IRAQUE
O teatro promovido pelo governo do Iraque, que convocou a população, sob os olhares atentos dos homens de Saddam Hussein, a votar pela continuação do ditador no poder ? a opção "não" até existia, mas condenaria o eleitor insatisfeito à morte ? teve um resultado previsível: 100% de votos a favor. Amplamente divulgado pela imprensa ocidental, o evento recebeu dos jornais e agências de notícia o nome impróprio de "eleição", critica James Taranto [Wall Street Journal Online, 15/10/02].
Reuters, CNN, BBC, Associated Press, todos insistiram em retratar o que ocorreu como se fosse uma eleição de verdade, diz o autor, que afirma não conseguir entender o porquê. Um exemplo é a manchete da MSNBC.com em 15/10: "Iraque diz ?sim? a Saddam, votantes mostram apoio enquanto a ameaça americana cresce". Mas o pior de todos foi o Los Angeles Times, opina Taranto: o artigo de Michael Slackman ? intitulado "Para iraquianos, votar em Hussein é um exercício de democracia" ? reconhece que o resultado já era esperado, "mas a reação ocidental também".
O autor cita trecho de uma matéria que acertou ao tratar do assunto: "Desafiando a lógica, o Iraque anunciou na quarta-feira 100% de apoio para Saddam Hussein, num referendo promovido por Bagdá como a resposta da nação à determinação de George W. Bush de depor o presidente". O despacho, por sinal, é do Lebanon Daily Star.
Missão impossível
Mas trabalhar como correspondente no Iraque não é tarefa das mais fáceis, relata Frida Ghitis [Los Angeles Times, 16/10]. O governo ameaça constantemente tirar os vistos dos jornalistas cujo trabalho o desagrada. E o público precisa ter isso em mente quando vê, ouve ou lê qualquer notícia sobre o Iraque.
Ghitis esteve no país em 1998, quando os inspetores de armas da ONU foram barrados e o governo Clinton ameaçou bombardear a região. Os poucos que conseguiram visto tiveram que cobrir diariamente as manifestações populares "espontâneas" de apoio a Hussein e tolerar a companhia de um supervisor do Ministério da Informação cada vez que saíam para entrevistar pessoas na rua. "Falar mal do presidente pode levar a uma morte precoce."
"A realidade", diz a repórter, "é que não importa o quanto lemos ou o quanto de informação nos é passada diariamente, ao vivo de Bagdá, sabemos muito pouco sobre o que está acontecendo, e menos ainda como os iraquianos se sentem sobre uma possível guerra em seu solo".