CORREIO CENSURADO
“A volta do censor”, copyright Folha de S. Paulo, 25/10/02
“Brasília, quarta-feira, 23 de outubro de 2002, 22h. A data entra para a história do país porque nessa noite a Justiça Eleitoral ressuscitou a figura infame do censor e reintroduziu-a em uma redação de jornal, a do ?Correio Braziliense?.
Foi mais um golpe perpetrado contra a liberdade de expressão. Estamos assistindo a uma escalada de medidas anticonstitucionais, todas paradoxalmente amparadas pela Justiça, que nos fazem crer que o direito à informação neste país está definitivamente ameaçado.
A Justiça vem entendendo, erroneamente, que deve censurar a imprensa para proteger personalidades públicas como o ex-governador Anthony Garotinho e o governador Joaquim Roriz de acusações que os associam a irregularidades. Primeiro, proibiu a divulgação de informações. Anteontem, reinventou os censores.
Roriz e Garotinho não são cidadãos comuns, são homens públicos. E é do interesse público que sejam investigados, como qualquer político, porque lidam com as coisas públicas e gastam dinheiro público. Devem, por isso, prestar contas. Não se entende, portanto, tanto esmero em protegê-los de investigações que deveriam ser amplamente difundidas.
A Justiça brasileira precisa, urgentemente, refletir sobre as consequências de seus atos que cerceiam a liberdade de imprensa. Para ajudar nessa reflexão, transcrevo um trecho de um trabalho do juiz Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, especialista em direito de informação.
?A investigação jornalística é uma decorrência da cidadania em uma sociedade democrática, caracterizada pelo sistema representativo. Não podendo os cidadãos, por si, supervisionarem e fiscalizarem diretamente a administração pública, transferem, tacitamente, aos profissionais da informação esse seu direito de cidadania. Esses profissionais exercem a fiscalização dos órgãos públicos como mandatários dos cidadãos.?
Ou, nas palavras de Rui Barbosa, ?a imprensa é a vista da nação?. Estão querendo cegá-la.”
“Liberdade para informar”, copyright Correio Braziliense, 25/10/02
“?Em matéria de liberdade de expressão, é proibido proibir.? A máxima, proferida pelo ministro Marco Aurélio Mello, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), repercutiu durante o seminário Imprensa e Dano Moral, realizado em maio em Brasília. A frase foi parcialmente extraída de canção É Proibido Proibir, composta em 1968 por Caetano Veloso em protesto contra a ditadura militar e em apoio aos revolucionários estudantes franceses. Na tarde de ontem, o presidente da mais alta corte do país renovou suas palavras ao ser perguntado sobre o que pensava da censura prévia imposta ao Correio Braziliense. ?Minha opinião sobre o assunto é conhecida. Não mudei de opinião sobre a liberdade de imprensa?, esquivou-se, com um sorriso.
Em julgamentos anteriores sobre casos semelhantes, Marco Aurélio deixou clara sua posição: a liberdade de imprensa é pilar inabalável da Constituição, inatacável por mecanismos de censura (mecanismos, aliás, proibidos de forma expressa pela própria Constituição). Na opinião do ministro, os meios de comunicação podem publicar o que quiserem, sujeitando-se, obviamente, a ações de natureza penal (no caso de calúnia, injúria e difamação, por exemplo) e civil (indenização por ofensas à imagem, por exemplo).
A opinião é unânime no meio jurídico. ?Não aceito a censura ao jornal. A Constituição garante liberdade de imprensa ampla e permite até mesmo a atitude extrema, que é o descumprimento de ordens judiciais?, afirmou José Eduardo Alckmin, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele ressaltou que mesmo a divulgação de material capaz de comprometer candidatos não deveria ser proibida. ?Há outros remédios antes da censura. Caso a publicação cause danos eleitorais a algum candidato, basta que o prejudicado peça à Justiça a cassação do registro do adversário beneficiado?, exemplificou.
No STF, a tese da ampla liberdade de imprensa conta com adeptos importantes, como Carlos Mário Velloso. Em 1989, o ministro estava no Superior Tribunal de Justiça e concedeu liminar autorizando o jornal O Pasquim a circular com uma charge em que Paulo Maluf era atacado por um ladrão. ?Estupra, mas não mata?, gritava a caricatura de Maluf, à época candidato à presidência. Maluf havia dito exatamente isso em uma palestra em Belo Horizonte. Saulo Ramos, então ministro da Justiça, havia determinado a apreensão do Pasquim, mas Velloso liberou a circulação no jornal. ?Como é que um jornal ia ficar dois meses sem circular? Isso não era possível?, disse ontem Velloso.
Liberdade e conquista
Advogados, desembargadores e ministros discordam da decisão do juiz federal Jirair Meguerian, que na noite de quarta-feira ordenou que um oficial de justiça impedisse a publicação de trechos de conversas dos irmãos Passos. ?A liberdade de imprensa é uma conquista da humanidade. É garantia da liberdade do próprio indivíduo, sua família e de toda a sociedade. Qualquer ameaça a ela deve ser repelida?, disse Olympio Pereira da Silva Júnior, presidente do Superior Tribunal Militar.
O jurista paulista Luiz Flávio Gomes, um dos maiores especialistas em Direito Penal, diz que a censura ao jornal foi descabida, pois em nenhum momento houve grave ameaça de crime contra qualquer pessoa. ?A decisão que submeteu o jornal à censura prévia é inconstitucional e resultado do excesso de cautela do juiz. Não se pode amordaçar um jornal por simples suspeita de ocorrência de um delito?, afirmou. ?Foi um erro?, sintetizou.
?A censura é um ato estúpido?, qualificou Safe Carneiro, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, se&cceccedil;ão Distrito Federal. Segundo ele, o juiz Meguerian errou. ?Já havia um determinação para não publicar as fitas. Eu tenho absoluta certeza de que o jornal não publicaria?, disse. ?Estamos nivelando Brasília inteira pelo seu governador, que não cumpre ordem judicial?, lamentou. Colaborou Roberto Fonseca”
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“Repercussão 2”, copyright Correio Braziliense, 25/10/02
“?O governador pedir censura, não me espanta. A Justiça permitir é que me preocupa? Tânia Batella, coordenadora da Comissão de Política Urbana do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB)
?A censura é um ato irresponsável. Estamos nivelando Brasília pelo seu governador? Safe Carneiro, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção DF (OAB-DF)
?Comparo essa agressão a um novo AI-5. A Justiça do DF abriu um precedente? Sílvio Rauth Filho, diretor-executivo do Sindicato dos Jornalistas do Paraná
?Não conheço antecedentes na história das democracias. A cidadania brasileira foi atingida? Miro Teixeira, deputado federal (PDT-RJ)
?O que FHC, defensor das liberdades democráticas, tem a dizer, agora, sobre seu aliado Roriz?? Lúcia Hipólito, cientista política
?Está aberto o caminho para a volta da censura. O Brasil inteiro deve se posicionar? Luiz Fernando Assunção, presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina
?A informação é um direito. O governador deveria prestar os esclarecimentos necessários? Eduardo Suplicy, senador (PT-SP)
?Em vez de ajudar num processo transparente, a Justiça interfere da pior forma? José Jorge de Carvalho, professor do Departamento de Antropologia da UnB
?A informação precisa circular, ainda mais num país que lutou contra a censura? Carlos Magno, presidente da Associação Comercial do Distrito Federal
?A sociedade tem de se mobilizar, pois esse fato pode ser o início de uma nova ditadura? Dalila Ribeiro Brandão, diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Caesb (Sindiágua)
?O Brasil não merece passar mais uma vez por essa história de redações com censores.? Tasso Jereissati, senador eleito (PSDB-CE)
?Qualquer tipo de censura é lamentável num momento de democracia em que vivemos? Heráclito Fortes, deputado federal, senador eleito (PFL-PI)
?Fico muito preocupado. Esse tipo de censura compromete o estado democrático? Antônio Rocha, presidente da Federação das Indústrias do Distrito Federal (Fibra)
?Roriz quer comandar todos os jornais do DF. Vamos lutar pela liberdade de imprensa? Cristovam Buarque, senador eleito (PT-DF)
?A liberdade de expressão é a bandeira maior na profissão do jornalista? Beth Costa, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
?Censura prévia é injustificável. É hora de o Legislativo impedir que isso volte a ocorrer? Jefferson Péres, senador (PDT-AM)
?Que democracia é essa, se não existe transparência nos atos públicos?? Sérgio Brandão, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Seção DF (IAB-DF)
?O Correio é instrumento de defesa de Brasília, que o atual governo tenta anular? Agnelo Queiroz, deputado federal reeleito (PCdoB-DF)
?O atentado à palavra escrita é sempre o primeiro ataque de um ditador à democracia? Cláudio Tognolli, membro da organização Repórteres Sem Fronteira, consultor da Unesco para jornalismo investigativo e professor da USP
?O Correio sofreu atentado à liberdade conquistada depois de décadas de ditadura? Carlos Jamil Cury, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação
?É preocupante o fato de Brasília estar prestes a perder um veículo independente? Antônio Augusto de Queiroz, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap)
?Roriz é um risco para o país. O que acontece em Brasília acaba no crime organizado? José Dirceu, presidente nacional do PT
?Foi uma violência contra a democracia. Achei que o Brasil não iria passar mais por isso.? Ciro Gomes, candidato a presidente da República pelo PPS
?Um fato inédito desde o fim da ditadura. Por que os outros jornais não deram na capa?? Alberto Dines, presidente do Observatório da Imprensa
?Não quero falar sobre isso. Vou ficar mal de um lado ou de outro. Me deixa fora disso? Lázaro Marques, presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejista)
?Não há nada acima da Constituição que justifique um ato como esse? Victor Gentilli, editor do Observatório de Imprensa
?Nós, democratas brasileiros, precisamos denunciar essa violência contra o Correio? Lúcio Alcântara, senador (PSDB-CE), candidato ao governo do estado
?Fatos de cerceamento de liberdade são inadmissíveis e retrógrados diante das eleições? Juçara Vieira, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE)
?A Justiça é para acertar, não para enviesar. É para ser reta, não para ser ambígua? Fernando Segismundo, presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)
?Qualquer ato de censura é ruim. É o mesmo que retornar a tempos que não desejamos lembrar? Adelmir Santana, presidente da Federação do Comércio do Distrito Federal (Fecomércio)”
“Imprensa amordaçada”, copyright Correio Braziliense, 25/10/02
“Indignados com a censura sofrida pelo Correio, jornalistas de todo o país deram demonstrações de solidariedade. ?Vasculharam o jornal exatamente com faziam os censores na época dos ditadores. A diferença é que a censura não vem mais do poder Executivo, mas de alguns elementos do Judiciário?, protestou Ana Arruda, presidente do Conselho da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
O jornalista e editor do Observatório da Imprensa Victor Gentilli vai além. Ele lembra que a única diferença em relação ao período ditatorial é que, naquela época, os censores invadiam as redações fardados. ?O TSE anda acolhendo as reclamações de políticos e, cada vez mais, temos recebido doses de censura. O problema é que as pessoas têm se acostumado com isso.?
A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também lamentou o episódio. ?Esse fato tem características ameaçadoras para a liberdade de imprensa?, comentou o presidente da ANJ, Francisco Mesquita Neto. A associação enviou um relato a mais de 20 organismos internacionais. Na lista estão a Associação Nacional de Jornalistas do Peru, Associação para a Defesa do Jornalismo Independente da Argentina, Associação Mundial de Jornais (AMJ) e Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). Também o Fórum Mundial de Editores da AMJ e a ONG Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em Paris, receberam a notícia.
Em resposta, a SIP já avisou que o caso do Correio será incorporado ao Relatório sobre Liberdade de Imprensa no Brasil, a ser apresentado na 58?Assembléia da SIP, em Lima (Peru), de 26 a 29 de outubro. Segundo o primeiro ranking mundial que avalia a liberdade de imprensa, divulgado ontem pela Repórteres sem Fronteiras, o Brasil aparece em 54? lugar.
As empresas jornalísticas e profissionais da área esperam uma forte reação pública. Eles sabem que ninguém mais que os leitores perdem com as proibições. ?O ocorrido abre um perigoso precedente na relação democrática de um veículo de comunicação com seu público, agride o direito fundamental, constitucional, da liberdade de informação e de expressão?, protestou a Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), em nota, na qual representa 31 sindicatos de jornalistas do país.
?É lastimável ver como a Justiça se comportou diante de uma suposição sem fundamentos de que o jornal publicaria o conteúdo das fitas?, reagiu o jornalista Gabriel Priolli, presidente a Associação Brasileira de Televisões Universitárias. O editor-chefe do jornal O Popular, de Goiás, classificou o episódio tão grave quanto grandes atentados mundiais. ?Espantosa como o ataque às Torres Gêmeas, abjeta como a covardia do atirador de Washington e sufocante como o seqüestro dos espectadores do teatro russo foi essa visita macabra que a censura fez à Redação do Correio.?
Mordaça
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) organizou uma reunião no Sindicato dos Jornalistas e um ato público em favor da liberdade de expressão e em solidariedade ao Correio. Os manifestantes colocaram mordaças azuis, em uma alusão à política do governador Joaquim Roriz (PMDB). Participaram do movimento diretores do Sindicato dos Jornalistas do DF, da Fenaj e de outros sindicatos filiados à CUT, além de líderes estudantis.
As entidades decidiram marcar uma reunião com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Nelson Jobim, e com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, para registrar a indignação. Colaborou João Rafael Torres”