Oliveira
Ricardo Borba
Ricardo Cunha Lima
Ricardo Leopoldo
Ricardo Ramos
Roberta Teles
Roberto Fonseca
Roberto Naves
Rodrigo Hilário
Ronia Alves
Rosane Torres
Rovênia Amorim
Rudolfo Lago
Samanta Sallum
Sandro Silveira
Sergio Amaral
Sérgio Maggio
Sérgio de Sá
Sibele Negromonte
Sheila Raposo
Sheila Messerschmidt
Severino José da Paz
Suely Carvalho
Thaís Cieglinski
Talita de Araújo
Thiago Vitale Jayme
Tiago Faria
Tiago Taborda
TT Catalão
Ullisses Campbell
Valda Rocha do Carmo
Valdson Messias
Valeria Blanc
Valéria Velasco
Valéria Feitoza
Verene Wolke
Vicente Nunes