ENTREVISTA / FÁTIMA PACHECO JORDÃO
Mauro Malin
[Continuação da entrevista de Fátima Pacheco Jordão. Clique em TEXTO ANTERIOR, no pé desta página, para ler o início da matéria; e em PRÓXIMO TEXTOpara ler a conclusão]
"O protagonismo feminino é muito maior do que o que a mídia retrata. A mídia tem enorme dificuldade para entender como ator legítimo tudo que escapa do tradicional, do poder institucional político. A agenda feminina, o protagonismo da mulher, em vários aspectos -
como política e mercado de trabalho -
ainda é visto na linha de ?a primeira mulher?, ?tem candidata mulher a vice-presidente?. Quem abre os jornais hoje vê, só de contar as fotografias de homens e mulheres, que há um desequilíbrio.
"Isso ficou muito forte nestas eleições. Há um eleitorado que se expressa especificamente, que quer modificar a agenda, e modernizar a agenda político-eleitoral na questão da mulher é dar mais espaço para o cotidiano, para os problemas reais. Hoje [31 de outubro], a parte da entrevista de Fernando Henrique à CBN, ontem, em que ele fala da pré-escola, está cortada no Globo. Mas está no Estado de S.Paulo. E até estranhei que houvesse o intertítulo ?Pré-escola?. Presidente da República, página inteira, montes de problemas macro e, de repente, ?Pré-escola?. Ele falou, como já deve ter falado anteriormente. Só que hoje o Estadão sacou e publicou. O Globo ainda cortou -
?isso não é assunto para presidente?. A mídia está muito atrasada. Com a expansão da presença da mulher no mercado de trabalho, a necessidade de creche e pré-escola é um assunto de vital importância para a economia brasileira.
"A mídia ainda lida muito mais com um reflexo formalizado da sociedade. Ela certamente cobrirá a necessidade da presença da mulher para que uma família tenha condições adequadas de existência. Mas se espanta com o fato de 50% das famílias de baixa renda serem chefiadas por mulheres. Isso é tratado de uma maneira muito superficial, e tem conseqüências quanto a criminalidade, educação de filhos, promoção de pessoas.
"Pegue isso da ótica da mulher, da sua condição de exercício da cidadania. É coisa para daqui a dez anos. Hoje, o protagonismo da mulher não está refletido na mídia, e não é sequer devido a um olhar de manutenção do tradicional. É de fato uma questão de cegueira, de não enxergar que a sociedade está na frente. A mídia tem a visão de que ela está na frente e já há alguns anos se vê exatamente o inverso -
essa eleição foi típica."
Mulheres conhecem de perto o corporativismo
"Houve, nas eleições para presidente, uma enorme diferença de votação entre homens e mulheres, atenuada no segundo turno. A realização de um segundo turno praticamente foi decidida por essa diferença. Se a votação de Lula entre as mulheres tivesse sido mais próxima da obtida entre os homens, ele levaria no primeiro turno. No primeiro turno, 60 e poucos por cento do voto dele era masculino. No segundo turno, caiu para 56% ou 57%.
"A interpretação mais convencional para isso que aparece na mídia é a do velho conservadorismo feminino. Eu não vejo assim. Com esse protagonismo, as mulheres de baixa renda segurando as famílias, educando os filhos e multiplicando papéis para poder conduzir as coisas numa realidade tão dura, tenho a impressão de que a crítica que as mulheres fazem ao petismo tem a ver com uma aliança muito forte do PT com as corporações de funcionários públicos. Ou seja, na hora das greves quem fica sem escola, sem professor, sem vacina etc. são elas. São elas que sofrem com essas greves do funcionalismo público, que já não existem mais no mundo moderno, três, quatro, cinco semanas de greve.
"De outro lado, as mulheres são as grandes usuárias da rede pública -
são elas que freqüentam de fato os balcões de serviços públicos. O PT não só teve sempre uma visão corporativista como extremamente crítica do funcionamento do Estado, e as mulheres são capazes de detectar como esse funcionamento melhorou, enquanto o PT não é capaz.
"Não passa pelo conservadorismo, mas pelo que elas enxergam de petismo na área pública. Em momentos de conflito entre funcionalismo e Estado, os sindicatos, as associações de funcionários, aderem de maneira irrestrita ao funcionalismo, deixando de lado o usuário. Interpreto assim esse voto, que não é anti-Lula, é um voto menos entusiasmado, mais crítico. O PT em campanha reviu essa posição, mas ao longo dessa década toda o PT teve uma posição muito indiferente aos sofrimentos do freqüentador dos serviços públicos.
"O PT moderno, do ABC, não faz greves na Volkswagen como faz no funcionalismo público. Na greve moderna não só se preservam certos aspectos do funcionamento da fábrica, como se apressa a negociação. No funcionalismo público isso era exatamente o inverso. Usava-se o cansaço do processo, a mídia, para desgastar o governo, e não para resolver o problema daquela corporação. Típica foi a greve das universidades [federais], que só se resolveu quando o Ministério da Educação pôs a mídia para assistir às negociações, porque os líderes negociavam uma coisa dentro da sala e, quando saíam, davam uma versão que levava novamente a impasses. Isso levou três meses. Quando abriram para a mídia, em uma semana se resolveu."
[Clique em PRÓXIMO TEXTOpara ler a conclusão desta matéria]