PALAVRAS & FRASES
Sebastião Jorge (*)
Avançada no tempo, século 13, foi Joana, rainha de Nápoles, Itália. Bela, moça e inteligente, além de mecenas de poetas, artistas e intelectuais, regulamentou os bordéis. O ato lhe custou caro, mas soube como se vingar da maledicência.
Ora, se os lupanares incomodam, em particular, àqueles que não o freqüentam, avaliam naqueles tempos de excessivo zelo pela moral e os bons costumes… Joana era teimosa.
A sociedade lhe virou as costas, difamando-a sem piedade. Acusaram-na de tudo, menos de ser proprietária de uma daquelas casas, no entanto, fizeram pior: é para ela mesmo freqüentar. Mereceu desprezo e revolta. Caso fosse contemporânea de nossos dias, com a liberalidade solta dos costumes, seria canonizada, com láureas, pela legião dos adeptos da ousadia.
A igreja apesar dos protestos mereceu da nobre um grande favor… Consentir que os papas, escorraçados por motivos políticos da Itália, fossem morar em Avignon, que lhe pertencia. Nesta cidade, onde morava, depois de fugir de Nápoles, fez fama e envolveu-se numa tragédia. Editou a norma que permitia o funcionamento dos bordéis. Queria que essas casas tivessem uma só porta de entrada. Depois, foi assassinada por um sobrinho, de olho na herança.
As acusações não paravam. Um dia soube como reagir, ou seja, ameaçou revelar os nomes dos freqüentadores, que incluía gente boa. Pronto, deixaram-na em paz.
Pela iniciativa continua lembrada, através da expressão "casa da mãe Joana", embora alguns não entendam o porquê: é um lugar em que todo mundo manda e faz o que bem entende. O português, safadamente, transformou o dito, substituindo a palavra casa, por outra. Não preciso avançar. Todo mundo sabe. Quanto ao mais não resta dúvida, Joana permanece na memória coletiva.
E tão viva a presença, que neste começo de século, vem de ser lançado um livro, homenageando-a, de alguma maneira, com o título Casa da mãe Joana, de Reinaldo Pimenta, que se acha na lista dos mais vendidos. Nele, o autor, que desconhecemos, se pretendeu homenagear Joana ou aos bordéis, cujas casas representaram um dos mais fortes fetiches da sociedade moderna, faz desfilar outras curiosidades a respeito das origens das palavras e frases. Muitas delas correm mundo. São citadas em diversos idiomas. As explicações variam de acordo com a imaginação.
Sinceramente, tinha vontade de saber a origem da expressão "pagar o pato", que se diz, quando alguma coisa acontece e alguém é responsabilizado pelo ocorrido. Agora, tenho a minha curiosidade satisfeita. A explicação se transformou numa história de sabor fescenino e envolve três personagens: uma mulher casada, dois homens e um pato.
O vendedor ofereceu o pato à mulher, que disse não dispor do dinheiro.
? Não tem problema ? respondeu o homem, considerando a beleza e a fama da compradora.
Houve logo um primeiro encontro. Horas depois, era esperado o marido para o jantar. Ela o despediu, mas ele queria ficar. Passaram a discutir em voz alta, por causa de 20 vinténs, para saldar o pagamento. O marido ouvindo os gritos, perguntou o que se tratava e ao saber, ponderou, mansamente:
? Tão pouca coisa atrasando o nosso jantar. Tome aí o dinheiro.
E pagou o pato.
O nhenhenhém do presidente Fernando Henrique Cardoso, todo mundo sabe, já que a palavra foi usada para responder aos seus críticos, o que, segundo ele, só fazem blablablá, aliás, traduzindo do tupi, falam, falam, falam. Se não sentirmos saudades do seu governo, vamos reclamar do presidente por nos privar do vocabulário extravagante e cheio de malícia sociológica, que empregava, para justificar os problemas do país.
É preciso "olho vivo" (ficar atento) naqueles que comandarão os destinos do país. Essa expressão tem origem com o retorno de Dom João VI, para Portugal, surrupiando o nosso ouro (em moeda e barra), depositado no Tesouro Nacional e no Banco do Brasil, que ele mesmo fundou, provavelmente com esse fim. Dom João de bobo só tinha o jeito e a fama, e aquele gosto estranho de andar com galetos assados no bolso, segundo alguns historiadores, ou a gozação nacional, para saciar o apetite. Fica provado que o seu apetite era outro.
O povo na despedida da família real, ironizou a safadeza, com estes versinhos: "Olho vivo/ Pé ligeiro./ Vamos a bordo/ Buscar o dinheiro".
No Maranhão houve um grande jornalista José Cândido de Moraes e Silva, editor do jornal O Farol, década de 20 do século 19, que costumava chamar a atenção da sociedade, com esse refrão "olho vivo", para alertar os desvios de conduta dos adversários, ligados ao governo, entre os quais se incluía um grande número de portugueses. José Cândido não fazia concessões no seu ideário político. Era intransigente na denúncia e duro na linguagem. Pouco antes de morrer, aos 24 anos de idade, quase assume o governo da Província com a força do verbo inflamado. O seu jornal, de cunho liberal, trazia uma curiosa epígrafe, como demonstração do jornalismo de denúncia que praticava, e rebeldia contra os rumos do país: "De circunlóquios nada sei/ O caso conto, como o caso foi:/ Na minha phrase, da constante lei,/ O ladrão é ladrão, o boi é boi." Ao defender mudanças para o país, escrevia "Federação ou morte".
A rainha Joana, sejamos justos, não deixou apenas a regulamentação dos motéis, também a oportunidade de nos servirmos de uma cultura, que pode até ser inútil, mas faz rir o bastante, para não termos de chorar, com os resultados políticos, nestas eleições. De qualquer jeito fica o lembrete, como queria o jornalista José Cândido "olho vivo".
(*) Professor universitário, jornalista, advogado e escritor